Mercado imobiliário diz que o Plano Diretor vai elevar preços dos imóveis
Projeção é contestada por especialistas que não veem relação entre o novo projeto urbano para São Paulo e os aumentos no valor final. Construtora faz anúncio com alerta de alta de até 15%


“O que muda para você com o novo Plano Diretor?” Começando por essa pergunta, a construtora Gafisa, uma das líderes do mercado brasileiro, publicou uma peça publicitária de duas páginas no jornal do último sábado e do domingo ilustrando as consequências que o novo Plano Diretor de São Paulo trará para o preço dos imóveis na cidade. Entre os “impactos esperados”, segundo a Gafisa, estão o aumento no preço dos apartamentos “dentro e fora do eixo”, ou seja, próximos ou não às áreas com melhor transporte público (metrô ou corredor de ônibus, por exemplo), e condomínios mais caros nos edifícios construídos nos miolos dos bairros.
Segundo a Gafisa, o impacto, que afetará os preços dos apartamentos lançados “nos próximos meses”, ocorrerá pelos seguintes motivos: para as construções dentro do eixo, ou seja, nas áreas próximas ao transporte público, o argumento é que seus terrenos estarão mais caros, refletindo no preço dos imóveis.
Já para os prédios construídos no miolo dos bairros, o número de apartamentos será reduzido, uma vez que o Plano prevê que nessa área da cidade sejam construídos prédios com, no máximo, oito andares, aumentando o preço do imóvel e também do condomínio. Além disso, o custo da outorga onerosa, valor pago para construir acima do limite permitido na região (coeficiente máximo), aumentará em toda a cidade e isso seria repassado ao consumidor final.
Com ilustrações coloridas em duas páginas, a argumentação da Gafisa é questionada por especialistas. O economista da Fundação Getúlio Vargas, Samy Dana, é enfático: “O Plano Diretor não vai causar um impacto nos preços”, diz. “Os preços já passaram há muito tempo do razoável, e é preciso levar em conta se as pessoas têm capacidade de pagar. E o fato é que as pessoas não ganham o suficiente para isso”.
Desde meados do ano passado os preços dos imóveis vêm caindo gradativamente. Para o economista da agência de risco Austin Ratings, Alex Agostini, essa equação de oferta versus demanda é muito mais importante do que as novas diretrizes da cidade. “Ultimamente a oferta tem sido muito alta e a demanda tem caído”, diz o economista, que acredita que, se o mercado estivesse vivendo um momento mais otimista no ano que vem, aí sim, os preços subiriam. “Deverá demorar ao menos 12 meses para esse aumento de preços ter início. E não será somente por conta do Plano Diretor. Ele sozinho não terá tanta força para um aumento forte [nos preços]”, diz.
O arquiteto Cândido Malta, que foi secretário de Habitação de São Paulo no Governo Olavo Setubal (1975 a 1979), concorda que não há relação direta entre o Plano Diretor e o preço dos imóveis. E também recorre à lei da oferta e da procura para explicar seu ponto de vista. “A oferta possível que o Plano Diretor faz [de novas construções] é enorme face à demanda”, diz. “Se você somar todo o potencial construtivo que o Plano oferece, é incrivelmente maior que a demanda”.
Para o vereador e arquiteto Nabil Bonduki, se houver uma alta, ela não deve ocorrer nos próximos meses, como mencionava o anúncio. “Se efetivamente vier a ter um aumento [nos preços], ele não é imediato, porque, antes da aprovação do Plano Diretor, as empresas protocolaram muitos projetos baseados na lei antiga”, explica. “Um aumento agora ou mesmo no ano que vem é absolutamente fora de propósito”. Para Bonduki, o anúncio da Gafisa teria um outro objetivo. “Eu acho que eles [as construtoras] estão tentando preparar a opinião pública pra uma atuação na lei de uso e ocupação do solo pra reverter, por exemplo o limite de construção no miolo dos bairros (de oito andares) que eles não estão aceitando”, explica.
Em entrevista ao EL PAÍS em julho deste ano, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik afirmou que dizer que o Plano Diretor encarecerá os imóveis é um argumento “falacioso”: “Isso é uma bobagem sem tamanho. A construtora oferece ao proprietário do terreno onde vai construir o empreendimento um valor calculado com base no quanto ela pode ganhar com os apartamentos que vai vender. Portanto, [descontados o valor da outorga e da cota], serão os proprietários do terreno que vão ganhar menos, não os compradores dos apartamentos. Os compradores vão pagar o preço de mercado”, explicou.
Porém, de acordo com o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), cerca de 71% dos empreendimentos residenciais deverão ter aumento de até 5% no preço, devido às novas regras do Plano Diretor. “Os demais terão incrementos superiores a esse porcentual, podendo chegar a até 15%”, disse Claudio Bernardes, presidente da entidade, em uma palestra para seus associados.
Em conversa com o EL PAÍS, Bernardes afirmou, contudo, que se o mercado se adaptar às novas regras, esse impacto pode ser menor. Isso porque o Plano não só restringe algumas construções, mas também incentiva outras, como por exemplo, o levantamento de prédios alinhados com a rua e que tenham área comercial embaixo, a chamada Faixa Ativa, ou o Empreendimento Misto, que une comercial e residencial no mesmo prédio. “O incentivo à construção de prédios com apenas uma garagem, por exemplo, significa que a área de subsolo será menor, e isso torna o empreendimento mais barato”, explica Bernardes. “A lição de casa para os empresários agora é decodificar o Plano Diretor e planejar empreendimentos palatáveis ao bolso do consumidor”, diz Bernardes.
Procurada pelo EL PAÍS, a Gafisa não se manifestou. Dos argumentos usados no anúncio da construtora, de que o terreno será mais valorizado por estar próximo ao eixo do transporte urbano, de fato, isso ocorre. Mas há anos é assim. A frase “a cinco minutos do metrô” é uma das queridinhas das imobiliárias para atrair a clientela e subir o preço do imóvel.
Já sobre os prédios com menos apartamentos, o custo só será maior se a construtora quiser lucrar mais ainda com o empreendimento. “O custo de produção de um imóvel não vai mudar se o prédio tem cinco ou oito andares”, diz Agostini. “Mas para manter o retorno desses imóveis, as empresas terão que aumentar os preços. E nesse sentido, o Plano Diretor vai afetar [o preço] pela queda de ganho em escala”, explica.
Sobre outros fatores de pressão, estariam o condomínio pago em construções menores. “Prédios pequenos já têm seus condomínios baixos”, diz Malta. Para Dana, o anúncio não deve ser motivo para desespero. “Eu nunca vi um corretor falando que o preço do imóvel vai cair”, diz.