Moro chegou e embaralhou o jogo, mas Lula continua sendo Lula

O ex-juiz, na justiça ou na política, será sempre o Moro enigmático, frio e perigoso que não gosta de perder

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, durante cerimônia de filiação ao Podemos, na quarta.EVARISTO SA (AFP)

Imagine a seguinte cena: ao redor de uma mesa, 12 pessoas jogam cartas. Cada um faz seus cálculos para ganhar. De repente, entra um novo personagem que também quer jogar e desordena as cartas dos outros jogadores, que já tinham calculado suas apostas. E se cria uma confusão. Foi isso que ocorreu no complexo jogo da eleição presidencial brasileira com a entrada repentina do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro.

Aqueles que já tinham anunciado seu desejo...

Imagine a seguinte cena: ao redor de uma mesa, 12 pessoas jogam cartas. Cada um faz seus cálculos para ganhar. De repente, entra um novo personagem que também quer jogar e desordena as cartas dos outros jogadores, que já tinham calculado suas apostas. E se cria uma confusão. Foi isso que ocorreu no complexo jogo da eleição presidencial brasileira com a entrada repentina do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro.

Aqueles que já tinham anunciado seu desejo de participar da disputa eleitoral, com suas cartas na mão, faziam planos e cálculos para tentar ganhar o jogo. Está claro quem eram: o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma clara polarização de dois mitos opostos, e outros 10 jogadores chamados de terceira via ou alternativa à forte polarização entre os dois mitos populistas.

De repente, entra em cena o fantasma do controvertido jex-uiz Moro, que remove todas as apostas já na mesa e cria uma confusão, pois, de algum modo, embaralha o jogo em andamento. Agora que Moro declarou que também quer jogar e disputar o trono político, a pergunta evidente que tantos se fazem é: que efeitos concretos a chegada do novo jogador pode ter? Ajudará o mito Bolsonaro, de cujo Governo já fez parte como ministro da Justiça? Ou o carismático Lula, a quem havia derrotado em uma batalha judicial, arrastando-o para a prisão, e de quem acabou perdendo depois em uma complexa jogada no Supremo?

Ou será que a entrada de Moro na partida ajudará o time da terceira via, que tenta quebrar a polarização entre os dois favoritos indiscutíveis até agora segundo todas as pesquisas? No momento, se for confirmada a candidatura de Moro à presidência, a única certeza é que em vez de reforçar a terceira via, o que ele fez foi confundir ainda mais as cartas do jogo de todos, embora talvez em menor medida as de seu inimigo judicial, Lula.

Moro poderá arrancar votos de Bolsonaro, do qual era amigo e ministro e passou a ser adversário político. Agora, aqueles que estão desiludidos com o capitão reformado por sua incapacidade de governar e por seus extremismos e sonhos golpistas, os eleitores da direita liberal, das classes mais altas e do mundo das finanças que nunca votariam na esquerda poderiam encontrar no ex-juiz e em seu credo direitista liberal, mas sem as estridências do bolsonarismo, uma aposta confiável. A dúvida é como as pessoas simples, que precisam comer, vão ver o ex-juiz Moro. Vão se identificar com seu discurso? Vão se ver refletidas nele?

Paradoxalmente, quem pode sair ganhando com o terremoto de Moro é justamente Lula. Entre seus seguidores, que hoje aparecem como os mais numerosos e capazes de garantir sua vitória já no primeiro turno contra Bolsonaro, nenhum dará nem meio voto ao ex-juiz que esmagou o líder esquerdista com seus processos contra ele.

Atualmente, é mais fácil que os eleitores de direita que se sentem arrependidos de ter votado no capitão queiram apostar no conservador Moro, considerando-o menos perigoso e mais preparado intelectualmente do que o hoje extravagante e incapaz de governar Bolsonaro. E isso ajuda indiretamente ajuda Lula ao enfraquecer seu maior adversário.

Mas é precisamente para a terceira via que a chegada de Moro cria maiores dores de cabeça. Para essa dezena de candidatos que não conseguem encontrar um líder entre eles, a chegada de Moro, em vez de fortalecer essa via, acaba pulverizando-a ainda mais e, por estranho que pareça, a entrada do novo sócio vai lhes trazer mais confusão do que coesão.

Quem conhece de perto Moro e suas ambições exorbitantes sabe muito bem que, se entrou no jogo e o colocou de ponta cabeça, não foi para perder, e sim para se apoderar do baralho e tentar ganhar a partida. Ele dificilmente aceitará ser vice de algum dos candidatos da terceira via. Tentará derrotá-los. Por isso, agora, depois de seu primeiro discurso de filiação ao Podemos, os outros candidatos, cuja maioria não compareceu ao evento, observarão atentamente os próximos passos do intruso que chegou à arena de jogo não como mais um, mas com a intenção, disfarçada de humildade, de apostar na vitória.

Se forem confirmadas as candidaturas presidenciais de Lula e Moro, não há dúvida de que uma grande atração serão os debates no rádio e na televisão em que os dois deverão se enfrentar. Bolsonaro não conta, pois procurará uma desculpa para evitar esses debates, como ocorreu na campanha eleitoral que o levou à presidência, quando o ainda misterioso atentado contra ele o liberou desses enfrentamentos.

Lula e Moro juntos debatendo em público será algo repleto de simbolismo. Desta vez não serão o juiz e o acusado frente a frente, como ocorreu nos processos da Lava Jato. Serão dois candidatos tentando conquistar o Governo da nação. Moro já chega derrotado diante de seu condenado, que conseguiu ressurgir das cinzas de suas sentenças.

É uma história conhecida por todos o duelo judicial entre o ex-presidente Lula e Moro, no qual o ex-sindicalista acabou derrotando o juiz implacável que o levara à prisão.

Moro é de um estilo mais nórdico, Lula é mais tropical. O ex-juiz é gelo, o ex-presidente é todo fogo.

Lula é considerado um dos políticos com maior carisma e capacidade de discurso. Pode improvisar durante horas sem ler. Possui uma dramaturgia natural que o faz crescer com a polêmica. Moro, como ele mesmo confessou em seu discurso, não tem voz, a oratória é difícil para ele, é mais acadêmico do que político. Custa-lhe improvisar.

Moro se parece, em seu caráter e sua forma de se dirigir ao público, a um europeu nórdico dando aula a seus alunos. Não é homem de arroubos emocionais. Lula não se importa de falar chorando. Fala para o coração, mais do que para o cérebro. Moro, pelo contrário, sente-se mais confortável na figura do professor em uma aula na universidade. São água e vinho.

Moro, na justiça ou na política, será sempre o Moro enigmático, frio e perigoso que não gosta de perder. Lula continuará sendo Lula, a Fênix que acaba sempre ressurgindo das cinzas de suas desventuras.

O jogo está aberto. Faça suas apostas.

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