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O futuro que Xi Jinping vislumbra para a China

Líder se coloca em ação para se eternizar no poder e transformar país em uma “nação socialista moderna” em 2035 e potência “forte e próspera” em 2049

Xi Jinping en China
O presidente chinês Xi Jinping visto em uma tela durante um discurso em vídeo em 4 de novembro.STAFF (Reuters)
Macarena Vidal Liy

Mais pressão sobre as grandes fortunas e novas regulamentações contra monopólios e oligopólios. Mais impostos, que muito provavelmente incluirão uma taxa sobre a propriedade. Novas oportunidades para todos na educação. Desenvolvimento da inovação, que será uma das grandes ferramentas no combate à degradação ambiental. Um marco regulatório para o uso e o controle de dados. Uma relação comercial com o exterior em que a China forneça tecnologia de ponta para os demais países e o gigante asiático esteja protegido do impacto dos altos e baixos geopolíticos ou de problemas nas cadeias de abastecimento.

Se tudo isso soa como programa eleitoral é porque, de certa forma, o é. Todas essas medidas já foram postas em prática no último ano e meio, estão em amadurecimento ou foram vistas nas declarações de Xi Jinping. Fazem parte da ambiciosa plataforma de medidas e reformas com que o presidente chinês, que se prepara para renovar seu mandato sine die, pretende alcançar nos próximos anos, com a meta de transformar o país em uma “nação socialista moderna” até 2035, e em uma grande potência “próspera” e “forte” até 2049.

A Sexta Plenária do 19º Comitê Central do Partido Comunista da China acontece nesta semana em Pequim em uma sessão que, ao aprovar uma resolução sobre a história do partido, consagrará a supremacia de Xi como líder do país e do partido, e abrirá caminho para que o atual presidente renove seu poder em 2022 por pelo menos mais cinco anos, seu terceiro mandato. A resolução também fará eco de sua visão sobre o futuro do país, o que transformará seu programa de reformas –e, em geral, suas opiniões– em dogma indiscutível do partido, mais um apoio no processo de renovação de seu mandato no 20º Congresso do Partido no próximo ano.

“A forma como Xi irá interpretar os desafios e acontecimentos que forem ocorrendo será o fator mais importante a partir do próximo ano, em seu terceiro mandato”, na tomada de decisões sobre novas regulações ou políticas a adotar, destacou a analista Jude Blanchette, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) de Washington em uma recente videoconferência.

A visão do líder já vinha se perfilando; e sua colocação em prática se acelerou no último ano e meio por causa da pandemia e das tensões com os Estados Unidos. Isso inclui a projeção de força no cenário internacional – o que Xi descreve como “rejuvenescimento da nação chinesa”, a volta da grandeza diplomática, econômica e militar do país– e, internamente, uma sociedade mais igualitária e coesa, unida pela “prosperidade comum” sob o manto da legitimidade e do controle do partido.

O termo “prosperidade comum” não é novo nem casual. Já foi usado pelos grandes líderes do passado Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping, embora em contextos diferentes. Como o próprio Xi descreveu no discurso em que apresentou essa campanha em agosto, a ideia é fazer face à profunda desigualdade que existe na China de hoje, entre as diferentes camadas sociais e, sobretudo, entre a cidade e o campo. O motivo para fazê-lo? Em alguns países, destaca o presidente, a desigualdade causou o colapso da classe média e “ricos e pobres estão polarizados. Isso levou à desintegração social, à polarização política e a um populismo galopante”.

Contra a polarização

Portanto, aponta Xi –um ávido estudioso da história e que considera a queda da União Soviética e de seu PCUS como o grande anátema cuja repetição na China deve ser evitada a todo custo–, as lições que devem ser tiradas são “profundas”. “Nosso país deve se proteger com determinação contra a polarização, buscar a prosperidade comum e manter a harmonia e a estabilidade social”, acrescenta.

Ele pensa fazê-lo, segundo se deduz do texto –publicado na íntegra apenas no mês passado– por meio de impostos mais altos e mais pressão para que os grandes milionários doem parte de sua fortuna a causas filantrópicas, bem como por meio de maiores investimentos em programas sociais e na educação. Mas o discurso também deixa clara a percepção de Xi sobre sua visão da sociedade chinesa futura, e essa visão não parece exatamente radical: o bem-estar, ressalta o presidente, dependerá do trabalho duro e da inovação, e a iniciativa privada será incentivada. Embora os serviços básicos sejam proporcionados, “não devemos estabelecer metas demasiado altas ou garantir muitos benefícios. Devemos evitar cair na armadilha de gerar vagabundos por proporcionar um sistema de excessivas coberturas”.

É possível que a resolução também mencione a estratégia de “circulação dual”, proposta no ano passado em plena tensão com os Estados Unidos e as consequências da covid, e que está consagrada no plano quinquenal aprovado neste ano. A estratégia visa impermeabilizar a China contra possíveis choques externos –uma deterioração ainda maior das relações com Washington, uma crise econômica global derivada da pandemia– e pretende fazê-lo mediante o incentivo ao consumo em seu território (circulação interna), a autossuficiência nos setores que considera estratégicos e a transformação da China em um país líder em inovação que exporte tecnologia para outras nações (circulação externa).

Espera-se que a resolução também faça menção a Taiwan, a ilha autônoma que Pequim considera parte de seu território, e repita os apelos pela unificação entre os dois lados do Estreito. E, dada a importância que Xi atribui ao controle do Partido Comunista da China –”leste, oeste, norte, sul; centro, o partido domina tudo”, enfatizou em mais de uma ocasião– que faça referência à necessidade de manter a disciplina e a vigilância dentro do partido. Porque, segundo Blanchette, entre as principais convicções de Xi, a fundamental é que “com um partido fraco todos os caminhos levam ao desastre”.

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