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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

EUA homenageiam Kennedy como inspiração contra seu declínio

A nação perdeu estímulo para brigar e a confiança em seus dirigentes. Hoje, apenas 40% respaldam ao presidente

Antonio Caño
Foto histórica, de 4 de junho de 1963, na Casa Branca
Foto histórica, de 4 de junho de 1963, na Casa BrancaBRENDAN SMIALOWSKI (AFP)

Os Estados Unidos recordaram nesta sexta-feira, intensa e profundamente, John F. Kennedy, seu presidente mais querido, com nostalgia dos tempos mais felizes e a incerteza sobre um futuro muito menos luminoso.

A notícia do assassinato de Kennedy em Dallas há 50 anos é de plena atualidade hoje, tanto pelo impacto ainda sensível que causou entre seus compatriotas, como pela certificação de que ninguém desde então foi capaz de devolver a esse país o orgulho que se requer para exercer como líder mundial.

O período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o assassinato de Kennedy é seguramente o mais brilhante da história norte-americana. Em 1963 mais de 80% da população era otimista sobre o futuro.

E 90% apoiavam a gestão de um presidente que prometia conquistar a lua, fazer a paz e reconhecer os direitos que até então haviam sido negado aos negros. “Era um país que desfrutava de Martinis e canções de Frank Sinatra”, diz o jornalista e biógrafo de Kennedy, Chris Mathews.

Depois de sua morte, chegou o Vietnã, os confrontos sociais, a desmedida ambição pelo dinheiro e a degeneração da classe política até o ponto em que se faria visível com o Watergate. Nada do que veio depois mudou substancialmente as coisas. Com o parêntese contraditório de Ronald Reagan e o fim do comunismo, os Estados Unidos nunca chegaram a recuperar o estado de satisfação que desfrutara naquela época dourada.

O presente só veio a confirmar a decadência. O poder militar, as cifras econômicas e a energia individual para a inovação seguem sendo ainda a inveja de muitos outros países. Mas a nação, como conjunto, perdeu estímulo para brigar e a confiança em seus dirigentes.

O horizonte estreitou-se. A causa pela qual os EUA se intitulam excepcionais está em dúvida. Hoje só 23% dos norte-americanos acha que as coisas marcham na direção equivocada e 40% respaldam a seu presidente.

Na mesma véspera deste aniversário, os cidadãos sabiam que havia sido recortado substancialmente os direitos da minoria no Senado, o que não é mais que o reconhecimento oficial de que aqui já não se pode governar de forma bipartidista e de que um sistema político surgido de algumas das mentes mais lúcidas que produziu a humanidade não se sustenta.

Mas este país é ainda generoso no julgamento de sua história e pragmático na busca de soluções. Não se trata, por tanto, neste 50º aniversário, de assinalar culpados desse declive, senão lições para encontrar mudanças.

E nessa olhada para atrás para reconduzir o futuro, descobre-se hoje um homem que cometeu erros –Bahía de Cochinos-, que estava longe de um comportamento exemplar –mulherengo compulsivo-, mas que elevou o carisma de seu cargo da presidência dos EUA a dimensões que Washington não conhecia com Jefferson ou Lincoln.

Quando às 12h30 da tarde em Dallas, exatamente no momento do assassinato, soavam os sinos e guardava-se um minuto de silêncio com as bandeiras a médio haste, muitos norte-americanos reconheciam Kennedy como fonte de inspiração na reconquista das virtudes perdidas.

“Comparado com outros presidentes recentes, cujas falhas têm manchado a autoestima nacional, a memória de Kennedy segue dando ao país fé em que ainda há dias melhores pela frente. Essa é uma razão suficiente para descontar suas limitações e seguir apaixonados por sua atuação presidencial”, afirma Robert Dallek, um dos autores mais destacados sobre a obra de Kennedy.

Hoje a sociedade inteira é mais cética e os jovens, em particular, perderam o interesse na política e, sobretudo, nos políticos. Kennedy foi ontem o tema central de todos os noticiários da televisão e das capas dos jornais tradicionais, mas não era o objeto principal de busca no Google, onde o cantor juvenil Aaron Carter liderava as pesquisas.

Isto talvez não diga muito sobre estes tempos que, como todos, são variáveis e suscetíveis a ser leviano. Mas sim é um chamado de atenção sobre as possibilidades de estender a vigência das principais lendas nacionais em um momento em que o país precisa delas mais do que nunca. Ontem alguns jovens foram visitar o túmulo de Kennedy em Arlington, mas seria um erro ignorar que os que viveram com mais emoção esta data ultrapassam largamente o meio século.

O atual presidente Barack Obama, tinha dois anos quando Kennedy foi assassinato, e sua esposa, Michelle, sequer tinha nascido. Vivendo a infância no Havaí, e a adolescência na Indonésia, é improvável que Obama tivesse maior afeto pessoal por Kennedy até que o adquiriu depois, quando assumiu o reconhecimento eterno que lhe rende a comunidade racial à qual pertence.

No entanto, Obama precisaria hoje de Kennedy mais do que ninguém. “Com visão ampla e crescente e um idealismo sóbrio, o presidente Kennedy chamou uma geração ao serviço militar e convocou a uma nação à grandeza”, manifestou Obama na proclamação deste dia como a Jornada Nacional de Lembrança a Kennedy.

Visão, idealismo, serviço, grandeza. Conceitos que hoje soam antiquados em uma época obcecada com o imediato, e carente de referências. De todas as decepções que Obama pode ter deixado até a data, a fundamental é a de não ter assumido a responsabilidade da liderança que lhe fora entregue. É verdadeiro que, como ele mesmo disse em algumas ocasiões, este já não é um tempo no qual se governa de acima para abaixo. Mas é duvidoso que o mundo possa ser permitido ao luxo, agora ou em qualquer momento, de prescindir de mitos que, como Kennedy, convidam a todos a ser melhores.

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