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Editorial
Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Proteger os civis afegãos

A comunidade internacional não pode abandonar as vítimas dos talibãs

Uma família deslocada de sua casa pelo avanço das forças do Taleban em 12 de agosto em Cabul, a capital afegã.
Uma família deslocada de sua casa pelo avanço das forças do Taleban em 12 de agosto em Cabul, a capital afegã.Paula Bronstein (GETTY)
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Chaman (Pakistan), 09/08/2021.- Pakistani security officials stand guard as people stranded at the Pakistani-Afghan border wait for its reopening after it was closed by the Taliban who have taken over the control of the Afghan side of the border at Chaman, Pakistan, 09 August 2021. Taliban'Äôs shadow governor for Kandahar province on 05 August issued a statement that announced the closing down of the border with Pakistan at Chaman, and said Islamabad should relax rules for crossing the frontier. (Abierto, Afganistán) EFE/EPA/AKHTER GULFAM
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Os avanços dos talibãs na última semana intrigaram até os observadores mais pessimistas da situação no Afeganistão. A milícia islâmica conquistou quase todas as cidades importantes do país em poucos dias e na sexta-feira chegou a Mazar-i-Sharif, uma das três que permaneceram nas mãos do Governo —as outras duas são Jalalabad e Cabul, também já cercadas. Vinte anos de intervenção internacional desapareceram em tempo recorde e até que ponto o Estado afegão era uma ficção foi revelado. O país está nas mãos de senhores da guerra dispostos a fazer um pacto com os talibãs, que se revelam a única força política e militar com implantação em todo o território.

A retirada total dos Estados Unidos estava programada para 31 de agosto, mas o Talibã não esperou que o presidente Joe Biden cumprisse sua promessa de remover até o último soldado para avançar em todas as frentes, inclusive em áreas do norte do país que não conseguiram conquistar quando chegaram ao poder entre 1996 e 2001. As forças de segurança afegãs somam teoricamente 300.000 e os Estados Unidos investiram 83 bilhões de dólares em seu treinamento e equipamento —embora seja impossível saber qual porcentagem desse montante desapareceu em meio à corrupção desenfreada. No entanto, algumas províncias caíram sem lutar e em outros casos unidades inteiras se renderam por falta de suprimentos. Privados até mesmo de comida e água, eles entregaram suas posição e armas em troca de salvar as vidas.

Além dos danos inevitáveis à imagem dos Estados Unidos como potência militar e diplomática, esse desastre tem claras vítimas: civis que voltam a viver sob um regime de terror em que prevalecem os castigos corporais e as execuções públicas. Isso é especialmente verdadeiro para os afegãos, que correm o risco de perder o que ganharam ao longo dos anos. Para o Talibã, as mulheres não têm absolutamente nenhum direito. Não é que sejam obrigadas a viver trancadas em uma burca, mas sim que não podem sair de casa sem correr o risco de apanharem, a menos que estejam acompanhados por um homem. O acesso à educação ou a cuidados de saúde mínimos está de fato proibido. Sua situação no Afeganistão permaneceu muito precária, especialmente nas áreas rurais, embora tenha havido um progresso significativo: em 2001, havia 900.000 crianças na escola, todos meninos; em 2020, eram 9,5 milhões, 39% delas meninas.

A comunidade internacional provou ser incapaz de defender os civis no terreno. Embora Biden tenha anunciado o envio de 3.000 soldados a Cabul para proteger seus diplomatas, está claro que os afegãos foram deixados por conta própria. Os países que participaram da missão militar no Afeganistão, incluindo a Espanha, anunciaram operações para retirar do país os tradutores e funcionários que trabalhavam em seu serviço. Dada a velocidade com que os acontecimentos se desenrolam, em muitos casos, infelizmente, será tarde demais.

A ofensiva desencadeou uma onda de refugiados e deslocados: desde maio, 250.000 pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Para além da pressão diplomática através do Paquistão e da Arábia Saudita, os dois principais apoios da milícia, para que se distribuam ajudas de emergência e tentando dar um impulso às conversações de paz totalmente superadas pela situação no terreno, a comunidade internacional tem o dever de acolher aqueles que fogem da guerra e do terror do Talibã. O Canadá já se dispôs a conceder o status de refugiado a 20.000 afegãos, especialmente mulheres ou membros da comunidade LGTBI. Estes últimos enfrentarão a morte certa se forem descobertos. A UE e os EUA não podem ignorar uma catástrofe pela qual têm uma responsabilidade clara. A intervenção militar foi um fracasso. Ainda há tempo para que a resposta humanitária não seja.

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