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Exorcismo de Santos

O presidente colombiano precisa aprender a vender os benefícios da paz com as FARC

Santos, em um ato em janeiro.
Santos, em um ato em janeiro.ERIC PIERMONT (AFP)

Todos os políticos são vendedores. Vendem liberdade, segurança, prosperidade, igualdade, honestidade, ordem. E também paz, o produto que as pessoas deveriam estar mais dispostas a comprar, especialmente em um país como a Colômbia, em guerra há mais de meio século.

Só que não. As complicadas negociações em Havana entre as duas principais partes envolvidas no conflito colombiano, o Estado e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), já se prolongam por dois anos e meio, mas a confiança da opinião pública no processo de paz, que nunca foi muita, parece diminuir a cada dia que passa. A morte em combate de 37 membros das FARC, há duas semanas, e de 11 soldados do Exército, em abril, não contribuíram para melhorar o ambiente da negociação. Uma pesquisa nacional publicada no começo de maio indicou que 69% da população se sentia pessimista com a possibilidade de que um acordo ponha fim à guerra, e apenas 29% aprovavam a gestão do presidente Juan Manuel Santos, o promotor-chefe da paz.

As mortes dos militares e guerrilheiros foram tão lamentáveis como inevitáveis em um país com o dobro do tamanho da Espanha, onde pululam antigos inimigos fortemente armados. Mas este não é o nó do problema. O nó do problema, e o motivo pelo qual existe a alarmante possibilidade de que a assinatura de um acordo em Cuba não resulte em uma paz duradoura na Colômbia, é que a maioria dos colombianos não se convence com o plano que o presidente Santos quer lhes vender.

Com sua proposta de uma solução militar, Uribe é o inimigo mais perigoso para a negociação

Por que não? Pelas mesmas razões pelas quais alguém hesita na hora de comprar um carro, um aspirador ou meio quilo de carne. Primeiro, que o produto é caro. Segundo, que o vendedor não é muito bom. Terceiro, que existe um produto concorrente a um preço mais acessível. Quarto, que o outro vendedor é melhor. Isto é o que ocorre hoje com a venda da paz na Colômbia.

O preço do acordo proposto é alto: uma justiça menos que perfeita, cuja consequência seria que membros das FARC culpados por atrocidades se salvassem dos castigos penais que, segundo a maior parte dos colombianos, merecem.

O presidente Santos é um homem astuto e racional, mas o dom da persuasão não é seu ponto forte. Quando você conversa com colombianos na rua, chama a atenção a ignorância sobre os dividendos positivos que o investimento na paz representaria para o país.

Para o público comprador, acaba sendo mais sedutor —mais barato— um projeto que combine o final da guerra com derrota das FARC e a prisão de seus líderes.

O ex-presidente Álvaro Uribe, que advoga com mais ruído do que ninguém uma solução militar (ou, o que dá no mesmo, uma paz sem as concessões que uma negociação por definição acarreta), é um populista de cabo a rabo.

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O presidente Santos admitiu, em entrevista publicada neste jornal em 1º. de março, que sua situação é difícil. “Vender a paz é muito mais difícil que vender a guerra”, disse. “Vender a paz exige sacrifícios… Exige conciliar ódios, feridas, ressentimentos”. Na mesma entrevista, Santos reconheceu que seu rival é melhor vendedor, ao confessar que reza “todos os dias” para que Uribe mude de opinião e apoie o processo de paz. Louvável a franqueza de Santos como homem, mas, como político, nem tanto. Com essas palavras, demonstrou mais fragilidade que convicção. A guerra não tem por que ser mais fácil de vender que a paz. Deveria ser o contrário, embora seja verdade que a natureza do ser humano é tal que não é difícil convencer as multidões apelando ao ressentimento e ao rancor, qualidades que Uribe encarna desde que Santos, que foi seu ministro da Defesa, o substituiu na Presidência. Santos é um Judas, segundo Uribe, que o traiu ao iniciar a aproximação com as FARC.

Vender a paz ou a guerra

Os dirigentes das FARC tampouco ajudam. Suas declarações beligerantes em Havana demonstraram que não entenderam algo que Santos entende: que em uma negociação as partes devem ter a maturidade de se unirem ao adversário na tarefa de vender o projeto à totalidade da população.

Mas Uribe, que não deixa de disparar mensagens pela sua conta do Twitter (quase quatro milhões de seguidores) ou por outras declarações públicas, foi quem se transformou no mais perigoso inimigo do processo de paz. Uribe representa hoje um caso clássico daquilo que um ex-primeiro-ministro britânico acusou (não sem certa razão) os jornalistas de serem: gente com poder, mas sem responsabilidade.

A reticência de Santos na hora de denunciar Uribe como tal, de submetê-lo a um exorcismo em vez de apenas rezar, é motivo de frustração para os muitos colombianos que apoiam um acordo negociado. Lamentam sua incapacidade de cativar os corações das pessoas com palavras e gestos que inspirem —uma limitação que compartilha com a maioria dos líderes políticos do mundo atual. Mas, se essas mensagens não brotam dele por natureza, como ele mesmo teve a humildade de reconhecer, que se aplique com empenho e fé à urgente missão de transmitir aos seus compatriotas uma visão sedutora das vantagens que todos receberão —mais turismo, mais investimento estrangeiro, liberdade de movimento por todo o país, um grau de tranquilidade no cotidiano desconhecido há 50 anos— se comprarem um acordo com as FARC. Como escreveu no mês passado o jornalista colombiano Álvaro Sierra no jornal El Tiempo, faltam “mensagens simples e convincentes que concorram com as da oposição… Ninguém fala ao ouvido do cidadão comum”.

Do sucesso de Santos nessa sua grande tarefa pendente dependerá esta que é a melhor oportunidade que a Colômbia já teve de conquistar a paz. A alternativa, por mais que avancem os inescrutáveis diálogos de Havana, é a guerra sem fim.

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