Por que Osama Bin Laden conseguiu escapar de Tora Bora?
As forças dos Estados Unidos estiveram a apenas 1.500 metros do esconderijo do líder da Al Qaeda, mas uma série de erros logísticos impediram a captura Um diplomata conta o que aconteceu em 2001 nas montanhas do Afeganistão
O que deu errado para que as forças dos Estados Unidos não pudessem capturar Osama Bin Laden quando estavam a apenas 1.500 metros dele, em dezembro de 2001? Treze anos depois da frustrada operação nas montanhas de Tora Bora, ainda persistem muitas incógnitas que seguramente nunca se resolverão. Mas agora, graças à investigação de um jovem diplomata, se sabe que os meandros da frustrada tentativa tiveram uma mistura de vários fatores internos e externos, como erros logísticos, desconfianças diplomáticas, falta de informação e estratégias políticas e militares inadequadas. Os Estados Unidos perderam uma ocasião de ouro, a melhor que tiveram até maio de 2011, quando finalmente as forças especiais capturaram e assassinaram no Paquistão o líder da Al Qaeda. O que seria hoje do Afeganistão e da rede terrorista de Bin Laden tivesse sido detido em 2001 é uma incógnita que perdurará permanentemente e que, sem dúvida, suscita um intenso debate.
Os detalhes desta operação fracassada são contados por Yaniv Barzilai, integrante do corpo diplomático dos Estados Unidos, no livro 102 Days of War - "102 Dias de Guerra" -, que acaba de publicar a editora Potomac Books. A partir de entrevistas com destacados membros da CIA, do Pentágono e do governo de George W. Bush (2001-2009), Barzilai, de 25 anos de idade e que trabalhou para o representante especial do Departamento de Estado no Afeganistão e no Paquistão, analisa com detalhes a estratégia impulsionada de Washington para derrotar a Al Qaeda e capturar Bin Laden nos frenéticos dias que se sucederam aos atentados de 11 de setembro de 2001.
"Houve muita improvisação e as informações de inteligência eram levadas em conta assim que apareciam", contou nesta quinta o diplomata em um debate sobre seu livro, no centro de estudos Brookings, em Washington. "Após os atentados, a pressão era enorme. Bush disse que atuaria no ritmo dele, mas sabia que precisava agir rapidamente". Uma das maiores surpresas para o presidente, explicou, foi comprovar que o Pentágono tinha muito pouca informação sobre o Afeganistão, enquanto, por outro lado, a CIA dispunha de planos avançados sobre como decapitar a rede da Al Qaeda em 93 países e conhecia perfeitamente os meandros do regime dos talibãs graças a sua experiência, décadas atrás, no Afeganistão soviético.
Os detalhes desta operação fracassada são contados por Yaniv Barzilai, integrante do corpo diplomático dos Estados Unidos, no livro 102 Days of War - "102 Dias de Guerra"
Isso fez com que a CIA se movesse rapidamente sobre o terreno para localizar Bin Laden, enquanto o Departamento de Defesa esboçava um plano saindo do zero para atacar o país asiático. O primeiro time da agência entrou no Afeganistão no dia 26 de setembro e depois de três semanas começou a intervenção militar que, após 13 anos, ainda perdura. O regime dos talibãs sucumbiu rapidamente após perder o controle de Kabul em 13 de novembro. A CIA descobriu que, após a queda da capital, Bin Laden havia se deslocado para a região de Tora Bora, no nordeste do país, junto à montanhosa fronteira com o Paquistão.
Foi então que se iniciou a operação para capturá-lo e que acabaria em um fracasso retumbante. No dia 1o de dezembro, a primeira equipe, formada por só quatro agentes, se deslocou para as montanhas de Tora Bora, onde combateu alguns militantes da Al Qaeda. Após estes eventos, o máximo responsável da CIA no Afeganistão considerou que, devido à geografia acidentada, o líder jihadista poderia fugir facilmente. Solicitou, então, à cúpula militar que lhe mandassem um comando de reforço de 800 soldados. O pedido foi negado e só foram enviados 40 soldados de operações especiais. Assim, no total, havia 93 norte-americanos em Tora Bora com a ordem de "seguir e dar apoio" às três facções afegãs que supostamente lhes estavam ajudando, segundo Barzilai.
Pouco depois, chegou o dia chave. Na tarde de 10 de dezembro - 102 dias depois do atentado de 11 de setembro, daí o título do livro -, a CIA interceptou por rádio uma comunicação de Bin Laden e soube exatamente onde ele estava se escondendo. Uma equipe de 40 forças especiais se encontrava a apenas cinco quilômetros do lugar, no alto de uma colina, e partiu em direção da captura. No entanto, pouco depois os soldados viram, atônitos, que seus aliados afegãos estavam descendo a montanha, apesar do acordo prévio de que se encontrariam em um ponto concreto para irem juntos capturar o líder da Al Qaeda. Mesmo assim, o comandante da operação decidiu prosseguir com a equipe rumo ao cume. Pouco depois, desistiu e decidiu voltar. "Haviam chegado a uma ladeira bastante perigosa, a noite caía e não sabiam exatamente onde estavam e por onde seguir. A ordem que haviam recebido era a de não ir atrás de Bin Laden sozinhos. Além disso, precisavam resgatar alguns soldados em outra zona. Acabaram voltando", relatou o diplomata. Quando o fizeram, estavam a escassos 1.500 metros do paradeiro do terrorista mais procurado do mundo, o mais próximo que estariam forças norte-americanas de Bin Laden até a captura de dez anos mais tarde, em 2 de maio de 2011, na cidade paquistanesa de Abbottabad.
Houve muita improvisação e as informações de inteligência eram levadas em conta assim que apareciam Yaniv Barzilai
Segundo Barzilai, há uma dúzia de fatores externos e internos por trás da operação fracassada. No âmbito internacional, a pouca confiança nos supostos aliados afegãos e paquistaneses - inclusive se especula que alguns ajudaram o terrorista a escapar -; assim como a "distração" que supôs para Washington, quase ao mesmo tempo, o início da planificação da guerra do Iraque. No plano doméstico, foram sobretudo três grandes erros. O primeiro, a tática utilizada inicialmente, que buscava a derrota política dos talibãs sem grandes ações militares, o que isolaria por completo Tora Bora para capturar Bin Laden. Em segundo lugar, um objetivo errático: "Bush queria que o Afeganistão deixasse de ser um lugar seguro para a Al Qaeda, e foi o que fizemos, mas eles saíram de lá sem serem destruídos". Por último, houve falta de liderança. O diplomata afirma que o presidente dos Estados Unidos e seu secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, deram liberdade demais às cúpulas militares, evitando entrar nos detalhes concretos da guerra e só recebendo informações de Tora Bora a cada uma ou duas semanas.
A grande pergunta, portanto, é se Bush e Rumsfeld chegaram a saber que as forças dos Estados Unidos estavam tão perto de Bin Laden. Durante o debate, Barzilai evitou dar uma resposta concreta, mas sugeriu que não, os líderes não souberam. "A informação chegou a níveis muito altos do serviço de inteligência, mas houve um filtro em algum momento. Só saberemos a verdade se os documentos deixarem de ser confidenciais", disse, com ambiguidade. Mesmo assim, indicou que a doutrina que imperava no Pentágono era a de não destinar tantos recursos à busca de um só indivíduo, por mais letal que ele fosse. Neste sentido, lembrou que Rumsfeld insiste, em sua biografia, que o principal objetivo da intervenção no Afeganistão era evitar um novo atentado aos Estados Unidos, não prender o líder terrorista.
Seja como for, no início de 2002, poucas semanas após o fracassado dia 10 de dezembro, quando, segundo Barzilai, Bin Laden sabia bem que o cerco estava se fechando e achava que iria morrer, o terrorista conseguiu cruzar para o Paquistão. Ali, permaneceu escondido por nove anos até ser encontrado pelos norte-americanos em uma operação polêmica e que colocou em cheque o verdadeiro compromisso de Islamabad na luta contra a Al Qaeda.
Segundo Barzilai, há uma dúzia de fatores externos e internos por trás da operação fracassada
Ainda que nunca tenhamos respostas, fica a pergunta. O que teria acontecido se Bin Laden tivesse sido capturado em dezembro de 2001? À parte especulações e a pura retórica, não há dúvidas de que o golpe teria sido devastador. "Considero que não haveria acontecido muito do que aconteceu no Afeganistão e no Iraque desde então", avaliou o autor do livro. "Os Estados Unidos estariam em uma posição muito diferente no mundo de hoje em dia. Seu papel ficou completamente afetado pelo 11 de setembro".
O moderador do debate, o pesquisador da Brookings Bruce Riedel, enfatizou que Bin Laden estava em Tora Bora junto com seus mais próximos colaboradores e imaginou o que teria se tornado a Al Qaeda. "Eles eram o cérebro da Al Qaeda, e o fato de que todos tenham sobrevivido no Afeganistão lhes deu muita força para expandir as ações. Logo vieram os atentados de Bali, Madri e Londres, quem sabe se eles teriam ocorrido". Nunca se saberá. Mas o que ficou evidente é que hoje, ainda que os atentados massivos tenham diminuído, a Al Qaeda e o jihadismo mantêm sua força e capacidade de atração - basta ver os barris de pólvora na Síria e no Iraque -, e o Afeganistão permanece afundado em uma instabilidade permanente e com pouca perspectiva de solução.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.