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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica: por que e para quem?

Governo aponta para a criação de um novo programa de transferência de renda, que de novo parece só ter o nome. Precisamos fazer frente às desigualdades que muito antes da pandemia já existiam

Multidão caminha pelas ruas de São Paulo no dia 26 de junho deste ano.
Multidão caminha pelas ruas de São Paulo no dia 26 de junho deste ano.Sebastiao Moreira (EFE)
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No último dia 21 de julho, o Congresso Nacional deu um passo histórico ao lançar a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, com representantes de 23 dos 24 partidos políticos e 217 parlamentares. Conseguimos passar por cima de divergências partidárias e ideológicas e concordar que nós, deputados e senadores, precisamos discutir uma demanda social que hoje se apresenta de forma intensa: a possibilidade de implementar, no Brasil, uma renda básica

Nós temos a clareza dos desafios envolvidos neste debate, desde questões distributivas e orçamentários às operacionais. Por definição, a renda básica é paga em igual valor a toda cidadã e cidadão, independentemente de sua renda, gênero, idade ou qualquer outra característica. No entanto, somos um dos países mais desiguais do mundo, com níveis de pobreza expressivos. Neste cenário, vale dar o mesmo ao rico e ao pobre? Ou é melhor direcionar os gastos do Estado somente às parcelas mais vulneráveis de nossa população? E como financiar uma renda básica num momento em que a relação dívida PIB está em mais de 80%? Estas são reflexões complexas, mas urgentes. Temos muitas formas de desenhar o caminho de uma Renda Básica, mas precisamos ter coragem para conduzir esse debate de forma objetiva, contemplando objetivos de curto e médio prazos.

No curto prazo, temos mais de 70 milhões de pessoas prestes a entrar na pobreza com o fim do Auxílio Emergencial. Elas não fazem parte do Bolsa Família, estão vulneráveis à pobreza e não terão como se reerguer de imediato sem o apoio do Estado. Neste cenário, o Governo aponta para a criação de um novo programa de transferência de renda, que de novo parece só ter o nome. Na prática, é basicamente um Bolsa Família ampliado —que aliás já tinha sido proposto no Congresso Nacional em 2019 no âmbito da Agenda Social.

O Bolsa Família paga um valor médio de 188 reais a 14 milhões de famílias com renda per capita de até 178 reais por mês. O Programa articula as redes de assistência social, educação e saúde, por meio do Cadastro Único —base de informações que identifica todas as pessoas com renda mensal de até ½ salário mínimo por pessoa. Contudo, tanto a definição de linha de pobreza quanto os valores dos benefícios do programa estão defasados e ficam abaixo até mesmo da linha de miséria de 1,90 dólar por dia, usada em comparações internacionais. Para que tenhamos todos a clareza da perda do valor real do Bolsa Família, caso ele fosse reajustado de acordo com a inflação, o benefício médio seria de cerca de 260 reais, sua linha de pobreza, de 250 reais e seu público, de quase 17 milhões de famílias, conforme aponta estudo do IPEA.

É compreensível que um Governo deseje lançar seu próprio programa social. Mas um programa que pague um benefício médio equivalente ao Bolsa Família reajustado é somente isso: um reajuste do Bolsa Família. E é assim que devemos tratá-lo, para evitar que estratégias de marketing político se sobreponham às necessidades da população.

Precisamos discutir com urgência qual tipo de ampliação do Bolsa Família e qual a forma adequada para complementá-lo, de maneira a evitar que as 122 milhões de pessoas que hoje vivem em lares atendidos pelo Auxílio Emergencial entrem para a pobreza no pós-pandemia.

Mas também não vamos nos esquecer dos objetivos de médio prazo: discutir as possibilidades de ampliação de níveis de renda e inserção econômica de todos os brasileiros. Precisamos fazer frente à pobreza e às desigualdades que muito antes da pandemia já existiam e, ainda, àquelas que vão se impor muito em breve, como a automação crescente de processos de trabalho. Aqui, a prospecção importa, e muito, para que não sejamos pegos de surpresa pela própria realidade num futuro próximo.

Para cumprir nossos objetivos, contamos com um Conselho Consultivo, formado por especialistas de um amplo espectro ideológico e representantes da sociedade civil organizada, como a Central Única de Favelas e a Rede Brasileira da Renda Básica. Faremos um debate ainda mais amplo, trazendo também ao Congresso pessoas que nos apoiem na reflexão sobre os ganhos e limitações da implantação de uma renda básica no Brasil. Temos sim que ouvir economistas que nos esclareçam sobre financiamento e impactos, mas esta escuta deve ser bem mais abrangente e considerar, entre outros, os profissionais que coordenam e operam o Sistema Único de Assistência Social, rede que faz o contato direto com a população mais vulnerável de nosso País. Afinal, é para que todas as pessoas conquistem patamares básicos e inegociáveis de cidadania que dedicaremos o trabalho desta Frente Parlamentar.

Frente Parlamentar Mista da Renda Básica: João H. Campos (PSB-PE). Tabata Amaral (PDT-SP). Alessandro Vieira (PSB-SE). Professor Israel Batista (PV-DF). Flávia Arruda (PL-DF). Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ). SImone Tebet (MDB-MS). Felipe Rigoni (PSB-ES). Paulo Teixeira (PT-SP). Jaques Wagner (PT-BA). Humberto Costa (PT-PE). Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Tasso Jereissati (PSDB-CE). Marcelo Aro (PP-MG).

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