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“Montevidéu não será como Amsterdã”

A regulamentação da lei de legalização da maconha tem de estar finalizada em 120 dias

Elvira Palomo
Julio Calzada, responsável pela Junta Nacional de Drogas
Julio Calzada, responsável pela Junta Nacional de DrogasEl País

Julio Calzada é sociólogo, pai de três filhos adolescentes, e na Junta Nacional de Drogas foi o responsável por analisar e informar ao presidente de Uruguai, José Mujica, e seus ministros sobre as políticas públicas em matéria de drogas no mundo. O Uruguai tornou-se o primeiro país do mundo a aprovar uma lei que regula a produção e o comércio de maconha, e agora tem o desafio de atar os cabos soltos que ficaram em sua tramitação, demonstrando que não foi só um “experimento”.

A lei promovida por Mujica e aprovada no dia 10 de dezembro permite a produção, distribuição e venda do cannabis, o autocultivo (com um máximo de seis plantas por lar), os clubes de consumidores (com um máximo de 45 membros e de 99 plantas) e a compra de até 40 gramas por mês em farmácias autorizadas, após se inscrever em um cadastro prévio obrigatório, para maiores de 18 anos e residentes no Uruguai, uma medida que não convenceu os consumidores.

Estrangeiros, turistas e revenda da maconha ‘legal’

A regulamentação da lei, que o Executivo tem de finalizar em 120 dias, que expiram no dia 20 de abril, especificará alguns aspectos como o registro da residência na ficha de inscrição do cadastro. “É necessário ter uma cédula de identidade uruguaia”, diz Calzada.

Este é um dos temas polêmicos para a oposição ao Governo, que defende que a regulamentação não pode ser mais restritiva que a lei e que deveria ter sido proibido expressamente o acesso a não residentes.

“Isto não é uma liberalização do mercado, é uma regulamentação”, diz Calzada, que diz que nestes 18 meses de trabalho “não esteve em cogitação um plano para transformar Montevidéu em Amsterdã”. Na semana passada foi a Argentina quem deixou claro aos turistas que “vão ao Uruguai e podem encontrar pessoas no pedágio de Rocha, uma cidade da região costeira, oferecendo maconha”. As penas por tráfico e venda ilícita continuam em vigor.

Quanto à possibilidade de que os próprios uruguaios vendam seus 40 gramas mensais, Calzada se pergunta “por quanto dinheiro se assume esse risco? Para ganhar 400 dólares, 600 dólares, porque se vendesse 400 gramas a 800 dólares ganharia essa quantia e se colocaria em exposição a uma pena de 2 a 5 anos de prisão. Não parece uma hipótese razoável”. “As pessoas que se dedicam ao narcotráfico se expõem a esse risco mês a mês, não anualmente”.

Contexto da lei

No Uruguai, o mercado ilegal da maconha movimenta entre 30 e 40 milhões de dólares e calcula-se que a marijuana represente 90% do total de drogas consumidas.

No Uruguai, com 3,3 milhões de habitantes, ente 120.000 e 150.000 consomem maconha ao menos uma vez ao ano, “um número nada desprezível”, diz Calzada. Esta situação “não tem de ser igual para outros países da América Latina” e assegura que no Uruguai “o mercado e a venda de outras drogas se articula sobre a base do mercado da maconha”.

O processo

Restam outros assuntos pendentes, como a criação do Instituto de Regulación y Control del Cannabis, que se encarregará de dar as concessões para o cultivo; o modelo de produção e o tipo de sementes que serão cultivadas.

As licenças se darão a “profissionais tenham conhecimento e que deem confiança ao Governo de que vai ser uma produção nas condições que vamos propor”, disse Calzada. Entre os requisitos: “não podem ter antecedentes delituosos”. Ele afirma que várias empresas -uruguaias e estrangeiras- já manifestaram interesse. Sem dizer nomes, aponta que algumas se dedicam à semente, outras aos produtos medicinais na Europa. “Vamos fazer um estudo claro de todas as empresas para evitar que eventualmente organizações que estão no tráfico ilícito de maconha possam constituir empresas”.

A produção

Estuda-se várias propostas para a produção, mas “ainda hoje não temos uma definição”, disse Calzada, que espera que isso esteja “mais claro” em meados de fevereiro. As opções seriam: colheita permanentemente, com um sistema de inverneiros; estabelecer uma cifra de 4 ou 5 colheitas por ano; ou uma produção sazonal, com um plantio em novembro e colheita em abril.

Estão avaliando ademais a extensão dos cultivos, para garantir sua segurança. Segundo os cálculos da Junta, seriam necessários 20 hectares para satisfazer a demanda no país.

O preço sem subvenção e com impostos

O preço –ainda a ser definido- foi estimado em um dólar a grama "baseado em informações diversas”, desde relatos policiais a de centros de tratamento, disse o sociólogo, que manifesta a disposição em abrir um nicho do mercado ilegal e baixar os preços se for necessário “para evitar a fuga do mercado legal ao negro”.

Calçada adiantou que “vai cobrar impostos”, que financiarão campanhas de saúde e educação. Não se sabe o verdadeiro o custo de produção, mas Calzada se diz confiante em “que temos uma ampla margem, sem necessidade de subvenção”.

Será mais difícil viajar com passaporte uruguaio?

Calçada não acha que esta lei afete os viajantes uruguaios que cheguem a aeroportos internacionais, nem que vão ser revistados particularmente. Assinala que “alguns problemas ocorrem quando vão a Argentina”, já que o consumo no Uruguai é legal hoje. Também resta saber se haverá algum impacto no transporte de mercadorias nas fronteiras internacionais.

Uma lei que está dando o que falar

A lei causou polêmica dentro e fora do país. Segundo a pesquisa mais recente realizada sobre o tema em setembro, 61% dos uruguaios eram contrários à lei. Embora o Governo defenda que seu objetivo é ter o controle para evitar os riscos e reduzir os danos do uso do cannabis, tirando o mercado do narcotráfico com uma maconha de qualidade controlada e campanhas de informação contra as drogas. A oposição acha que é uma lei aprovada a toque de caixa, sem consenso e que pode minimizar a sensação de risco dos jovens. A ONU criticou a decisão de Uruguai e advertiu que viola tratados internacionais assinados pelo Uruguai; o secretário geral da OEA, José Miguel Insulza, aplaudiu a inovadora lei que "não é uma legalização nem uma liberalização" e desejou "sorte" ao Uruguai com a iniciativa. Enquanto isso, o Uruguai foi o centro de atenção mundial por esta e outras leis aprovadas neste ano como o casal homossexual, que lhe valeu ser nomeado "país do ano" pela revista The Economist .

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