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Neonazistas ameaçam políticos que defendem abertura da Alemanha

“Não vão conseguir me derrubar”, garante um vereador assediado Ajuda econômica à Grécia também incomoda parte dos alemães

Luis Doncel
O vereador Hans Erxleben, em sua casa em Berlim.
O vereador Hans Erxleben, em sua casa em Berlim.JULIA SOLER

Hans Erxleben ouviu um barulho na madrugada do último 6 de janeiro. Levantou-se da cama, correu para a rua e viu seu Toyota completamente queimado. Alguém havia ateado fogo ao veículo. Poucos dias depois, encontrou um bilhete em que ele era citado por seu nome e sobrenome e um recado no qual lamentavam que ele não estava dentro do carro enquanto o automóvel ardia em chamas. Não era a primeira vez. Ele já tinha visto uma pedra quebrar a sua janela e aterrissar na sala de sua casa. Apesar de tudo isso, esse vereador do partido A Esquerda (Die Linke) de um distrito do sudeste de Berlim considera-se uma pessoa de sorte.

“Aqui tenho o apoio das pessoas. Alguns vizinhos se ofereceram para concentrar-se pacificamente diante da minha casa. Tenho mais sorte que o prefeito de Tröglitz. Não me sinto só”, ele declara, sentado em seu sofá e dando o mesmo sorriso que acompanha todas suas frases. Erxleben aludia a um caso que causou comoção na Alemanha na semana passada. O político independente Markus Nierth deixou seu cargo na Prefeitura ao comprovar, horrorizado, que as autoridades não iam fazer nada para impedir que um grupo de neonazistas fizesse uma manifestação diante de sua residência. O pecado que tinha cometido o prefeito de Tröglitz foi defender a chegada de 50 refugiados a sua cidade, de 3.000 habitantes. Os dois políticos enfrentam os mesmos inimigos —os ultradireitistas xenófobos— e pelo mesmo motivo: acreditar na Alemanha como um país que acolhe.

Recorde de 10% de estrangeiros

  • Os estrangeiros na Alemanha já representam 10% da população, tendo aumentado em 519.340 pessoas no ano passado. Foi uma elevação de 6,8%, a maior das duas últimas décadas, segundo informou na segunda-feira o Instituto de Estatísticas alemão.

  • Quase 60% dos novos imigrantes procedem de países da União Europeia.

  • O número de romenos cresceu em 88.000, um aumento de 32,9%, e o de búlgaros em 36.000, ou 24,8%.

  • Em 2014, 61.000 sírios chegaram ao país para pedir asilo, num aumento de 107%.

São dois casos extremos, mas não são os únicos. Petra Pau, vice-presidenta do Bundestag (Parlamento) e também deputada do Die Linke, recebeu dezenas de ameaças de morte e enfrentou manifestações diante de sua casa. Alguns prefeitos de cidades pequenas, muito mais desprotegidos que os políticos da Administração central ou dos Estados federados, são alvos de insultos ou pichações ofensivas.

Quando assiste às reuniões distritais, Erxleben tem que sentar-se de frente para os vereadores do partido neonazista NPD, com afinidades com seus agressores. “Conheço há anos os neonazistas que me perseguem. Eles estão tentando me derrubar, mas não vão conseguir”, responde, seguro de si, o vereador do distrito berlinense de Treptow-Köpenick.

A perseguição também se estende a jornalistas de esquerda, como comprovou alguns dias atrás o freelancer Marcus Arndt, apedrejado depois de uma manifestação neonazista em Dortmund. No ano passado 150 abrigos para candidatos a asilo foram alvos de ataques que abrangeram desde pichações até incêndios criminosos e ataques com explosivos. O número de ataques foi três vezes superior ao do ano anterior. “Não é apenas que as ameaças estejam aumentando. Também observamos que os racistas estão ousando expor-se mais do que faziam há anos. Sentem-se mais respaldados”, comentou Fabian Virchow, diretor do Centro de Investigação do Extremismo da Escola Superior de Düsseldorf.

Embora seja minoritário, o recurso à violência ou às ameaças é a expressão de um mal-estar diante da onda de refugiados, sentimento compartilhado por amplos setores da sociedade. Mais de 200.000 pessoas chegaram à Alemanha em 2014 em busca de asilo político, um recorde em duas décadas, e para este ano as autoridades preveem 300.000. Os protestos diante dos novos centros de acolhimento se estendem por todo o país.

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Uma pesquisa recente da Fundação Robert Bosch revela uma sociedade muito dividida com relação ao assunto: dois terços dos cidadãos estariam dispostos a ajudar os asilados, mas uma em cada quatro pessoas consultadas seria contra a criação de um abrigo em seu bairro. “Quando viajo ao meu distrito eleitoral, as duas questões que realmente preocupam as pessoas são o dinheiro que ajudar a Grécia vai nos custar e a chegada maciça de refugiados”, disse alguns dias atrás um deputado democrata-cristão que pediu para se manter anônimo.

“As autoridades distribuem por todo o país os candidatos a asilo, sem consultor as populações locais, que se sentem impotentes e reagem com indignação. Vão surgir mais partidos e movimentos contrários à imigração e aos políticos”, prevê Werner Patzelt, analista político da Universidade Técnica de Dresden. Foi em Dresden que nasceu o movimento xenófobo Pegida, que em seu auge chegou a congregar 25.000 pessoas. Não obstante seus problemas internos, os autodenominados patriotas europeus contra a islamização do Ocidente voltam a reunir simpatizantes habitualmente.

Diante dos receios, o vereador Erxleben se esforça para desmentir os comentários que cercam os migrantes vindos de países distantes. “Não é verdade que eles aumentam a criminalidade. Organizamos jornadas de portas abertas para que os vizinhos os conheçam. Quando veem como eles vivem, reconhecem que nenhum alemão gostaria de estar em seu lugar.”

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