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O Brasil não pode abandonar povos indígenas durante a pandemia

Mesmo quando a pandemia freia a economia, o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas na Amazônia permanecem a todo vapor

Comunidade Yanomami na fronteira do Brasil com a Venezuela.
Comunidade Yanomami na fronteira do Brasil com a Venezuela.Carlos Garcia Rawlins (Reuters)

Milhares de indígenas, representando povos da Amazônia e outras regiões do Brasil, se reuniriam nesta segunda, 27, em Brasília para o tradicional Acampamento Terra Livre em defesa de seus direitos. Contudo, decidiram permanecer em suas aldeias para se proteger da covid-19. Mas sua mensagem às autoridades, agora transmitida virtualmente, é mais urgente do que nunca. Mesmo quando a pandemia freia a economia, o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas na Amazônia permanecem a todo vapor. O garimpo de ouro ao longo do rio Tapajós desacelerou por um tempo com as notícias sobre o coronavírus, mas agora está de volta. Barcos sobem e descem o rio com abastecimento para garimpos ao longo de suas margens, um residente contou à Human Rights Watch. E mais próximo à fronteira com a Venezuela, garimpeiros que invadiram o território Yanomami avançam suas escavações.

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Invasões de terras estimulam o desmatamento na Amazônia. O enfraquecimento da fiscalização permite o avanço de redes criminosas e outros indivíduos buscando ilegalmente madeira, minerais e outras riquezas. Territórios indígenas estão cada vez mais vulneráveis. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) registrou 160 casos de invasões para se apropriar da terra, exploração ilegal de recursos naturais e outros danos em terras indígenas no Brasil de janeiro a setembro de 2019 — e mais outros tantos podem estar subnotificados. O desmatamento em áreas indígenas na Amazônia subiu 65 por cento entre agosto de 2018 e julho de 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

As invasões se intensificaram desde que o presidente Bolsonaro assumiu o poder, segundo membros do Ministério Público Federal e moradores de comunidades locais que conversaram com a Human Rights Watch. A retórica agressiva do presidente contra defensores da floresta tem dado carta branca a invasores. E o desmonte do IBAMA e da FUNAI — agências encarregadas de proteger o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas, respectivamente— impossibilita uma atuação com a rapidez ou a frequência necessárias para impedir o avanço sobre áreas públicas e indígenas.

Assim, algumas comunidades indígenas patrulham e protegem seu território por conta própria, mas ao fazê-lo, enfrentam invasores que ameaçam, agridem ou mesmo matam quem estiver no caminho. Paulo Paulino Guajajara, um guardião da floresta na terra indígena Araribóia, foi morto a tiro em novembro por invasores. Neste mês, o indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, parte do grupo de vigilância contra a exploração ilegal de madeira na sua terra indígena, foi assassinado em Rondônia.

A violência contra indígenas faz parte de um contexto maior no qual defensores da floresta acabam pagando um preço muito alto ao lutarem uma batalha cada vez mais difícil. O desmatamento na Amazônia aumentou quase 30 por cento de agosto de 2018 a julho de 2019, e alertas em tempo real indicam que a destruição da floresta nos três primeiros meses de 2020 pode ter crescido mais de 50 por cento comparado ao período no ano anterior.

Cientistas alertam que desmatamento, queimadas e mudança climática podem levar a Amazônia a um "ponto de inflexão", no qual a floresta tropical deixará de produzir chuva suficiente para sobreviver, liberando grandes quantidades de carbono na atmosfera.

Com a pandemia, algumas autoridades podem argumentar que agora não é o momento de intensificar os esforços para proteger os territórios indígenas. Mas o Brasil pode proteger a saúde pública enquanto aplica suas leis, e isso não é algo que possa adiar. Com as consequências devastadoras que a destruição da floresta terá para todo o país — e o mundo — é tão injusto quanto negligente deixar povos indígenas e outras comunidades sozinhos nesta luta.

Maria Laura Canineu é diretora da Human Rights Watch no Brasil

Andrea Carvalho é pesquisadora da Human Rights Watch

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