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Um ativista social e sua mulher são assassinados a pedradas no México

O crime contra um casal admirado por seu compromisso com a sociedade choca o Estado de Morelos, berço do Movimento pela Paz

Pablo de Llano Neira
O professor Alejandro Chao em um ato comunitário.
O professor Alejandro Chao em um ato comunitário.Blog La Hormega

“É uma ação atípica”, disse o governador de Morelos, Graco Ramírez. O comunicado da Universidade Autônoma desse Estado mexicano oferece uma descrição bem diferente: um crime chocante, mas característico de uma situação de insegurança estrutural. “É um assassinato brutal e desprezível (…), que põe mais uma vez no centro da consciência do país a negação do direito à vida e da segurança dos cidadãos”. O que para um político em apuros é uma “ação”, para os companheiros do catedrático assassinado é um crime. O que para um parece “atípico”, para outros é uma terrível demonstração de um problema coletivo de responsabilidade pública.

Os cadáveres do conhecido professor de psicologia e ativista social Alejandro Chao, de 77 anos, e da sua esposa, Sara Rebolledo, de 71, foram achados na segunda-feira de manhã em seu domicílio, na cidade de Cuernavaca, capital de Morelos. Ambos tinham marcas de pedradas na cabeça. Uma janela da casa tinha uma esquadria quebrada. O Ministério Público de Morelos, cuja sede fica a duas quadras do local do crime, supõe que tenha se tratado de uma tentativa de assalto, na qual o casal chegou de noite e topou com os delinquentes. O secretário de Segurança Pública de Morelos, Alberto Capella, disse que os autores do crime teriam reagido com violência porque foram surpreendidos pela chegada do casal “fora da rotina”.

Morelos, um pequeno Estado com cerca de dois milhões de habitantes, limita-se ao norte com a Cidade do México. Não é uma dessas regiões mexicanas onde a violência do crime organizado é avassaladora, mas sim de uma área na qual a pequena criminalidade – sobretudo os casos de sequestro e extorsão – cresce de forma preocupante. Em 2013, foi o Estado mexicano com a maior proporção de sequestros, 8,5 a cada 100.000 habitantes. Se os Estados de Michoacán e Tamaulipas são os atuais paradigmas da dificuldade das autoridades em combater o poder das grandes máfias do narcotráfico, Morelos exemplifica a problemática das carências estruturais para a proteção dos cidadãos contra delitos cometidos por pequenas quadrilhas. Estas, no vácuo da dinâmica de violência surgida no México nos últimos anos de luta contra o narcotráfico e alimentadas pela mistura fatal de marginalização socioeconômica e impunidade penal, encontram no cidadão comum a vítima propícia para fazer dinheiro.

A universidade do professor Chao convocou uma passeata para esta quarta-feira em Cuernavaca. Esta cidade já se tornou há três anos em um símbolo da indignação social contra o crime. Em março de 2011, foi assassinado em Morelos, aos 24 anos, o filho do poeta Javier Sicilia, um famoso intelectual mexicano que imediatamente encabeçou uma marcha de Cuernavaca à Cidade do México, marcando o início do fenômeno social mais relevante deste país nos últimos tempos, o Movimento pela Paz, a Justiça e a Dignidade. Depois de dois anos de ativismo desenfreado, a sociedade de Cuernavaca se encontra perante um novo caso de especial impacto pelas características da vítima: um acadêmico conhecido na região e que, após uma vida dedicada ao progresso social, termina assassinado em sua casa, com sua mulher, em um suposto latrocínio cometido por delinquentes comuns.

Na nota de pesar, a universidade recorda que Chao continuava ativo como diretor da Escola de Trabalho Social, após 36 anos dedicados à formação de psicólogos. Menciona-se também que foi representante do México perante o Conselho de Educação Superior da Unesco. Chao, segundo a instituição, “deu voz, ao longo de sua fecunda vida, às comunidades e povos excluídos historicamente”. A nota termina convocando para a passeata desta quarta-feira e com uma rubrica: “Por uma humanidade culta”.

O professor Chao era, além disso, um promotor cultural e criou uma coleção de poesia que se chamava Vozes ao Vento, na qual publicava jovens poetas. Nesta coleção saiu seu livro de poemas intitulado Cantigas da Cabala. O acadêmico colaborava com um blog literário e político chamado La Hormega. Nesta segunda-feira, após saberem da sua morte, seus colegas do blog publicaram um dos seus poemas. Conforme contava nesta manhã por telefone um dos editores do La Hormega, Juan Pablo Picazo, o professor andava envolvido em um processo de reescrita das duas cantigas. “Ele dizia que quanto mais se cresce, mais se aprende, ao estilo de Walt Whitman.” A última estrofe da cantiga publicada ontem como homenagem pelo blog literário dizia assim:

O poeta se reanima com a melodia de ocarinas e flautas de cânhamo;

saio ao jardim onde os vaga-lumes excitam o mundo quântico

com o vibrante arco-íris do colibri que liba nas flores de calistemo…

Três anos depois da tragédia do filho de Javier Sicilia, constata-se que o México tem um problema com a poesia e com a própria vida.

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