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Eleições Brasil 2022
Coluna
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Bolsonaro tem motivos para estar em pânico com a possível candidatura de Moro

O ex-juiz está politicamente mais próximo do bolsonarismo e de uma política neoliberal, além de ser duro em questões de segurança. Poderia arrancar votos dos desiludidos com o capitão, sobretudo os do mundo das finanças e das classes mais altas

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.Servicio Ilustrado (Automático) (Europa Press)
Juan Arias

Sergio Moro voltou dos Estados Unidos decidido a entrar na política e certamente como candidato à presidência da República. O fato criou certa incerteza entre as forças políticas. A primeira coisa que se deveria perguntar sobre a decisão do controvertido ex-juiz da Lava Jato é quem teria mais medo de sua candidatura entre os dois grandes favoritos das próximas eleições, Lula ou Bolsonaro. E isso porque a chamada terceira via, um candidato que possa se opor com força aos dois favoritos, ainda está pulverizada com quase uma dúzia de nomes, por enquanto com pouca força nas pesquisas.

Essa terceira via hoje está pulverizada e tudo faz crer que dificilmente encontrará um candidato de consenso que possa competir com os dois mitos já consolidados. De qualquer forma, a candidatura de Moro chega para desorganizar as eleições. A prova é que ainda não disse a última palavra e todos os outros candidatos já estão alarmados.

Quem, porém, mais deveria temer a chegada de Moro, o terrível, não é certamente Lula e a esquerda, já que seus seguidores jamais votariam em quem levou Lula à prisão. O grande perdedor, aquele que pode estar em pânico, é justamente Bolsonaro, já que o ex-juiz está politicamente mais próximo do bolsonarismo e de uma política neoliberal e é duro em questões de segurança. Não foi um acaso que quem o levou até Bolsonaro, recomendando-o como ministro da Justiça, foi o hoje enfraquecido ministro da Economia, o ultraliberal da escola de Chicago Paulo Guedes.

Moro hoje poderia arrancar votos dos desiludidos com o capitão, principalmente os do mundo das finanças e das classes mais altas que votaram nele e hoje se sentem decepcionados com as excentricidades do mito bolsonarista, que revelou sua incapacidade de governar, seu desequilíbrio psíquico. O Brasil está semeando uma imagem desastrosa no mundo e tornando-se motivo de chacota de seus mandatários, como acabamos de ver no disparate acontecido na Itália, onde até para entrar no santuário de Santo Antônio de Pádua Bolsonaro teve de fazê-lo por uma porta traseira, assediado por aqueles que protestavam contra ele.

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Bolsonaro e seus assessores sabem que a chegada de Moro à disputa eleitoral poderá tirar votos do bolsonarismo menos radical, que atualmente está descontente com seu líder, mas que nunca votaria na esquerda. Entre eles, como aponta a imprensa, estariam muitos militares desiludidos com o radicalismo golpista de Bolsonaro e os policiais aos quais não desagrada a doutrina radical de Moro de combate à violência.

Talvez por isso, desde que se deu como certa a chegada de Moro à política, Bolsonaro começou a falar na possibilidade de não se candidatar à reeleição. Acaba de anunciar que só em março decidirá se disputa ou não as eleições. E talvez seja por isso que seus fiéis seguidores do Congresso tiraram a poeira do velho projeto de conceder a condição de senador vitalício a ex-presidentes da República. Desta forma, se renunciasse à reeleição ou a perdesse, Bolsonaro ficaria, como senador vitalício, blindado para sempre pelo foro privilegiado contra as graves acusações da CPI da covid-19 que poderiam acarretar-lhe muitos anos de prisão.

Se parece claro que não é Lula quem deve temer a candidatura de Moro, que roubaria votos do bolsonarismo, caberia perguntar quais efeitos a chegada de Moro poderia produzir na chamada terceira via, entre aqueles que não querem nem o capitão nem Lula. Entre eles está o famoso centrão do Congresso, que teme Moro por suas lembranças do açoite implacável e discutível da corrupção. O centrão já está tentando desmantelar com novas leis a doutrina da Lava Jato, que pela primeira vez levou políticos à cadeia.

Por todas essas razões se deveria perguntar onde Moro, além dos desiludidos com o bolsonarismo, em quem muitos votaram para encurralar a esquerda, pode encontrar votos. Sobre o que não há dúvida é que a entrada de Moro na política ativa e partidária poderá servir principalmente para turvar ainda mais as águas já agitadas pelo bolsonarismo, que empobreceu o país econômica e moralmente e sujou ainda mais, se é que isso é possível, a já desprestigiada política perante a opinião pública.

O triste é que, aparentemente, o Brasil não é capaz de prescindir de um mito para ser governado democraticamente, condição da qual hoje gozam justamente os países chamados “normais”, que lidam mais facilmente com as crises mundiais. Se um dia se disse que o Brasil era o país do futuro, hoje bastaria, para sair do obscurantismo em que o afundou a extrema direita radical e golpista, além de grotesca, ser um país simplesmente normal e do presente onde todos tenham o suficiente para viver com dignidade e liberdade, sem fome ou absurdas ameaças ditatoriais que assustam até a opinião pública mundial.

As próximas eleições poderão resolver muitas das incógnitas que hoje pesam sobre o presente e o futuro deste país, cada vez mais acuado pelo obscurantismo e pelas incógnitas sobre o seu futuro. Incógnitas criadas por seu líder, que hoje virou motivo de chacota dos mandatários mais importantes do mundo, dos quais o Brasil não pode prescindir e muito menos menosprezar.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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