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Antony Beevor | historiador

“Não há uma única batalha decisiva na Segunda Guerra Mundial”

O historiador britânico, autor de Dia D - A Batalha pela Normandia, acredita que “se a invasão tivesse fracassado, a história do pós-guerra na Europa poderia ter sido muito diferente”

Guillermo Altares
O historiador Antony Beevor, em Madri em 2005.
O historiador Antony Beevor, em Madri em 2005.Gorka Lejarcegi

Antony Beevor (1946) encontrou uma mina de ouro nos arquivos militares soviéticos após a abertura ocorrida depois do fim da União Soviética. Militar de carreira antes de ser historiador, autor de vários romances e de um livro sobre a guerra civil espanhol de pouco destaque, conseguiu transformar em best-sellers internacionais as grandes batalhas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) com obras como Stalingrado – O Cerco Fatal, Berlim 1945: A Queda e Dia D – A Batalha pela Normandia (todos da Editora Record), além de uma imponente história global sobre o conflito, The Second World War (ainda sem editora no Brasil). Utilizando testemunhos muitas vezes inéditos e numerosos relatos feitos de dentro dos combates, Beevor traça reconstruções vibrantes e rigorosas das batalhas que também oferecem revelações importantes, para além dos tópicos que muitas vezes rodeiam a guerra das guerras.

Graças a seus livros, voltou-se a falar das mazelas dos civis alemães e sobretudo dos estupros coletivos de mulheres por parte do Exército Vermelho; recordou-se o sofrimento dos não combatentes na Normandia e descobriu-se que, no estertores da guerra, os japoneses utilizaram prisioneiros aliados como gado humano em um episódio de canibalismo planejado pouco conhecido e horripilante. Beevor respondeu por e-mail três perguntas sobre o Dia D, cujo aniversário, nesta sexta-feira, reúne 19 Chefes de Estado e de Governo na região francesa da Normandia, além de centenas de veteranos e suas famílias.

Pergunta. O Desembarque na Normandia é a batalha mais famosa da Segunda Guerra Mundial?

Resposta. Passaram-se 70 anos desde a invasão aliada de junho de 1944. Poderíamos esperar que o interesse pela invasão aliada na Europa diminuísse com o passar do tempo e com a morte dos participantes, mas há mais museus e visitantes do que nunca. Enquanto grupos e famílias contemplam a bela baía do Sena do alto das falésias que se debruçam sobre a praia de Omaha, a imagem do maior desembarque anfíbio da história se apodera de sua imaginação. O Dia D sempre será lembrado porque marcou o princípio da libertação da Europa Ocidental da terrível ocupação nazista.

A escala dos preparativos para a invasão não tinha precedentes. Nunca antes se tinha colocado em marcha uma operação marítima daquela envergadura. Quando os soldados embarcaram e partiram em direção ao Canal da Mancha, a visão de mais de 5.000 navios era assombrosa. Os pilotos dos milhares de aviões que participaram mal podiam acreditar no que estavam vendo. Foi também um acontecimento de grande intensidade emocional para todos os aliados: não só os norte-americanos, britânicos e canadenses, como também para soldados de 30 países diferentes. Muitos deles vinham de países como a França, que tinham sido ocupados naqueles quatro anos anteriores pela Wehrmacht (as forças armadas alemãs) depois das vitórias devastadores de 1940. Para os franceses, o momento de ajudar a libertar sua pátria era especialmente comovente. Para os britânicos, marcou sua volta ao continente depois de amargar a retirada de Dunkerque. Para os soldados norte-americanos, a invasão representava um momento de suprema obrigação. Os Estados Unidos, mais uma vez, saíam ao resgate de uma Europa devastada pela guerra.

A história pode ser enganosa quando olhamos para trás. Frequentemente, isso nos faz pensar que todos os eventos tiveram que acontecer como aconteceram. O sucesso da invasão através do Canal em 6 de junho parece inevitável devido à superioridade militar dos aliados. Mas o acaso teve um papel muito importante. Vários oficiais de alta patente esperavam um desastre. A meteorologia era crucial. O general Eisenhower enfrentou uma decisão muito difícil. Se tivesse tomado a decisão equivocada sobre se devia ou não confiar nas previsões dos meteorologistas, que informaram que haveria uma breve pausa do mau tempo em 6 de junho, e tivesse adiado a invasão por duas semanas, a frota aliada teria enfrentado a pior tormenta registrada no Canal em 40 anos. Se a invasão tivesse sido adiada uma segunda vez, o resultado seria um dano moral muito grave e quase seguramente a operação teria sido revelada aos alemães.

P. O Desembarque na Normandia mudou o rumo da guerra ou a Alemanha estava condenada à derrota?

R. Não há uma única batalha decisiva na Segunda Guerra Mundial. O ponto de inflexão geopolítico ocorreu em dezembro de 1941, quando a Wehrmacht não ocupou Moscou e Hitler declarou guerra aos Estados Unidos. A partir desse momento, era impossível que as potências do Eixo ganhassem. Os sete ou oito meses que se seguiram, no entanto, foram desastrosos para os aliados. O ponto de inflexão estratégico e psicológico foi no fim do outono de 1942, quando a Wehrmacht havia alcançado seu “ponto acumulativo” como consequência de combater em uma frente demasiadamente ampla, tanto na Rússia como no Norte da África. A partir daí, perdeu completamente a iniciativa e os aliados estavam destinados a ganhar. Mas o sucesso do Dia D foi decisivo em outro sentido. Se a invasão tivesse fracassado, com os avanços soviéticos no Reno, a história do pós-guerra da Europa poderia ter sido muito diferente.

P. Por que este ano a comemoração dos 70 anos é tão especial e reúne tantos chefes de Estado e de Governo?

R. O 70o aniversário é provavelmente o último em que um número significativo de veteranos sobreviventes da batalha estará presente. Aqueles que eram adolescentes na época e agora têm cerca de 90 anos. O restante já é centenário. Acredito que esse seja o principal motivo pelo qual vimos na Normandia tantos membros de famílias reais, presidentes e chefes de Governo. Mas talvez exista uma razão tácita para este interesse internacional. Estamos vivendo um momento histórico que oferece paralelismos inquietantes com 1938 e 1939. É difícil não pensar nas exigências de Hitler sobre os Sudetos, o corredor de Danzig e o desejo nacionalista de unir todas as regiões com minorias alemãs em um Grossdeutschland (Grande Alemanha). A Rússia, sob a presidência de Vladimir Putin, também expressa a mesma sensação de ressentimento e mostra a mesma determinação de voltar a se estabelecer como uma grande potência mundial, a mesma sensação de estar rodeado pelo resto do mundo e o mesmo egocentrismo nacional que o impede de conscientizar do ponto de vista dos demais. Felizmente, há uma diferença importante: Hitler estava decidido a iniciar uma guerra. Putin, na minha opinião, é mais realista e não quer um conflito. De qualquer forma, o Dia D sempre terá uma repercussão especial.

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