Aventura americana dos Roca
Turnê culinária dos irmãos espanhóis cruzará o Mediterrâneo até a Turquia, e de lá viajarão para Buenos Aires e Santiago
Os irmãos espanhóis Roca prolongarão para 2015 a excursão americana que há seis meses levou seu restaurante ao sul de Denver, Houston, Cidade do México, Bogotá e Lima. Neste ano, a turnê culinária dos Roca atravessará o Mediterrâneo até a Turquia, e de lá tomarão um voo diretamente para Buenos Aires e Santiago. Na terça-feira, o próprio Joan Roca confirmou a viagem, ao final de sua apresentação no Madrid Fusión, o congresso gastronômico recém-encerrado em Madri. “A relação com a América”, me disse, “mudou nossa cozinha; tanto, que neste ano iremos repetir a experiência. Desta vez, iremos à Argentina e ao Chile”.
Até julho do ano passado, ninguém havia se atrevido a tanto: fechar um dos melhores restaurantes do mundo – três estrelas no guia Michelin e número dois na lista mundial da The World's 50 Best Restaurants – e levá-lo ao outro lado do planeta, cozinheiros e garçons incluídos, para reabri-lo em locais fortuitos, que só funcionarão durante quatro noites antes de levá-lo a outra cidade.
Foi uma façanha quase heroica; nunca vista, de todo modo. Fecharam as portas do restaurante durante dois meses, colocaram os funcionários em um avião e protagonizaram uma excursão frenética por cinco cidades diferentes. Em cada uma delas, improvisaram outros restaurantes em casas particulares, museus, hotéis ou no salão de entrada de um banco.
Seis meses depois do final da excursão, Joan e Jordi Roca fizeram o balanço da viagem na Madrid Fusión e explicaram as motivações de sua aventura. “Víamos a excursão como uma forma de romper com tudo, escapar de nossa zona de conforto e recomeçar”, disse Joan. No lugar de crescer, os Roca decidiram viajar. Sempre recusaram a possibilidade de abrir novos negócios em outros lugares do mundo, como fazem muitos cozinheiros consagrados – “poderíamos fazê-lo, levar alguns membros de nossa equipe para longe de casa e fazer funcionar um novo restaurante no máximo durante um ou dois anos, mas depois desse tempo não poderíamos manter o nível” –, mas a viagem era outra coisa: “Quisemos imaginar como poderia ser o Celler de Can Roca em outro lugar e acabamos fechando o restaurante, internacionalizamos nossa proposta durante cinco semanas e voltamos para casa com nossa experiência, mas com uma nova bagagem que nos mudou”. Joan falava enquanto Jordi mostrava alguns pratos nascidos na excursão que acabaram incluídos na carta do Celler de Can Roca.
Aventuras à parte, a realidade é que o esforço viajante do Celler de Can Roca teve consequências. Seguramente existirão outras, mas as mais importantes concretizaram-se na cozinha e traduzem-se em uma carta cada dia mais aberta à mistura. No novo menu aparecem uma curiosa versão do ceviche de vieira, rebatizado como gaspacho, um sorvete de três sabores concebido tendo milho por base (cozido, tostado e cuitlacoche [cogumelo negro comestível encontrado no milho]), um ceviche de lagosta, abacate ao vapor com lascas de toranja... Está claro que sua cozinha tornou-se mais livre, como se tivesse livrado de suas últimas amarras para voar sem limitações; sem perder suas raízes de vista, mas buscando novos horizontes.
A realização de sua última excursão exigiu a criação de cinco menus diferentes a partir dos produtos que definem a identidade de cada país visitado. Foi um exercício que seguramente deixará marcas em sua cozinha. Boa amostra é um pequeno brioche que na versão original era recheado com maionese misturada com trufa de verão, coberta com uma lasca da própria trufa. No Texas, a trufa deu lugar a um molho ‘barbecue’; no México, a um creme com chili; na Colômbia, foram formigas içá; e no Peru, a exultante natureza do ouriço do Pacífico.
Tudo isso consta no Cooking up a tribute, um documentário que conta o processo que permite transformar um dos melhores restaurantes do mundo em uma aventura itinerante. Por enquanto, é um segredo muito bem guardado que não será revelado até 10 de fevereiro, quando será apresentado oficialmente no Festiva de Cinema de Berlim.
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