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A metade do Brasil é irmã de Mandela

O espírito de luta trazido pelo ex-presidente para abolir as diferenças foi crescendo no país onde, sobretudo nos últimos anos se levaram a cabo políticas de grande relevo a favor dos negros

Juan Arias
Nelson Mandela, em foto de 2007.
Nelson Mandela, em foto de 2007.LEON NEAL (AFP)

O Brasil tem uma dívida especial com Nelson Mandela, porque não é possível entender este país sem a contribuição que lhe deu África, com os milhões de escravos vindos a sua terra. Hoje, a metade dos brasileiros é da raça negra, que leva em suas veias o sangue dos antigos escravos africanos.

Por isso, a metade do Brasil se sente hoje irmã do pacifista negro que foi capaz de dar ao mundo a lição de que é com o perdão e não com a guerra, com o diálogo e não com a discriminação, que podem ser resolvido os problemas do racismo entre brancos e negros sem novo derramamento de sangue provocados por ódios ancestrais.

O Brasil seria outro país sem a chegada ao seu chão de milhões de negros escravos africanos que acabaram misturando seu sangue com os nativos.

É uma história ambivalente, de tragédia e de riqueza ao mesmo tempo. Não foi fácil a vida dos escravos negros neste país onde a escravatura foi a última a ser abolida no mundo (em 1888). Uma história de dor e ao mesmo tempo de enriquecimento. Lágrimas e cultura se misturaram em um abraço pintando nesta terra com uma cultura africana que poucos países desfrutam.

Os sociólogos asseguram que a escravatura não acabou; que os escravos de ontem deixados a sua sorte, sem educação ao conquistar sua liberdade, seguem sofrendo o estigma de ser considerados inferiores.

E é verdadeiro, que no Brasil ainda não é pacífica a convivência entre brancos e negros, porque estes últimos continuam ocupando os postos mais baixos da escala social.

No entanto, o espírito trazido por Mandela de luta para abolir as diferenças, para tratar de viver e trabalhar juntos em vez de guerrear, foi crescendo no país onde, sobretudo nos últimos anos e impulsionadas pelo ex-presidente Lula da Silva, se levaram a cabo políticas de grande relevo a favor da população negra. A política continuou com a presidenta Dilma Rousseff, seja através das cotas reservadas aos mesmos, seja introduzindo nas escolas o estudo obrigatório da história da África e dos escravos que chegaram até aqui para que a sociedade vá tomando consciência da dívida que o país tem com a África negra.

Seria impossível hoje entender uma parte do Brasil sem a cultura, os costumes, os ritos e até a gastronomia que teve a contribuição dos antigos escravos e que hoje fazem parte da cultura nacional.

Justamente, neste momento, a sociedade brasileira aplaude por onde passa o magistrado negro, Joaquim Barbosa que foi capaz com sua atitude no escândalo de corrupção política do mensalão de devolver a esperança em uma justiça menos elitista e mas igualitária. E foi escolhido por Lula como ministro do Supremo Tribunal Federal.

Há poucos anos, não só seria impossível que um negro presidisse o Suprema Corte de Justiça do país, senão que conseguisse o consenso, o aplauso e a simpatia da maior parte da população.

E Nelson Mandela, que começando como guerrilheiro soube converter sua vida em uma guerrilha pelo pacifismo e perdão entre irmãos de diferente cor, não é alheio a este acordar brasileiro para uma maior consciência da dignidade dos negros.

De alguma forma, os brasileiros negros sentem que o líder africano também é seu. Hoje, choram sua morte todos os que apostam no diálogo e nos encontros contra os que defendem as contendas e aqueles que preferem manter vivas as cinzas dos velhos ódios do racismo tão difícil de eliminar.

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