“Sou um atrevido, busco meu futebol”
Filho do campeão do mundo Mazinho, o meio-campista do Bayern Munique volta à seleção espanhola e fala de sua saída do Barça e de seu estilo com a bola
Thiago Alcântara (Brindisi, Italia; 1991) voltou à seleção espanhola, desta vez via Munique, onde está tendo um ano excepcional no Bayern. Filho do ex-jogador Mazinho, campeão do Mundo em 1994 pela seleção brasileira, Thiago decidiu defender a Espanha em 2010, após passar toda sua carreira atuando nas seleções de base de La Roja. No ano passado, ele deixou o Barça buscando seu caminho e o encontrou.
Pergunta. Ser filho de um campeão do mundo pesa?
Resposta. Não, motiva. E rimos muito. Eu sempre dizia a ele: “Eh, que não faz gols”, e me respondia: “Mas sou campeão do mundo”. Sempre foi uma motivação.
P. É feliz?
R. Absolutamente.
P. As pessoas continuam perguntando por que você saiu do Barcelona.
R. Para ser feliz. A finalidade era desfrutar jogando futebol. E em Munique encontrei o que buscava. Todo mundo busca a felicidade e eu a encontrei. As decisões na vida se tomam para isso e eu tive sorte. Sou o que quis ser. Em minha vida tive que tomar decisões: para converter-me em jogador de futebol, para ser feliz jogando futebol. E sou em Munique.
P. Você foi ou o obrigaram a ir para o Bayern?
R. Eu fui! Foi minha decisão, ninguém me apontou a pistola e me jogou. Não senti que podiam me dar confiança e decidi sair. Estou enormemente agradecido a meus colegas porque foram tremendamente generosos comigo. Não sabe como se portaram sempre! E estou agradecido ao clube, se estou onde estou é porque eles me ajudaram a me formar. Mas quando tive que tomar uma decisão pensando em mim, o fiz.
P. Tem a sensação de dever uma ao Barça?
R. Eu não devo nada a ninguém. Estou muito agradecido, mas chega um ponto em que se deve dar um passo adiante. Somos tantos jogadores que, sentindo na alma, deve olhar para si mesmo, ainda que seja uma vez. É assim. Isto dura muito pouco. É uma profissão divertida. E eu a quero viver jogando.
P. Um dia desses um ex-jogador disse que preferia estar 15 anos no Burgos do que sair 15 anos no poster do Barcelona.
R. Completamente de acordo. Se tivesse continuidade eu seguiria, mas senti que isso não ia acontecer. Eu vi meu pai no Celta muitos anos e era o homem mais feliz do mundo. E não é uma equipe que possa lutar por uma Champions. Ele, que era campeão do mundo, era feliz porque fazia o que gostava: jogava futebol!
P. Você disse: Vou ao Celta, mas no Barça não fico?
R. Sim, disse. Teria ido a qualquer equipe se tivesse de ficar no banco.
P. Era tão complicado?
R. Sim, vi complicado, a situação não era a idônea para seguir e o Bayern me caiu do céu. Foi muito rápido, cheguei da sub-21 e saí ao Bayern com Pep [Guardiola]. Era a melhor maneira de seguir aprendendo porque o futebol é como a medicina, a cada vez sai algo novo para aprender. Sabia que ali podia contribuir coisas diferentes, estava Pep, um treinador que me conhecia bem…
O jogo é como a medicina, cada vez sai algo novo para aprender
P. Você, quando fala Pep, deve saber o que vai dizer, não? É essa sua vantagem?
R. Não, embora o futebol seja sempre futebol, a Bundesliga não é a Liga. E sobre Pep sigo aprendendo. É uma lição contínua. O futebol é uma aprendizagem inacabável, sempre há novas ideias. Além disso, é um futebol novo para mim e a cada semana descubro coisas, campos novos e isso me gera ilusão. Não sei, ir a Dortmund é um espetáculo, mas é que a cada semana em Munique teria que ver o que é nossa torcida, é um prazer contínuo.
P. Mas, a superioridade do Bayern não o deixa entediado?
R. Não, a Bundesliga é competitiva, os estádios estão cheios. Não perdi a motivação. E se não, aí está Pep para o impedir. Psicologicamente é o melhor, saca o melhor de ti quando já não tem nada.
P. No que insiste Pep? Em que te ajudou a ser melhor?
R. O que ele me diz, deixaremos para nós dois. Mas me fez melhor em tudo. Taticamente te faz ver o futebol de outra maneira, sempre tem um ponto de vista novo e é capaz de dar ao jogo uma focagem agressiva, mas ao mesmo tempo belo e criativo.
P. O que você descobriu no vestiário do Bayern?
R. Cheguei e descobri um vestiário muito humano, a gente que me queria ajudar e ensinar. Não há estrelinhas. Eu chegava de um vestiário parecido. Os grandes clubes têm isso, há melhores pessoas que jogadores. Por exemplo, Xavi é melhor pessoa que jogador, e é meu ídolo, de modo que te imagina como o valorizo como futebolista.
P. Quem é a referência no vestiário do Bayern?
R. Cara, há jogadores de grande personalidade, mas eu acho que Lahm é uma referência. Taticamente mais privilegiado que outros, além disso, tem muita experiência. Um grandíssimo futebolista.
R. Dizem que seu futebol é arrogante. Sente isso?
R. Não, sou um atrevido, não arrogante. Sempre gostei de coisas novas, mas com respeito ao rival. Acho que é uma virtude ao mesmo tempo. Nos três quartos de campo fazer algo diferente soma. Atrás é verdadeiro que é demasiado risco, mas se cometi erros, aprendi com eles e sempre tratei de não os repetir. Ser jogador é divertido e tenho a sorte de que jogo em um dos maiores clubes do mundo e de que o futebol alemão é muito atraente.
Pep me fez melhor em tudo. Taticamente te faz ver o futebol de outra maneira, sempre tem um ponto de vista novo e é capaz de dar ao jogo uma focagem agressiva mas ao mesmo tempo belo e criativo
P. Se tivesse de explicar seu jogo a um marciano, o que diria?
R. Que sou um apaixonado do futebol, que tenta cumprir objetivos no campo e ao mesmo tempo que as pessoas gostem. Um jogador que joga para a equipe, que sempre se sacrifica por este, inclusive quando faço coisas que as pessoas acham que são bonitas, as faço pelo bem do jogo, sempre para a equipe. Um jogador que busca ser ele mesmo. Eu quero ser Thiago, não ser como ninguém; quero aprender dos melhores, e ser um grande jogador. Joguei com os melhores, mas busquei meu futebol. Ninguém pode dizer “vamos fazer um futebol bonito”, mas sim “vamos ter a bola”. E isso busco, tendo aprendido no Barça e também na seleção.
P. Por que escolheu jogar com Espanha?
R. Porque cheguei com três anos de idade na Espanha. O que quer? Meus colegas, meus amigos, minha namorada, a família mais próxima, meu dia-a-dia é a Espanha. Para quem vou jogar? E sempre fui feliz na seleção, desde os 15 anos, quando me chamaram pela primeira vez. Que Del Bosque me deixe estar aqui com estes monstros é fantástico.
P. Balotelli disse: “O melhor é Thiago”.
R. Balotelli está louco! No futebol há poucos gênios e ele é um. O futebol precisa gente de seu talento. A mim me parece um absoluto gênio.
P. Quantos tatuagens você tem?
R. Um montão. Simplesmente porque gosto. A primeira foi uma frase que minha mãe bordou em uma almofada quando pisei pela primeira vez na Espanha. Mas não te direi qual, é demasiado particular.
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