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Trump deixa clara a divergência com políticas predominantes do G7

Reunião chama o presidente dos EUA a recuar em questões essenciais, como meio ambiente e comércio internacional

Daniel Verdú

Ninguém esperava nesta sexta-feira, em Taormina (Itália), um encontro do G7 –que reúne as democracias mais industrializadas do planeta—com mais tensão e fricções políticas. Um desencontro causado pela divergência de critérios entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os outros seis governantes sobre a maioria dos grandes acordos alcançados nos últimos anos em termos de comércio, meio ambiente ou até mesmo das relações com a Rússia. Apesar da sutileza que costuma reinar nesse tipo de encontro, ninguém disfarçou o clima crepuscular que cerca o G7. Não há certeza nem mesmo quanto à possibilidade de se chegar a uma declaração final conjunta. A mensagem do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, não poderia ter sido mais apocalíptica: “Se não obtivermos uma unidade maior, a situação do mundo pode fugir do nosso controle”.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, rodeado no G7 de Taormina por Theresa May, Angela Merkel, Paolo Gentiloni e Shinzo Abe.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, rodeado no G7 de Taormina por Theresa May, Angela Merkel, Paolo Gentiloni e Shinzo Abe.Sean Gallup

A distância é tão evidente, que nem sequer foi preciso perder tempo colocando panos quentes nas discussões. Especialmente depois das rusgas do dia anterior em Bruxelas, quando Trump criticou o reduzido gasto militar por parte dos membros da OTAN e criticou o superávit da balança comercial da Alemanha com a expressão “é muito ruim”. Nesse terreno, como na maioria dos casos, não houve quase nenhum avanço.

O multilateralismo e a busca de acordos não é o ambiente natural do presidente norte-americano. De forma que só restava buscar em meio ao labirinto diplomático algumas portas que ainda pudessem permanecer abertas. Ao final do dia, chegou-se apenas à assinatura de um previsível comunicado sobre a luta contra o terrorismo e à confirmação de que, apesar da pressão das demais potências, os EUA precisam de mais tempo para decidir se rompem com os acordos contra a mudança climática assinados em Paris.

A sensação, na abertura da 43ª edição do G7 – protegida por terra, mar e ar por mais de 10.000 homens – , era do fim de uma era prolífica em acordos e o início de uma nova ordem insondável erguida sobre interesses unilaterais. Muitas novidades sobre a mesa, mas poucas que trouxessem esperança. Um encontro que chegou cedo demais para alguns e em pleno processo eleitoral para outros. Quatro governantes estavam estreando: Emmanuel Macron, Paolo Gentiloni, Theresa May e Donald Trump. E os olhos se voltaram principalmente para a primeira-ministra britânica, que representou um Reino Unido pela primeira vez com um pé já fora da União Europeia, e para o presidente dos EUA. Isolado em sua visão particular do mundo – inclusive fisicamente, durante os passeios realizados em Taormina pelos mandatários –, o país teve a sua liderança dentro do G7 voluntariamente diluída em Taormina.

Detectada essa lacuna, e tendo em vista que mais da metade dos presentes não tinham experiência nesse tipo de encontro, a UE saiu na frente, com uma contundente entrevista coletiva dada por Tusk e pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. O tom empregado ali foi bem mais direto do que de hábito, sem subterfúgios, com a exigência de se manterem as sanções à Rússia e a defesa da realização de acordos comerciais e sobre o clima. “Não é segredo para ninguém que os líderes que se encontrarão hoje têm posturas diferentes em temas como o comércio e a mudança climática”.

Um acordo para lutar contra o terror na internet

O terrorismo não desaparece, ele se transforma. Essa foi uma das conclusões a que se chegou nesta quinta-feira na Sicília e que permitiu acrescentar à declaração conjunta contra o terrorismo um acordo para combater a presença, maior do que nunca, do jihadismo na internet. Trata-se de uma das grandes reivindicações da primeira-ministra britânica, Theresa May, que, além disso, agradeceu o apoio recebido após o atentado de Manchester.

O documento afirma: “O G7 chama os provedores de internet e as empresas de redes sociais a aumentarem os seus esforços no sentido de excluir todo conteúdo terrorista. Nós os instamos a desenvolver tecnologias que detectem e eliminem automaticamente qualquer conteúdo que propague a violência. Combateremos a propaganda que apoia o terrorismo e o extremismo violento”.

A questão do meio ambiente foi um dos grandes temas de destaque da pauta da reunião. Mas acabou sendo sepultado, também, pelo posicionamento unilateral importo pelos EUA. Ao assumir a presidência do país, Trump anunciou que os EUA não iriam cumprir os acordos assinados em Paris em 2015. A mudança climática, disse ele, lhe parecia “uma enganação”. No entanto, as pressões exercidas nos últimos dias –inclusive pelo papa Francisco, que lhe pediu explicitamente para recuar— levam a pensar que pode haver alguma novidade. Paolo Gentiloni confirmou ao final das reuniões que os EUA “iniciaram uma reflexão interna” e tomarão uma decisão própria nos próximos dias. Theresa May também admitiu a existência das divergências, mas afirmou que todos têm consciência da importância da questão. Merkel, porém, mais concisa e transparente, preferiu definir a discussão como tendo sido “controvertida”.

A fratura parece tão ampla que, no meio da tarde, começou a circular a ideia de que seria impossível emitir um comunicado conjunto nesta sexta-feira. Especialmente por causa das divergências em relação aos compromissos sobre a imigração. Um dos objetos de se realizar o encontro na Sicília era colocar a crise migratória em destaque. Este ano, chegaram ao litoral italiano cerca de 200.000 imigrantes procedentes da Líbia, e a ideia era obter um acordo que estabelecesse esse problema e a sua solução como uma questão global, proposta que conta com o apoio da chanceler alemão, Angela Merkel, que se mostra consciente do peso excessivo que recai sobre a Itália desde o início da crise. Mais uma vez, porém, não é um item que apareça entre as prioridades da administração norte-americana.

Ao final do dia, a piada que resumia a jornada nos corredores do G7 evocava o lema que marcou o início da era Trump: America first. Uma visão de mundo que complica enormemente a realização desse tipo de encontro e cujo significado foi sentido na própria pele, no dia anterior, pelo primeiro-ministro de Montenegro, Dusko Markovic, que recebeu no ombro um empurrão brusco de uma pessoa que abria caminho ao seu lado. Ao se voltar para essa pessoa, ele viu um Donald Trump todo pimpão assumindo a dianteira e ajustando o paletó.

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