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Um casal é acusado de roubar um bebê na ditadura argentina

A vítima é o neto da presidenta das Avós da Praça de Maio, Estela de Carloto

Estela de Carlotto abraça seu neto em 8 de agosto.
Estela de Carlotto abraça seu neto em 8 de agosto.N. PISARENKO (AP)

Uma juíza de Buenos Aires, María Servini de Cubría, a mesma que investiga os crimes do franquismo, acusou nesta quinta-feira o casal que criou o neto da presidenta das Avós da Praça de Maio, Estela Barnes de Carlotto, por tê-lo presumivelmente roubado na última ditadura militar da Argentina (1976-1983). Também foi acusado o médico Julio Sacher, que figura na certidão de nascimento de Ignacio Guido Montoya Carlotto, antes chamado Ignacio Hurban, que menciona que o bebê nascido há 37 anos era filho natural dos camponeses Clemente Hurban e Juana Rodríguez. Na realidade, logo após o nascimento, o bebê foi tirado dos braços da verdadeira mãe, Laura Carlotto, desaparecida, assim como o pai de Ignacio Guido, Wilmar Montoya.

Laura Carlotto, filha da presidenta das Avós da Plaza de Mayo, era militante da guerrilha peronista Montoneros, como Wilmar Montoya, e estava presa ilegalmente no centro La Cacha, perto de La Plata, quando deu à luz em 1977. Os militares levaram o recém-nascido e não o entregaram a seus familiares, como parte de um plano sistemático de roubo de 500 bebês filhos de desaparecidas que já foi condenado pela justiça. Um ou dois dias depois do nascimento, acabou em Olavarría, a 300 quilômetros a sudoeste de La Plata. Várias testemunhas contam que um médio empresário chamado Carlos Francisco Aguilar, aparentado com militares, recebeu o bebê e o entregou ao casal de agricultores que cuidava de sua propriedade rural e que não podia ter filhos, Clemente Hurban e Juana Rodríguez. A certidão de nascimento de Ignacio Hurban, que agora se faz chamar Ignacio Guido, ao acrescentar o nome que lhe deu sua verdadeira mãe, informava que o bebê havia nascido na casa que Aguilar, morto em março, tinha no centro de Olavarría, que era filho de seus empregados e que Sacher, médico da polícia de Buenos Aires, havia feito o parto.

Ignacio Guido soube que era adotado no último dia 2 de junho, seu aniversário, e no mês seguinte foi feita a prova de DNA para comprovar se era filho de desaparecidos, como outros casos de bebês nascidos entre 1975 e 1980. Em agosto foi confirmado que era nada menos que o neto da mulher que liderou durante décadas a luta para recuperar os bebês roubados, uma noticia que comoveu toda a Argentina.

Na certidão de nascimento figuram os acusados como pais naturais e o médico que fez o parto

O jovem defendeu o casal que o criou, dizendo que continuava a amá-los e que teve uma vida feliz com eles. Também pôs em dúvida a autenticidade da assinatura de Clemente Hurban que figura na certidão de nascimento. Sua avó, Estela de Carlotto, reconheceu que qualquer pessoa que registra filhos adotivos como naturais está cometendo um delito de apropriação, mas comentou que nesse caso a cultura e a relação dos camponeses com seu patrão podem atenuar a culpa do casal.

Mas a juíza assinala Clemente Hurban e Juana Rodríguez e inclusive, na semana passada, declarou à Radio Mitre que De Carlotto e seu neto buscavam evitar que fossem acusados: "Eu suponho que querem desviar a investigação para que não se toque no pai de criação, como eles o chamam. Para mim, são apropriadores até que me demonstrem o contrário. Se me demonstrarem, não o são”. Servini citou outros casos conhecidos nos quais aqueles que registraram como próprios filhos de desaparecidas acabaram presos por subtração de bebês: "O pai (adotivo da deputada Victoria) Donda está preso e o que se apropriou de Juan Cabandié (outro deputado) foi condenado a 17 anos”. Claro que os que se apropriaram de Donda e Cabandié eram membros das forças de segurança, conheciam claramente a origem dos bebês, enquanto que existem dúvidas de que o casal de camponeses que ainda vive no meio do campo, na propriedade dos filhos de Aguilar, fosse consciente daquilo.

Servini também suspeita do médico, ao que proibiu sair da Argentina. O advogado de Sacher defendeu-o no tribunal alegando que na certidão de nascimento figura o nome, mas não a assinatura de seu cliente. Nenhum dos três acusados foi citado a declarar nem há uma ordem de prisão contra eles.

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