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O governo da Venezuela mascara uma nova desvalorização de sua moeda

Quem comprar passagens para viajar o exterior ou usar cartões de crédito fora do país deverá pagar o dobro

O ministro de Petróleo e Energia, Rafael Ramírez, durante a coletiva.
O ministro de Petróleo e Energia, Rafael Ramírez, durante a coletiva.Jorge Silva (REUTERS)

O Governo de Venezuela anunciou uma desvalorização de fato da moeda local, o bolívar, embora a rigor não tenha reconhecido. O porta-voz da coletiva de imprensa, o presidente dos estatal Petróleos de Venezuela e vice-presidente da área econômica, Rafael Ramírez, valeu-se de toda classe de eufemismos para minimizar o descontentamento que uma medida como esta sempre ocasiona entre os cidadãos. Onde devia dizer “desvalorização” Ramírez preferiu utilizar outras expressões: “um novo modelo cambial”, “taxa Sicad” (que se refere ao novo preço da moeda para liquidar importações não prioritárias para o Governo) ou “mudança dual”.

A maneira de estruturar a mensagem teve também um propósito não confessado: responsabilizar os turistas venezuelanos e a certos importadores do setor privado –“a burguesia parasitária”, na linguagem oficialista- das decisões tomadas. E são precisamente estes dois atores os principais afetados pela desvalorização anunciada. “Todo mundo tem o direito de viajar, a utilizar seus instrumentos financeiros no enquadramento da lei, mas agora não estamos com a possibilidade de manter a taxa preferencial para que viajem”, afirmou o ministro no preâmbulo do anúncio. A partir de agora quem adquirir passagens de avião para viajar para fora do país, utilizem seus cartões de crédito no exterior ou que tragam bens não essenciais, segundo o critério do Executivo, deverá pagar quase o dobro do consumo em divisas na moeda local. Dito de outro modo: a cada dólar valerá para eles 11,36 bolívares (4,26 reais) e não 6,30 bolívares. A moeda desvalorizou-se em 80.32 por cento. Todos estes anúncios seguramente terão um impacto na inflação. Em 2013, Venezuela teve o recorde mundial com 56,1%.

Esta é a sexta correção do tipo de mudança feita pelo chavismo em onze anos de controle cambial. A nova cotação resulta do aprecio média dos leilões que convoca o governo desde o ano passado  através do Sicad (Sistema Complementar de Administração de Divisas) para outorgar dólares àqueles setores que não recebiam dólares preferenciais por diferentes motivos. Embora chamada de leilão, essa operação quiçá soe muito pretensiosa. O Banco Central de Venezuela intervém no jogo da oferta e a demanda para não deixar que a moeda norte-americana se acerque ao valor real do mercado.

Ramírez também não se prendeu em explicar esse aspecto. O importante para ele era comunicar que o Governo seguiria liquidando a taxa de mudança preferencial de 6,30 bolívares “80% das necessidades reais de importação da economia venezuelana”. A esse preço se reconhecerão outros conceitos muito apreciados pelo governo: as despesas dos estudantes universitários matriculados no exterior, as despesas consulares, as pensões e os casos especiais de saúde que se tenham que atender fora de Venezuela.

O Executivo não especificou se os alimentos ou os remédios que não se produzem no país serão liquidados a essa taxa. Quis deixar claro que possui as divisas suficientes para atender os requisitos da economia. A tais efeitos a equipe econômica calcula que 42,7 bilhões de dólares anuais são suficientes para honrar todos os pedidos de importações. Esta estimativa é ligeiramente superior à quantidade que se gastou no ano passado por esse conceito - 37,2 bilhões de dólares- e algo menos da quantidade de dinheiro que se pagou para trazer mercadoria e insumos em 2008 - 47,8 bilhões de dólares. Desses 42,7 bilhões de dólares cerca de 11,4 bilhões  serão leiloados para o setor privado. O dinheiro restante será destinado ao pagamento do serviço da dívida e às importações do setor público. Desconhece-se a metodologia utilizada para fazer o cálculo.

O estabelecimento de tais tetos revela que a intenção é recortar a entrega de dólares aos particulares e empresas. Há um propósito político, mas também é uma medida que busca administrar o que há. O dinheiro que se arrecada pela venda de petróleo no exterior não é suficiente para satisfazer a voracidade do setor público. O Governo não o reconhece. Prefere dizer que há muitos empresário de maleta entre os demandantes de divisas e que por isso não há divisas para todos. Em parte tem razão. Cálculos da empresa Ecoanalítica indicam que só em 2012 se simularam 24,7% das importações. Tudo é consequência de uma política de controles que destruiu o aparelho produtivo a tal ponto que é bem mais rentável e menos custoso importar, ou fingir que se faz, antes que produzir.

Os economistas contrários ao governo que comentavam os anúncios do ministro nas redes sociais não se surpreenderam. Seus vaticínios se cumpriram: não era possível sustentar por muito tempo mais a sobrevalorização da moeda. Com essa desvalorização não admitida ingressará mais dinheiro aos cofres do Banco Central, mas ainda é insuficiente para fechar a brecha fiscal. Os anúncios são vistos como uma cara diferente dos mesmos controles vigentes há mais de uma década. As quantidades finitas de dólares sempre terminam por enviar aos demandantes não satisfeitos ao mercado negro. Apesar destas advertências, o presidente Nicolás Maduro preferiu ser mais otimista. “Excelente coletiva de imprensa do vice-presidente Ramírez para seguir avançando no estabelecimento dos equilíbrios para a nova ordem”.

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