Dilma garante a metade do horário eleitoral com alianças controversas
As coligações começam a valer, oficialmente, neste domingo. Com 32 partidos, os especialistas criticam o clima de barganha que une siglas para trocar minutos de TV por cargos
A presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu a primeira batalha da eleição deste ano. A petista amealhou o maior tempo no programa eleitoral gratuito por meio de acordos (às vezes, em troca de ministérios ou cargos) com outras legendas. É uma prática que o sistema político brasileiro permite graças à proliferação de siglas, que já nascem com um tempo de exposição garantido no horário gratuito para usarem ou negociarem em alianças. Com nove legendas em torno de sua aliança, Dilma garantiu cerca de onze minutos e meio a cada bloco de 25 minutos do horário eleitoral. Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), conquistou quatro minutos e meio. Já Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), terá por volta de dois.
O excesso de legendas – são 32 no total – faz com que parte delas se torne meras moedas de barganha em negociações de trocas de cargos públicos por tempo no horário eleitoral, um ativo precioso num país extremamente sensível à propaganda de rádio e, principalmente, de televisão para a decisão dos votos. Não por acaso, Dilma chegou a mudar o comando de um ministério para trazer mais um partido para a sua aliança. A petista agrupou ao todo nove siglas em torno de sua candidatura registrada no sábado, dia 5. Terá, portanto, uma exposição fundamental para tentar reverter a sua rejeição e apresentar o que fez durante o mandato.
O senador Aécio Neves (PSDB) até conseguiu atrair na reta final o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e seus cerca de quarenta segundos no horário eleitoral. A legenda fazia parte da base de apoio petista. Segundo colocado nas pesquisas eleitorais, o senador tem o apoio de nove siglas, cinco delas pequenas.
Mesma sorte não teve Eduardo Campos (PSB). Ele obteve uma frente com apenas seis partidos. Quatro deles nanicos. Terá menos de um quinto do tempo da atual presidenta para tentar se tornar conhecido do eleitorado. Talvez por isto o ex-governador de Pernambuco tenha reclamado do modelo de coligações brasileiro ao afirmar, em evento, que “os políticos estão se apropriando do Estado brasileiro às vésperas de eleição em troca de tempo de televisão.” O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só divulgará oficialmente no dia 16 de julho o tempo destinado a cada uma das 11 candidaturas à presidência.
No primeiro turno da corrida presidencial, o horário eleitoral é formado por dois blocos de 25 minutos, que vão ao ar de 19 de agosto a 2 de outubro. O primeiro no horário do almoço e o segundo à noite – no chamado horário nobre. Há ainda as inserções nos intervalos da programação. Um terço do tempo é dividido igualmente entre os candidatos. Já o restante é repartido pelas siglas com base no número de deputados federais de sua bancada.
Para fechar alianças que ampliassem o tempo de tevê de seus candidatos, os líderes partidários trabalharam de forma exaustiva até este sábado, dia 5. Era o prazo final para registrarem na Justiça Eleitoral as coligações e os candidatos que concorrerão na eleição de outubro. Para isto, eles cortejaram, em encontros e telefonemas noite adentro, outras agremiações para expandir o tempo de tevê seus candidatos.
Este toma lá dá cá entre partidos dá origem a alianças sem lógica programática. “As coligações (entre as siglas) são feitas em nome do espaço na mídia eleitoral. Nunca vi tantos casamentos de elefantes com zebras como nesta eleição”, ironiza o consultor político Gaudêncio Torquato, professor da Universidade de São Paulo (USP).
O especialista analisa, no entanto, que as coligações “escalafobéticas” em torno do tempo de tevê fazem sentido na corrida pelos votos, já que o que a maioria dos eleitores vai perceber é a maior ou menor visibilidade dos concorrentes, e não as composições feitas. “O horário eleitoral é o transporte que leva o candidato até o público. Não adianta ter as melhores propostas se não tiver tempo para divulgá-las”, analisa, apesar de discordar do atual modelo, principalmente pela falta de coerência entre os palanques estaduais e nacionais.
O tucano Aécio Neves, por exemplo, tem de um lado o apoio do Democratas (DEM), que defende, em seu programa, “a limitação da atividade empresarial do Estado”. De outro, o Partido Popular Socialista (PPS) participa do palanque do candidato do PSDB em alguns estados, como Minas Gerais. A sigla, que nacionalmente firmou aliança com Eduardo Campos, se “declara humanista, socialista […] resgatando a melhor tradição do pensamento marxista.”
Já o PT, de Dilma Rousseff, que em seu estatuto quer “construir o socialismo democrático”, aliou-se nacionalmente ao Partido Progressista (PP). A legenda defende “um sistema econômico livre, que favoreça a prática das regras de mercado.”
A dinâmica dá espaço para ‘traições’ controversas. O PP, por exemplo, surpreendeu ao embarcar seus cerca de um minuto de tempo de tevê na campanha a governador de São Paulo de Paulo Skaf, do PMDB, na última semana. Isto após ter selado, com direito a foto e tudo, apoio a candidatura do petista Alexandre Padilha. Nos bastidores, integrantes do PT chegaram a sugerir que a legenda recebeu dinheiro para mudar de lado, o que foi rebatido pelo presidente local do PP, o deputado Paulo Maluf.
Não é a primeira acusação do gênero nesta eleição. O deputado federal Antônio Andrade, presidente do diretório local mineiro do PMDB, acusou o PSDB de tentar comprar o apoio da legenda no Estado. Segundo o parlamentar declarou em maio, a oferta seria de 20 milhões de reais mais uma vaga para o Senado pela coligação. A denúncia foi refutada por lideranças tucanas.
“Às vezes tenho a impressão que partido político é um negócio”
Tentar oferecer ou amealhar dotes, como cargos públicos, melhores que os adversários - ou alguns casos benesses nada republicanas, como se apontam nos bastidores – muda a natureza da política. “Às vezes tenho a impressão que partido político é um negócio, quando, na verdade, deveria ser um item extremamente importante para a sociedade”, observou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em depoimento para o livro “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma.”
A propaganda eleitoral é um verdadeiro ativo nas mãos das 32 siglas existentes no Brasil. Para se ter uma ideia, se os partidos tivessem que comprar o horário, desembolsariam 1,05 bilhão de reais. Mas esse tempo é ofertado pelo Estado, que renuncia a 840 milhões de reais em impostos em favor das rádios e canais de televisão abertos, obrigados por lei a transmitir.
Para o cientista político Octaciano Nogueira, o problema partidário brasileiro passa pelo excesso de legendas e a facilidade em fundá-las. “É necessário que se faça uma reforma política, Não há razão para se ter mais de três dezenas de siglas. No mundo inteiro não existem tantas ideologias”, comenta.
Fundando em 2013 e com 21 representantes em sua bancada, o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) detinha, por exemplo, cerca de 45 segundos por bloco de propagandas a presidente para negociar. A legenda, que fechou apoio a presidenta Dilma, deixou clara a falta de identidade dos partidos ao publicar seu estatuto no ano passado. O texto com suas propostas era uma cópia, com a revisão dos erros de português, das apresentadas por outra sigla, o Partido Trabalhista Nacional (PTN).
O cientista político Sérgio Praça alerta, no entanto, que não há significativas diferenças entre esta prática e a troca de cargos por apoio. Negociar postos, diz, mesmo que controverso, faz parte do jogo político e da necessidade das legendas de sobreviverem. Já arrendar tempo no horário eleitoral por dinheiro é uma negociata digna do código penal. Mas, ninguém conseguiu mostrar evidências práticas, até hoje, que alguém está tendo lucro financeiro para alugar a sua legenda.
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