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Coluna
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Eleições gerais colocam a velha e a nova Espanha frente a frente

Espanhóis vão votar divididos entre o conservadorismo ou um salto para o desconhecido

Da esq. para a dir.: Pablo Iglesias (Podemos); Albert Rivera (Ciudadanos); Pedro Sanchez (PSOE) e o premiê Mariano Rajoy (PP).
Da esq. para a dir.: Pablo Iglesias (Podemos); Albert Rivera (Ciudadanos); Pedro Sanchez (PSOE) e o premiê Mariano Rajoy (PP). AFP

Quatro dias, quatro comícios eleitorais, 2.000 quilômetros percorridos. Muitos castelos, muralhas, igrejas, oliveiras; presunto, morcela, porco e vinho. A Espanha, que vai às urnas neste domingo, é um país antigo de tradições antigas – na cultura e nos hábitos políticos. Franco se foi e veio a transição, mas a reverência ao poder, o abuso descarado daqueles que o controlam e o hábito clientelista da população continuam presentes, parece mais a época medieval do que o século XXI.

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O aparecimento na corrida eleitoral de dois jovens partidos, Ciudadanos e Podemos, sacode a velha arquitetura. Os espanhóis vão votar divididos entre ficar com seu conservadorismo ancestral ou dar um salto para o desconhecido.

Na segunda-feira estive em Ávila, com o Ciudadanos; na terça-feira com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em Badajoz; na quarta-feira com o Podemos em Valladolid; na quinta-feira com o Partido Popular (PP) em Barcelona. Na rádio do carro ouvi a notícia do soco que um jovem de 17 anos deu no primeiro-ministro espanhol e líder do PP, Mariano Rajoy, metáfora selvagem da disputa essencial dessas eleições entre o jovem e o velho.

Ciudadanos: Fila durante 45 minutos para entrar no pequeno teatro da Caja de Ávila; capacidade: 500 pessoas. Um alto-falante colocado em um carro tenta me fazer uma lavagem cerebral com slogans gravados, repetidas vezes: “Os privilégios acabaram; Governo de mãos limpas; Novo projeto; Um país de oportunidades; Esperança; Os privilégios acabaram....". Música do Coldplay e um homem com ar sereno sobe ao palco. Citando sem confessar ao famoso anúncio da Nike, diz que "o impossível é apenas uma opinião"; que o seu partido propõe "reformas para que a Espanha finalmente entre na modernidade", que "a esperança vai vencer o medo". Mas que ninguém se assuste: "O programa eleitoral é factível, a mudança será sensata".

A linguagem corporal de Rivera não tem a mesma convicção de suas palavras

O líder Albert Rivera, que usa sapatos marrons com cadarços vermelhos, aprofunda a ideia. "Reforma, mas não ruptura; mudança, mas não revolução". E nos lembra: "A nova política vence a velha", "Vem a segunda transição". Rivera é o primo da família que todos nós temos e secretamente invejamos, mas sua linguagem corporal não transmite a mesma convicção de suas palavras. O público grita "Presidente! Presidente!", mas não está claro se ele mesmo, aos 36 anos, acredita.

PSOE: Um centro de exposições do tamanho de meio campo de futebol, com uma mesa na entrada onde duas mulheres vendem merchandising: ursos, guarda-chuvas, relógios vermelhos. No interior, bandeiras são acenadas ao som do hino triunfal (mas antiquado em relação ao Coldplay) do partido. O volume atinge decibéis que ameaçam colocar a saúde em risco. A produção é mais made for TV do que pensada para os cinco mil e tantos presentes, dos quais muitos conversam entre si durante os discursos, como se fosse tanto um grande encontro de família como um ato político. E, de fato, alguém grita do palco dizendo que fazem parte da "família socialista", cujo chefe é o apresentador do ato da noite, o lendário Felipe González, o ex-primeiro-ministro a quem a multidão veio ver, mais a alma do partido, ainda hoje, do que seu belo e jovem sucessor Pedro Sánchez.

Felipe González fala como se estivesse ante a um grupo de amigos

O vovô Gonzalez ("tenho 50 anos de vida política") fala do palco como se estivesse ante a um grupo de amigos na sala de estar de casa. Exala a sabedoria de um homem que permaneceu no poder durante 14 anos e a astúcia de uma raposa velha que sobreviveu a mil batalhas políticas. Como tal, ataca impiedosamente o perigoso rival do PSOE, Podemos, em seu flanco mais fraco, a associação de seus líderes com o catastrófico Governo chavista da Venezuela, do qual tentam se distanciar. Ao que sugere a expressão de desprezo "o baile de máscaras do Podemos". A mensagem é clara: o PSOE é digno de confiança; o Podemos, não. O problema para os eleitores indecisos que o veem na televisão é que González não só não compete nas eleições, mas também representa a desdenhada "casta" que o Podemos ataca.

Os apoiadores do Podemos criam um ambiente fervoroso, moral e futebolisticamente

Podemos: Um teatro moderno de madeira de cor clara. Falam três pessoas antes do líder, Pablo Iglesias, todos com aparência rebelde de vinte e poucos anos: cabelo comprido, ou piercing na orelha, ou minissaia. Sempre que se menciona Felipe González, o público (jovem, muitas selfies) vaia, como quando Cristiano Ronaldo toca na bola no Camp Nou. Gritam “Virada! Virada!”, o que reflete uma fé surpreendente nas pesquisas, e cantam A Por Ellos, ¡Oé! O professor Iglesias termina com uma exposição didática e sisuda de sua política econômica (utilizou a palavra "ontológico"), mas a atmosfera gerada por seus apoiadores é fervorosa, moral e futebolisticamente. Romântica também, sempre com um fundo religioso implícito. Vão, como Jesus Cristo, "contra os poderosos" e a favor dos pobres, dos famintos e da igualdade. "Isso transcende a política, é uma atitude perante a vida", afirma um; "Na luta pela felicidade somos invencíveis", proclama outro.

Partido Popular: No meio do caminho entre o plasma e o mundo real, Rajoy se apresenta em um salão de estilo Versalles no Hotel Palace (antigo Ritz) de Barcelona. Tapete espesso e sóbrio de cores pastel, grandes lustres de cristal, cortinas pesadas de três metros de altura e um público de acordo com a estética do lugar, na maioria homens vestidos com terno escuro e gravata, sentados em mesas com toalhas que chegam até o chão. É o ambiente natural de Rajoy, ao que parece, apenas 16 horas após o soco pelo qual essa campanha será lembrada para sempre, como se nada tivesse acontecido, sem danos físicos ou emocionais à vista. Ressaltando o sucesso da sua gestão durante os últimos quatro anos, recita uma estatística econômica atrás da outra, em um exercício notável de memória

No meio do caminho entre o plasma e o mundo real, se apresenta Rajoy

Quem o apresenta é Jorge Fernández Díaz, que nos prepara para o feito recordando uma anedota pessoal: durante a Copa do Mundo de 1982, Rajoy disse a ele todos os nomes da equipe titular da seleção grega. Fernández Díaz, o ministro do Interior, aproveita a agressão da noite anterior para lembrar ao eleitorado espanhol diante das câmeras de televisão que Rajoy é um líder clássico. "Em um momento como o de ontem, demonstra o que é, tem objetivos nobres, serenidade e temperança", diz Fernández Díaz. E acrescenta: "Ele ama seu país, a Espanha, e tem uma ideia de Espanha na cabeça e no coração".

Rajoy representa uma ideia conservadora de uma velha Espanha; o PSOE, uma ideia mais progressista da mesma. A nova Espanha prometida pelo Ciudadanos se construiria com reformas pragmáticas, a que defende o Podemos promete uma vida feliz com base em um princípio moral de igualdade. Muito em breve saberemos quem conquistou os corações e as cabeças dos espanhóis.

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