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ENTREVISTA COM MARZUKI DARUSMAN | INVESTIGADOR DA ONU

“O dano na Coreia do Norte é quase como o do Holocausto”

O autor do relatório que documenta crimes contra a humanidade no país diz que as histórias são 'pavorosas e inimagináveis'

Naiara Galarraga Gortázar
Marzuki Darusman.
Marzuki Darusman.

O investigador especial da ONU sobre os direitos humanos na Coreia do Norte e coautor do recente relatório em que foram documentados crimes contra a humanidade, jamais pôde entrar no país desde que assumiu o cargo. Marzuki Darusman (Yakarta, Indonésia, 1945), no entanto, conheceu Pyongyang há 15 anos quando era parlamentar. “Estava muito limpo. Era como uma clínica”, lembra ele, de Genebra, em uma entrevista por telefone.

Pergunta. As atrocidades do regime dos Kim eram conhecidas, mas agora a ONU os acusa de piores crimes.

Resposta. Agora temos uma imagem completa do que ocorre. Antes disso, tínhamos uma imagem fragmentada. Este relatório reúne tudo: os depoimentos, os especialistas e informações de outros relatórios. É um imagem completa de um sistema totalitário sem par no século XXI.

P. Como a comunidade internacional deve responder?

R.Deve seguir com a investigação para processar os principais responsáveis por esses crimes contra a humanidade, que se perpetraram, se perpetram e seguirão sendo perpetrados no futuro próximo. Sugerimos que o caso seja encaminhado à Corte Penal Internacional. Embora os crimes anteriores a 2002 [data da entrada em vigor do Estatuto de Roma] não possam ser julgados, isso representaria um início. Além disso, os casos de sequestro e de desaparecimentos forçadas não prescrevem e podem ser pesquisados até a localização da vítima.

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P. Mas é provável que China, o maior grande aliado de Pyongyang, exerça seu direito de veto no Conselho de Segurança. Que ocorrerá então?

R. A China disse o encaminhado à Corte Penal Internacional não ajudará. Mas ainda fica em um mês [para o apresentar à Comisión de Derechos Humanos de la ONU]. A expectativa é de que Pequim vete, mas seria uma agradável surpresa se não bloqueasse isso.

P. As negociações políticas sobre o programa nuclear fracassaram. Esse fracasso se deve à decisão de judicializar o assunto?

R. Os dois assuntos não estão realmente conectados. O caso nuclear é um assunto em si mesmo, mas é verdadeiro que a situação de segurança influi na repressão. Se a tensão aumentar na península, os fugitivos tendem a ir para a fronteira [com China], a mais fechada do mundo. E, se a tensão diminuir, as pessoas têm mais possibilidades de cruzar a fronteira.

P. O senhor acha que a ONU não espera mudanças imediatas enquanto sejam cometidos crimes brutais. A única saída dos norte-coreanos é fugir para a China e evitar uma repatriação?

R.Sim. Por isso mencionamos pela primeira vez a China em um relatório e instamos o país a respeitar o princípio de não repatriação para a Coreia do Norte. Hoje, a China não considera os norte-coreanos solicitantes de asilo, mas refugiados econômicos. Tratam o assunto como um caso de imigração.

P. Por que decidiram fazer audiências públicas?

R. Era essencial que fossem públicas. São histórias pavorosas, inimagináveis em termos da capacidade de resistência do ser humano e ainda infligem danos a outros. É quase como o Holocausto. É incrível! Ninguém pode aceitar essas violações. Este relatório nasce de histórias contadas por pessoas que viveram isso e que ficaram traumatizadas. Elas foram muito valentes de sair, de dar a cara, identificar-se e dar seus depoimentos. Também recolhemos muitíssimos depoimentos de maneira confidencial, depoimentos de gente que não queria se arriscar a represálias. Em termos da lei internacional são crimes contra a humanidade que duram muito tempo e que devem ser punidos. Não é um assunto nacional.

P. E se a comunidade internacional tomar uma atitude?

R. Estamos no auge dos esforços dos últimos dez anos. Os norte-coreanos tomaram uma hábil e bem-sucedida estratégia de negar tudo porque a informação estava fragmentada. Era mais um assunto político que levava a conflitos bilaterais, com o Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos. Nunca foi um problema da comunidade internacional. Este relatório é um compêndio de todas as provas existentes. Essa é a primeira diferença: sair da via política e entrar na via judicial. Pode ser  que isso não ocorra cedo. Mas é um início. Se o relatório for aceito no Conselho e aprovado por meio de uma resolução, entraremos em uma nova fase em que a comunidade internacional atuará unida.

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