Obama respalda os países que se sentem ameaçados por Putin
O presidente dos EUA ressalta o "compromisso inabalável" com a Europa do Leste
O presidente Barack Obama garantiu nesta quarta-feira, em um discurso na Praça Real de Varsóvia, o "compromisso inabalável" dos Estados Unidos com a soberania nacional da Polônia e outros países da região que se sintam intimidados pelas ações recentes da Rússia de Vladimir Putin na vizinha Ucrânia.
No 25º aniversário das primeiras eleições polonesas semi-livres, depois de décadas sob o domínio comunista, o presidente dos EUA descreveu a Polônia como um exemplo dos benefícios da democracia, do Estado de direito, do livre mercado e da liberdade de expressão. Encontrava-se no centro de Varsóvia e falava do país, mas pensava na Ucrânia.
Antes do discurso, que congregou veteranos da luta pela liberdade na Polônia, como o líder do Solidarnosc, Lech Walesa, Obama se reuniu com Petro Poroshenko, presidente eleito da Ucrânia no dia 25 de maio e ofereceu o apoio da principal potência "não só nos próximos dias e semanas, mas nos próximos anos”. O presidente dos EUA anunciou uma nova ajuda não letal para as forças armadas ucranianas, que inclui óculos de visão noturna, jaquetas anti-balas e equipamentos de comunicação. Os EUA resistem, até agora, a oferecer armamento à antiga república soviética, que não pertence à OTAN e, portanto, não desfruta do guarda-chuvas da organização.
A exposição de Obama continua a tradição de outros presidentes que discursaram a favor da liberdade frente à ameaça russa. Em 1963, John F. Kennedy proclamou que ele era um berlinês (‘Ich bin ein Berliner’) numa cidade recém-dividida pelo Muro. Em 1987, Ronald Reagan foi diretamente ao pé do Muro e pediu que ‘Míster Gorbachev’, o líder soviético, o derrubasse.
Obama tem outro estilo. Não houve em Varsóvia invocações diretas a 'Mister Putin', nem chamados a mudar a ordem geopolítica. Para comparar com os discursos de seus antecessores, Obama deveria estar em Kiev. Se o discurso teve alguma ressonância especial, foi pelo cenário, o centro de uma cidade golpeada por uma história traumática de invasões e ocupações de seus vizinhos e traições de seus aliados.
“Vim a Varsóvia em nome dos Estados Unidos, em nome da OTAN, para reafirmar nosso compromisso inabalável com a segurança da Polônia. O artigo 5 [da OTAN] é claro: um ataque a um de nós é um ataque a todos”, disse Obama em tom beligerante.
“A Polônia nunca estará sozinha”, continuou Obama. "E não só a Polônia. Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia nunca estarão sozinhas”. Foi significativo que, neste momento, o presidente não citasse a Ucrânia. Para Obama, o compromisso com a defesa de outros países passa pela legalidade internacional e pela participação em organizações como a OTAN.
Como durante toda a viagem de Obama pela Europa, que começou na terça-feira em Varsóvia e terminará na sexta nas praias da Normandia, a mensagem é dirigida a diversas audiências. Aos países anfitriões e ao público norte-americano, por um lado. Mas sobretudo ao presidente russo, Putin.
"Acreditamos que os povos e as nações têm o direito a determinar seu futuro", disse. "Inclusive o povo da Ucrânia". Obama ligou a luta dos pró-europeus em Kiev contra a influência russa com a luta passada dos poloneses contra a URSS e a luta contemporânea pela liberdade em Caracas e Damasco, entre outras cidades.
Dança de números dos mortos na Ucrânia
Na Ucrânia continuam os enfrentamentos. Um porta-voz do que o Governo ucraniano qualifica como "operação antiterrorista" afirmou que nas últimas 24 horas morreram 300 rebeldes e há ao redor de 500 feridos em Slaviansk. Os pró-russos, no entanto, negam isso: "Não é verdade. As perdas no lado ucraniano são maiores que as nossas", afirmou Alexander Borodai, primeiro-ministro da autoproclamada República de Donetsk, segundo informa a agência Interfax. O porta-voz das forças governamentais ucranianas Vladyslav Seleznyov só reconheceu que dois soldados morreram e 45 ficaram feridos. Não está claro qual é o avanço real dos militares ucranianos nas zonas estratégicas sob controle dos separatistas.
O discurso de Obama e a celebração em Varsóvia chega em um momento no qual a democracia deixou de parecer o fim inelutável de todo processo político. Depois da queda do comunismo, Francis Fukuyama falava do fim da história: o triunfo da democracia liberal. Agora o modelo de desenvolvimento autoritário chinês – que nasceu no mesmo dia que as eleições polonesas, sob os escombros da praça Tiananmen – apresenta uma alternativa e é objeto de fascinação, por ser supostamente mais eficaz, entre algumas elites ocidentais.
No passado, Obama se sentiu incomodado com a retórica a favor da democracia e dos direitos humanos. Nada a ver com seu antecessor, que colocou no centro de sua política exterior a chamada agenda pela liberdade e usou a promoção da democracia e dos direitos humanos como um dos argumentos para invadir o Iraque em 2003. Frente às primaveras árabes, na Síria ou na China, o atual presidente dos EUA optou por um enfoque mais prático, menos dado à gesticulação e próximo à realpolitik.
Na Praça Real de Varsóvia se reuniram as forças vivas do país: bispos, militares, políticos, ex-presidentes. Walesa se misturou com as massas dos cidadãos que esperavam atrás da cerca nos arredores da praça. Uma mulher nascida em 1988, um ano antes do fim do comunismo, confessou que sabia pouco sobre o movimento Solidariedade e que estava ali para conseguir um improvável autógrafo de Obama.
As eleições de 4 de junho de 1989 foram realizadas depois da mesa redonda que reuniu os representantes da oposição com os do regime comunista. A vitória do Solidariedade foi abrumadora. As eleições polonesas não tiveram a imagem da queda do Muro de Berlim, cinco meses depois, mas marcaram o início da queda das peças de dominó que culminaria com a derrubada da URSS.
Em 1989, a Polônia abriu a primeira rachadura no sistema de domínio soviético que, agora, alguns na região temem que possa voltar sob a forma de um novo nacionalismo expansionista russo.
A anexação da Crimeia pela Rússia de Putin e luta na Ucrânia entre as forças pró-europeias e pró-russas projetou o Solidariedade como um modelo. A mensagem daquelas mulheres e homens que pacificamente conquistaram a liberdade há 25 anos – alguns acudiram à Praça Real de Varsóvia para escutar Obama e outros oradores – continua vigente.
A luta do sindicato Solidariedade durante os anos do comunismo e a transição pactada – inspirada em parte na espanhola – fazem parte indestrutível da identidade deste país. Poderíamos falar de uma particularidade polonesa.
“A Polônia é um dos poucos países pós-comunistas que se nega a ver a liberdade como algo certo e que está decidida a fomentar a liberdade em outros lugares", comenta Judy Dempsey, do laboratório de ideias Carnegie Endowment for International Peace, que participou do jantar que, na terça à noite, reuniu Obama e as autoridades polonesas com vários veteranos do Solidariedade. “Por isso, tem um significado especial que [na cerimônia] tenha sido entregue o Prêmio Solidariedade a Mustafa Dzhemilev, líder dos tártaros da Crimeia. Em outras palavras, os poloneses não querem que o movimento Solidariedade fique relegado aos livros de história."
Existe um modelo polonês, país golpeado em sua história por seus vizinhos expansionistas, Alemanha e Rússia. É um modelo de transição pacífica: o diálogo – não as bombas – como método para expandir a democracia. E também econômico. Nestes dias, é comum repetir um argumento eloquente: em 1989, a Polônia e a Ucrânia, países vizinhos e de população parecida, tinham um nível econômico similar. Agora o PIB per capita da Polônia é de 13.394 dólares. O da Ucrânia é de 3.919. Não há melhor propaganda para os benefícios de pertencer à União Europeia e à OTAN e da democracia parlamentar que a transformação da Polônia nas duas últimas décadas.
"Obrigado Polônia, por seu triunfo não pelas armas, mas pelo espírito humano", disse Obama. "Não há mudança sem risco, não há progresso sem sacrifício e não há liberdade sem solidariedade", concluiu, em alusão ao slogan do movimento Solidarnosc.
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