Uma São Paulo mais humana com a força feminina a seu favor
É possível criar um Núcleo de Atendimento à Mulher vítima da violência com estrutura já existente e dar suporte emocional e ao empreendedorismo para que elas tenham controle sobre suas vidas
Eu quero uma São Paulo mais humana com as mulheres e que use a força feminina a seu favor. Na maior cidade do Brasil nós temos 39% dos lares sustentados por mulheres. Elas são guerreiras e levam suas famílias e, consequentemente, uma parte da cidade nas costas. Como negar a força indiscutível das mulheres empreendedoras? Mesmo com tanto trabalho (jornada dupla ou tripla, vale dizer), os lares sustentados por mulheres sozinhas ainda têm uma renda 27% menor do que os mantidos por homens. Estes números mostram claramente a capacidade produtiva das mulheres, embora nem sempre seja reconhecida pela sociedade como um todo e, pior, pelas próprias mulheres! De cada quatro mulheres agredidas, uma não denuncia o agressor por ser financeiramente dependente dele. Falta a essas mulheres descobrir o próprio poder!
Eu costumo citar uma frase da escritora liberal inglesa Mary Wollstonecraft: “Eu não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens, mas sobre si mesmas”. Já evoluímos muito no combate à violência contra a mulher, mas ainda temos muito trabalho pela frente. E como resolver essa questão? Um problema tão complexo não poderia ter uma solução simples. Minha proposta é multidisciplinar: envolve dar suporte emocional, direcionamento para sustento financeiro e apoio em casos extremos.
Nós temos nove Delegacias da Mulher em São Paulo e 15 Centros de Defesa da Mulher, ou seja, um bom número comparado com o resto do Brasil, mas ainda pequeno para uma cidade de 12 milhões de habitantes. Em compensação, temos 416 UBSs (Unidade Básica de Saúde) que atendem a toda a população de São Paulo, mesmo nas áreas mais periféricas. Minha proposta é criar um Núcleo de Atendimento à Mulher (NAM) em cada uma dessas UBSs. Este Núcleo terá três profissionais: psicólogo(a), assistente social e advogado(a). A UBS já atende a mulher em suas questões referentes à saúde física. O Núcleo atenderá a mulher em suas questões emocionais e orientação jurídica.
A violência contra a mulher geralmente envolve dois grandes problemas: dependência emocional e financeira do agressor. Com o NAM, iremos tratar essa dependência emocional que, não por acaso, é a mesma palavra usada para vício em drogas —dependência química. O objetivo é triar as pacientes e montar grupos de terapia para que as mulheres possam compartilhar suas histórias e se ajudarem mutuamente. Quando estão dentro do núcleo de violência, muitas passam a acreditar que aquela situação é normal ou só acontece com elas. Existe ainda um grande número de mulheres que não sabem que a situação que vivem é de violência —até por acreditarem que a única violência possível é física. O assunto só começou a ser de fato divulgado com a Lei Maria da Penha que entrou em vigor em 2006, ou seja, muito recente. De 2006 para 2020, já entendemos que bater em mulher é proibido e condenável, mas e os outros tipos de violência? A violência psicológica não tem qualquer tipo de comprovação ou condenação, embora já tenhamos estudos que mostram: a violência psicológica pode levar as mulheres até ao suicídio.
O NAM, além de formar uma rede de apoio emocional, pode orientar as mulheres como proceder em casos mais graves. A advogada(o), em conjunto com a assistente social, pode orientar a mulher sobre como: denunciar, coletar provas contra o agressor, sair casa, receber ajuda, caso ela precise entrar em um programa de Proteção à Testemunha e assim por diante com todas as dúvidas a respeito dessa questão.
A UBS é um lugar familiar, já a delegacia, por melhor que seja o atendimento e por mais campanhas de conscientização que tenham sido feitas, ainda é um lugar de medo para a mulher. É uma decisão difícil ir até a delegacia, embora seja inevitável em alguns casos. O NAM visa entrar numa etapa anterior à Delegacia. O Estado não pode obrigar uma mulher a sair de sua própria casa mesmo que ela sofra violência se isso for contra a sua própria vontade. A liberdade do indivíduo é soberana e SEMPRE deve ser. Dessa forma, uma parte dos casos, inevitavelmente, fica impossível de solucionar na delegacia. O que proponho é dar apoio, suporte emocional para que a própria mulher escolha e consiga sair da situação em que está.
O NAM também visa trabalhar em cooperação com iniciativas de capacitação que incentivem o empreendedorismo, afinal não há liberdade sem dinheiro! Essas mulheres precisam ter poder sobre as próprias vidas para não se submeterem a situações humilhantes e cruéis. Para todas as outras, temos a lei como amparo vital.
Colocar o projeto em funcionamento é rápido se houver vontade política para isso. O NAM usará estrutura existente, não necessita de reformas, custa pouco para a prefeitura e as Parceiras Público Privadas com Universidades para oferecer estágio poderão diminuir ainda mais o custo do projeto. É possível ter alto impacto com baixo custo. Já parou pra pensar o número de mulheres que seriam impactadas por esse projeto e as consequências disso? A violência contra à mulher tem alto custo para o Estado não somente em termos de saúde. Ela impacta diretamente a economia da cidade (lembra de 39% dos lares são sustentados por mulheres?) e a educação —afinal, as crianças que crescem em lares violentos tem maior tendência a serem adultos violentos (tanto meninos quanto meninas). Temos a oportunidade de salvar a vida de milhares de mulheres e crianças que sofrem com um problema que podemos tratar.
É hora de fazer acontecer! A cidade que eu amo e que me acolheu com tanto carinho merece ter o melhor projeto que sirva de exemplo para outras iniciativas ao redor do mundo. São Paulo historicamente é pioneira no Brasil e na América Latina em inovação, legislação e políticas públicas —nas políticas de defesa e apoio à mulher não será diferente. Juntos, tornaremos esse projeto uma realidade!
Laís Taliberti é formada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero, empresária e ativista dos movimentos em prol do empreendedorismo e dos direitos da mulher. É candidata a vereadora pelo Patriota