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MERCADO IMOBILIÁRIO

A ‘bolha imobiliária’ à brasileira começa a esvaziar

O aumento dos preços médios dos imóveis anunciados em 16 cidades perdeu força em maio pelo sexto mês consecutivo, o que sinaliza que o mercado se adapta à realidade

Vista aérea do centro de São Paulo.
Vista aérea do centro de São Paulo.BOSCO MARTÍN

Os preços anunciados dos imóveis no Brasil reforçam a indicação de uma desaceleração no mercado imobiliário em algumas das principais cidades do país. Nesta quarta-feira, o índice que acompanha os valores divulgados na internet em 16 municípios mostrou que o aumento anual do preço médio do metro quadrado perdeu força em maio pelo sexto mês consecutivo. Trata-se de mais um ingrediente na acirrada discussão entre aqueles que acreditam, ou não, na existência de uma bolha brasileira, que poderia estar desinflando, sem nunca chegar a estourar.

O Índice FipeZap Ampliado, que monitora os preços anunciados na internet de apartamentos prontos em 16 grandes cidades brasileiras, registra desde o início do ano um aumento de quase 3% do preço médio do metro quadrado. A expectativa é que a inflação no mesmo período supere esse porcentual. Segundo o relatório que acompanhou a divulgação do indicador nesta quarta, a variação é menor que a inflação de 2014, “caracterizando uma queda real de preços”. A afirmação se baseia na mais recente projeção de economistas consultados pelo Banco Central para a inflação em maio, que é de 0,45%, que se somaria aos 2,86% acumulados entre janeiro e abril.

“Todos acham que para existir uma bolha é necessário que ela exploda. Mas ela pode ir murchando aos poucos”, afirma William Eid Júnior, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo ele, uma desaceleração nos preços já se faz nítida após a disparada dos últimos anos, configurando uma tendência de ajuste dos valores”, acrescenta.

Entre as cidades, o Rio detém o maior preço do metro quadrado anunciado, com 10.609 reais, seguido por Brasília (8.136 reais) e São Paulo (8.060 reais). Vila Velha, no Espírito Santo (Sudeste), e Salvador, na Bahia (Nordeste), estão na base na lista, com 3.942 reais e 4.375 reais, respectivamente. A disparada nos valores anunciados desde 2008 até o mês passado, sobretudo no Rio (+252%) e em São Paulo (203%), chamou a atenção até do Nobel de Economia Robert Shiller, que antecipou o colapso do setor nos Estados Unidos que derivou na crise de 2008.

Ao contrário do que ocorreu nos EUA, no entanto, a “bolha à brasileira” infla nos preços, e não na concessão de crédito. A proporção do crédito imobiliário sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil estaria em um patamar próximo a 10%. Os norte-americanos, que foram vítimas de uma enxurrada de crédito, com financiamentos de alto risco, por exemplo, registraram em 2011 uma proporção de 76,1%, e o Reino Unido, mais de 80% no mesmo período.

Segundo o economista Otto Nogami, professor do instituto de ensino e pesquisa Insper, apesar de um visível aumento no número de placas de ´vende-se´ e ´aluga-se´ pelas ruas, não há sinalização de crise imobiliária no Brasil. “O mercado tende a se acomodar. Mas vai ser difícil imaginar que os preços cheguem ao patamar inicial –antes do boom– ou abaixo dele. Deverá ficar em um meio termo, em uma faixa entre o preço inicial e o que ele atingiu no pico”, conclui.

O índice medido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e o portal ZAP Imóveis se baseia apenas nos preços anunciados dos imóveis na internet, desconsiderando eventuais descontos ou acréscimos posteriores visando ao efetivo desfecho do negócio. Por isso, alguns economistas preferem não adotá-lo como um termômetro fiel para se medir a realidade do setor. Mas outros indicadores divulgados recentemente sinalizaram o mesmo panorama de desaquecimento na venda e no número de lançamentos.

Em São Paulo, a maior cidade do país, por exemplo, dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais (Secovi-SP) mostraram que foram vendidas 3.755 unidades de janeiro a março, número 45% inferior ao registrado no primeiro trimestre de 2013. Os lançamentos caíram 26% na mesma comparação.

Pesaram “provavelmente” nesse resultado as incertezas quanto ao futuro da economia, com o baixa expansão da atividade, além da pressão inflacionária e da sazonalidade do primeiros três meses do ano, de acordo com o órgão. “Apesar de a oferta de unidades em estoque, ou seja, não vendidas, se manter equilibrada, o mercado precisa reagir e retomar vendas no patamar de 30 mil unidades ou mais por ano, para atender a demanda e contribuir na recuperação da economia nacional”, avaliou na ocasião o presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes.

Para se viabilizar um projeto de lançamento, há um período de maturação que dura anos e pode experimentar diferentes fases de desempenho da economia, explica o professor Eid. Segundo ele, leva um tempo entre fazer o projeto, preparar o terreno e edificar. Muitas vezes, quando se planejam as receitas a serem obtidas com as novas vendas está em um cenário econômico. “Mas ao começar a obra e fazer o lançamento, pode estar em outro”, completa.

No resultado do PIB brasileiro do primeiro trimestre do ano, divulgado na semana passada, o setor da construção civil ainda apresentou queda de 2,3% em relação aos últimos três meses de 2013, pesando no fraco desempenho da indústria no período (-0,8%). Nos balanços de construtoras e incorporadoras em 2014, o número de distratos –cancelamento de contratos imobiliários– se intensificou, tendo como pano de fundo um cenário de juros mais altos na economia (atualmente em 11%), que desestimula investimentos por medo a novas dívidas.

Os distratos nos principais mercados do país cresceram 11,6% no primeiro trimestre ante o mesmo período de 2013, segundo levantamento publicado pelo jornal Folha de S.Paulo tomando como base a soma dos valores dos imóveis devolvidos às nove companhias que divulgaram esse tipo de informação em seus últimos balanços. No mercado de aluguéis, o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP) adverte também para um aumento da pressão dos valores altos sobre a renda das famílias, que se veem obrigadas a morar cada vez mais longe ou mesmo buscar acomodação em moradias mais precárias.

No fim das contas, a discussão sobre a existência ou não de uma bolha e os seus efeitos continuará nas ruas e nas redes sociais. De um lado, os que a defendem há anos e já apostam em uma queda contínua e mais forte dos preços a partir de agora. Do outro, os que a negam e acreditam que o momento é conjuntural e de pequenos ajustes nos valores praticados nos últimos anos. Resta acompanhar os próximos dados e indicadores para ver quem, afinal, está mais perto da razão.

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