Aumento de casos de covid-19 paralisa o sistema de saúde da Venezuela

Governo decreta o fechamento de alguns Estados e prepara novos espaços para atender os casos positivos de coronavírus. Hospitais operam no limite da capacidade. País segue passos de Governos europeus e veta o uso da vacina da AstraZeneca

Funcionários do hospital Domingo Luciani participam de uma jornada de administração da vacina russa Sputnik V, em Caracas, no começo de março.Miguel Gutiérrez (EFE)

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A Venezuela enfrenta um acelerado aumento de contágios da covid-19. O país parece destinado a alcançar novamente os níveis mais graves da época da quarentena, registrados em agosto passado. Os hospitais públicos e privados operam no limite das suas capacidades. Para conter a situação, o Governo de Nicolás Maduro decretou um cerco sanitário em Caracas e nos Estados de Miranda, Vargas e Bolívar, além de preparar novamente espaços que permitam atender uma grande quantidade de pacientes, como pavilhão El Poliedro, em Caracas, geralmente usado para shows e exposições.

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Maduro, que já se vacinou, assim como quase todos os funcionários do Governo, declarou novamente situação de emergência na Venezuela e estabeleceu como prioridade “desenvolver novas capacidades hospitalares”.

As cifras oficiais reconhecem 146.000 casos de covid-19 e 1.400 mortos desde o início da pandemia. Mas alguns cálculos médicos não oficiais estimam que a quantidade de contagiados seja cinco vezes maior. O Governo não tem meios suficientes para fazer todos os exames necessários, segundo médicos independentes. A média diária de contágios, segundo o epidemiologista José Félix Oletta, é de 2.500 pessoas. À frente de um sistema público de saúde precário e carcomido pela corrupção, o Governo se apressa em oferecer mais leitos hospitalares.

Segundo especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, o atual aumento de casos é uma consequência inevitável da decisão oficial de decretar a abertura das atividades nas festas natalinas, aproveitando o recuo do vírus verificado naquele período. Em dezembro, pela primeira vez em vários meses, a população pôde se deslocar sem restrições por motivos de lazer ou visitas familiares.

A Venezuela teme a chegada da variante brasileira do vírus, uma mutação mais contagiosa. “Em um mês, essa variante estará em plena atividade transmissora no nosso país, e nossa capacidade de vacinação estará longe de garantir a imunidade de rebanho”, afirma Rafael Orihuela, médico especialista em saúde pública e membro do Instituto de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela. Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia dão conta até o momento de 56 casos dessa variante, quase todos concentrados nos Estados onde foi decretado o cerco epidemiológico.

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“Estamos entrando na segunda onda de contágios. Com toda clareza, a capacidade dos centros assistenciais está a ponto de ser superada, temos muitos pacientes procurando leitos de internação. Queríamos poder atender a todos, mas é impossível”, relata María Eugenia Landaeta, chefa do Departamento de Infectologia do Hospital Universitário de Caracas. “Os concentradores e cilindros de oxigênio, assim como os anticoagulantes, estão esgotados em Caracas neste momento. Os centros de saúde lotaram rápido demais”, acrescenta o médico epidemiologista Oletta, ex-ministro da Saúde.

Após passarem três meses sob quarentena, a partir de julho do ano passado os venezuelanos organizaram sua vida em função do sistema “7 por 7” decretado por Maduro: uma semana com restrições ao comércio e à mobilidade, seguida de outra com atividades normais. A atual explosão de contágios, observa Oletta, guarda relação com o abrandamento geral nas normas nestas últimas semanas. Por exemplo, a maioria dos voos comerciais domésticos continua vetada, mas abriu-se uma exceção no Carnaval para as rotas que levam à turística ilha Margarita.

Maduro anunciou uma fase maciça de vacinações para o mês de abril. Seus ministros declararam que esperam ter 70% da população vacinada até o final de 2021, algo que muitos especialistas veem com ceticismo. O país recebeu até agora 700.000 doses de vacinas russas e chinesas, que estão sendo aplicadas com critérios opacos e com um claro filtro político. Oletta afirma que com elas foi possível cobrir 0,5% da população. A lentidão no processo de vacinação, recorda por sua vez Rafael Orihuela, deixaria o terreno livre para as mutações do vírus.

Caracas veta a AstraZeneca

A possibilidade de frear a epidemia na Venezuela se complicou depois do veto oficial à vacina da AstraZeneca. O país sul-americano seguiu os passos de Governos europeus, como os da Dinamarca, França e Espanha, que suspenderam temporariamente a vacina devido a 11 casos de trombose venosa cerebral entre mais de 17 milhões de pessoas inoculadas. A vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, afirmou que seu país “não dará permissão à vacina da AstraZeneca para ser utilizada em nossa imunização, devido às situações que se apresentaram”.

No começo de fevereiro, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) informou que já tinha reservado para a Venezuela, através do mecanismo Covax, entre 1,4 e 2,4 milhões de doses da vacina desenvolvida por Oxford e pela AstraZeneca. A OPAS tem acesso a outros fabricantes, com os quais poderia entregar as 12 milhões de doses a que a Venezuela teria direito por esse mecanismo.

Para adquirir as vacinas, foi necessário um acordo político entre o Governo de Nicolás Maduro e a equipe do líder opositor Juan Guaidó, que ainda controla os recursos congelados no exterior com os quais a Venezuela poderia pagar os produtos. Uma quantia total de 18 milhões de dólares permitiria assegurar a chegada de mais vacinas, provavelmente em maio. Há três semanas, houve um consenso para a criação de uma Mesa Técnica encarregada de traçar o plano de vacinação sob controle do Unicef (órgão da ONU para a infância) e OPAS. Os professores foram vacinados na semana passada. A Venezuela precisaria de 40 milhões de doses para alcançar a imunidade de 70% da sua população.

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