Ex-presidente argentino Mauricio Macri vira réu por suposta espionagem ilegal
Um juiz o considera responsável por monitorar os parentes das vítimas do ARA San Juan, o submarino afundado em 2017 com 44 tripulantes a bordo
O ex-presidente argentino Mauricio Macri se tornou réu nesta quarta-feira em uma investigação por suposta espionagem ilegal orquestrada pelo Estado. O juiz Martín Brava considerou, em uma decisnao de 170 páginas, que possui elementos suficientes para considerar Macri culpado de ter ordenado o acompanhamento das famílias dos 44 marinheiros mortos em 15 de novembro de 2017 no naufrágio do submarino ARA San Juan, acidente que na época produziu grande convulsão política na Argentina. O juiz também sancionou Macri em 100 milhões de pesos (cerca de 950.000 dólares no câmbio oficial, ou 5,4 milhões de reais) e o proibiu de deixar o país. Este é o primeiro processo judicial contra Macri desde que deixou o poder, em dezembro de 2019. E o encontra fora do país, no Chile, onde viajou para visitar o presidente e amigo Sebastián Piñera e dar seu apoio ao candidato da extrema direita por La Moneda, José Antonio Kast.
O indiciamento é a etapa anterior ao julgamento. Macri, no entanto, pode solicitar novas evidências e atrasar a instância final por meses. O impacto foi imediato. O ex-presidente sempre se considerou vítima de perseguições políticas. Foi o que disse ao juiz há um mês, quando apresentou um documento em que considerava a sentença decidida. Macri considerou o juiz “incompetente e tendencioso” e o acusou de apressar seu interrogatório para processá-lo antes de 14 de novembro, quando a Argentina estava realizando eleições legislativas de meio de mandato cruciais. “Você me forçou a depor em um inquérito no meio do processo eleitoral para fins repreensivelmente políticos”, disse Macri ao juiz federal Martín Bava. A data prevista pelo ex-presidente não foi cumprida, mas a declaração de Macri fez parte da campanha eleitoral da oposição, que acabou vencendo essas eleições. O magistrado emitiu agora uma decisão de dureza pouco habitual.
“As práticas ilegais que são veiculadas nesta resolução nos levam de volta aos tempos mais sombrios do nosso país”, disse o magistrado, referindo-se à ditadura. Ele acusa Macri e a Agência Federal de Inteligência (AFI) de “restaurar institucionalmente uma série de práticas ilegais que se acreditava terem sido erradicadas, muito semelhantes às da época”. Para o juiz, está comprovada a participação do ex-presidente em “tarefas de espionagem proibidas por lei” para “obter dados pessoais e informações de parentes e pessoas próximas dos tripulantes do submarino ARA San Juan”. “Em que ponto essa comunidade de homens e mulheres, socialmente reconhecida como o ideal da abnegação, se tornou uma disfunção do sistema, uma ameaça à ordem social?”, questiona Bava em sua decisão.
Em novembro de 2017, mesmo quando ainda havia esperança de encontrar os marinheiros vivos, agentes da inteligência se infiltraram em manifestações organizadas para exigir esclarecimentos sobre o acidente. Misturados entre as pessoas, tiraram fotos e fizeram arquivos das esposas, pais, irmãos e filhos dos mortos. E relataram suas descobertas à segurança presidencial. Certa ocasião, conforme consta do expediente, encaminharam à Casa Rosada o conteúdo das demandas que os familiares fariam a Macri em reunião agendada. Os arquivos de espionagem vieram à tona em 2020, após a intervenção da AFI ordenada pelo recém-empossado Alberto Fernández.
Macri não negou as ações de inteligência, que ficaram registradas em dezenas de documentos, mas disse que não foram realizadas por ordem dele. O ex-presidente os atribuiu a uma prática comum dos serviços de inteligência, que deve garantir a segurança do presidente. A espionagem fazia parte, disse, do que é conhecido como “posto avançado presidencial”, o trabalho que é feito antes da visita do chefe de Estado a um determinado local. Os encontros de Macri com os familiares dos marinheiros aconteceram dentro da base naval de Mar del Plata, área de acesso restrito, que foi o destino final do submarino após sua saída de Ushuaia, no extremo sul da Argentina. Em um ano as equipes de resgate localizaram o casco do ARA San Juan, que ainda está no fundo do mar, a 500 quilômetros da costa patagônica e a mais de 900 metros de profundidade.
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