O silêncio irônico de Lars von Trier
O dinamarquês exibe em sua visita a Berlim uma camiseta na qual debocha do Festival de Cannes
A manhã de domingo no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, costuma ser um momento de fortes emoções. E nessa 64ª edição dois acontecimentos muito potentes coincidiram no horário. De um lado, no palácio da Filarmônica, lar dessa orquestra berlinense, se projetava a versão restaurada de O Gabinete do Doutor Caligari (1920), 75 gloriosos minutos de cinema obra de Robert Wiene, um dos primeiros thrillers psicológicos da história e uma verdadeira aula de fotografia. Para a ocasião, o músico John Zorn compôs uma nova banda sonora, que ele mesmo interpretou com a orquestra Filarmônica de Berlim: daí a escolha do lugar para a projeção.
E no mesmo horário se apresentava a versão completa de Ninfomaníaca 1, de Lars von Trier, com 30 minutos a mais – de fato, simplesmente as sequencias se alongam um pouco mais e os personagens se explicam um pouco melhor – do que na versão que estreou comercialmente. Na sessão de fotos – e não na coletiva de imprensa posterior – estava anunciada a presença do dinamarquês: e, sim, ele estava lá. Usava um casaco que ele abriu para mostrar a camisa que usava embaixo, na qual, em dourado, abaixo da Palma de Ouro, logotipo do Festival de Cannes, se lia: “Persona non grata”. O dinamarquês jamais perde uma oportunidade para a publicidade e a ironia. Desde sua gafe na coletiva de apresentação do certame francês de Melancolia, sua posterior expulsão e seu silêncio autoimpostos seis meses mais tarde, cada gesto de Von Trier é analisado com extremo cuidado.
Na entrevista coletiva após a projeção estavam presentes todos os atores, com exceção de Charlotte Gainsbourg: de Stellan Skarsgård a Stacy Martin, passando por Christian Slater, Uma Thurman –belíssima e muito expressiva- e Shia LaBeouf. Este último, que há dois meses está num redemoinho de acusações de plágio de um curta-metragem, de também plagiar sua desculpa posterior e de submergir-se numa estranha onda de “não sei o que fazer, me retiro, na verdade tudo é uma pantomima porque estou fazendo arte”, aproveitou a primeira pergunta que lhe fizeram, sobre o sexo explícito no filme, no qual os protagonistas foram dublados por atores pornô, para afirmar: “Quando as gaivotas voam sobre uma lancha é porque pensam que vão cair sardinhas ao mar”. Levantou-se e saiu. A propósito, a citação tampouco é sua e sim do jogador de futebol francês Eric Cantona. As entrevistas coletivas do mundo Von Trier são sempre imensas. O resto de seu elenco mal pode chegar ao nível de LaBeouf falando da sensibilidade do cineasta dinamarquês. Com espetáculos assim, a estréia do debutante argentino Benjamin Naishat, com History of Fear, a meio caminho entre Dente Canino e Gente en Sitios, ficou completamente eclipsado.
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