Os curdos formam uma frente antijihadista
Combatentes de três países se aliam contra o Estado Islâmico no norte do Iraque
Nem a aviação americana, nem as forças de defesa do Curdistão iraquiano. Quem salvou Yassem e sua família, assim como milhares de outros yazidis bloqueados pela ofensiva do grupo extremista Estado Islâmico (EI) na montanha de Sinjar no início deste mês, foi uma milícia curda da Síria, o Partido da União Democrática (PYD). Mais ao sul, a ajuda do Partido dos Trabalhadores de Curdistão (o PKK, que atua na Turquia) foi decisiva para libertar Majmur. Pela primeira vez, combatentes curdos do Iraque, Turquia e Síria uniram suas forças para lutar contra um inimigo comum.
“Os peshmergas se foram”, afirma Yassem, em referência às forças da região autônoma iraquiana. Esse homem, cujo irmão morreu tentando defender seu povo dos jihadistas, conta que, como não puderam resistir, eles fugiram para as montanhas de Sinjar, onde ficaram bloqueados durante dias praticamente sem comida nem água. “Foi o PYD que nos abriu o caminho, trouxe alimentos e pôs caminhões para nos retirar de lá”, sublinha. É um relato repetido pela maioria dos deslocados que chegaram à localidade de Zajo, no norte do Iraque, nas últimas duas semanas.
Os curdos das Unidades de Defesa Popular (YPG) conseguiram controlar uma zona do nordeste da Síria, fronteiriça com Iraque e Turquia, mantendo os jihadistas afastados. Agora, os homens dessa milícia cruzaram a fronteira com o Iraque e garantiram a segurança de uma estrada montanhosa para permitir a saída das pessoas bloqueadas em Sinjar. Mas, diferentemente da ação humanitária dessa milícia, a intervenção do PKK foi mais problemática.
Para começar, a guerrilha do PKK, que há três décadas luta contra o Estado turco, está na lista dos EUA e da União Europeia de organizações terroristas. Não há registro de que os assessores americanos e os guerrilheiros tenham tido algum contato. Ainda assim, sua intervenção não passou despercebida para os norte-americanos. Várias testemunhas afirmam ter visto esses milicianos em Erbil na primeira semana deste mês, quando o avanço do Estado Islâmico surpreendeu o Governo regional curdo iraquiano.
Por outro lado, a participação do PKK incomodou, sem dúvida, veteranos peshmergas. A aparente facilidade com que os jihadistas forçaram a retirada dessa força curda iraquiana quebrou o mito de sua invencibilidade. Além disso, o PKK disputa historicamente com o Partido Democrático do Curdistão (PDK, a principal força política na região autônoma) a liderança dos curdos – entre 30 milhões e 35 milhões – espalhados pela Turquia, Iraque, Irã e Síria.
“Em Majmur, as forças do PKK tem um acampamento faz tempo e, quando o EI atacou, participaram da defesa e recuperação da zona”, explicou o ministro da Defesa curdo iraquiano, Mustafá Said Qadir, ao ser indagado sobre a ajuda prestada pelo grupo.
A existência desse acampamento não era nenhum segredo. Mas, depois da retomada de Majmur, o presidente da região autônoma e líder do PDK, Massud Barzani, fez uma visita ao local. Foi a primeira vez que Barzani se reuniu em público com membros do PKK. A imprensa local, que até então evitava o assunto, divulgou o apoio desses milicianos, assim como de vários grupos do “Curdistão oriental”, em referência à zona curda do Irã.
Dez mil refugiados curdos que fugiam da perseguição turca foram instalados pelo Saddam Hussein nos arredores de Majmur em 1998. Qualquer um que reparasse ao passar pelo cemitério podia ver a bandeira do PKK e os cartazes com a imagem de seu líder, Abdullah Ocalan, que foi capturado em 1999 e cumpre prisão perpétua numa ilha do mar de Mármara. Quando os curdos iraquianos recuperaram aquela área em 2003, respeitaram o assentamento, que na ocasião já contava com escola, mesquita e ambulatório. Não está claro quantos dos adultos estavam armados e que grau de liberdade de movimento tinham.
“Sua ajuda foi crucial. Os homens do PKK são muito bons contra os jihadistas, porque têm experiência de combate nas montanhas”, admite Mohamed Maruf, um jovem peshmerga que participou da libertação dessa cidade, onde ocorreram alguns dos combates mais violentos até a recuperação da represa de Mossul.
Apesar do interesse provocado por sua entrada em cena, os membros do PKK mantêm a reserva em seu refúgio iraquiano. Às portas do acampamento, dois velhos milicianos, vestidos com as típicas bombachas curdas e distintivos com a imagem de Ocalan, negam-se a levantar a barreira.
“Aqui não há ninguém com quem possa falar, por isso é melhor ir embora por onde veio”, respondem com brutalidade. Sabem que sua presença na área é um exercício de equilíbrio político. Não só a visão tradicional de Barzani se choca com o marxismo ideológico do PKK, como também seus interesses ficam cada vez mais incompatíveis a cada dia que passa. Para o presidente curdo, a Turquia se converteu em um grande aliado e um dos principais investidores na região autônoma.
Já o PKK, embora tenha renunciado à aspiração de um Estado independente no sudeste turco, continua vendo o Governo de Ancara com desconfiança. No ano passado, os dois lados anunciaram um cessar-fogo, mas ainda não ocorreu o desarmamento.
Agora, os líderes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão estão fazendo gestões para que os EUA e a UE recompensem sua contribuição para frear o Estado Islâmico retirando o nome do PKK da lista de organizações terroristas, como confirma um diplomático iraquiano. O PKK nunca lançou ataques contra objetivos norte-americanos. Sua inclusão na lista de grupos terroristas foi feita a pedido da Turquia, que integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Por enquanto, as autoridades turcas, talvez escaldadas por seu envolvimento inicial na crise síria, preferem guardar silêncio.
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