EUA e Talibã se reúnem em Doha pela primeira vez após retirada de tropas do Afeganistão
Novos líderes afegãos querem que Washington desbloqueie as reservas do Banco Central
![Combatentes talibãs visitam um parque de diversões nos arredores de Cabul nesta sexta-feira.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/4PNF2JDYXMUDJ5JBOIVX6W5Q3M.jpg?auth=e3f42cb9a19614199df6dafe85b3de9d9526c6120975ffc3b620c44295a91f33&width=414)
![Ángeles Espinosa](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/https%3A%2F%2Fs3.amazonaws.com%2Farc-authors%2Fprisa%2F32bb7ff4-537e-43ea-9dab-0cb3f83ba60b.png?auth=fe7906998c48e4418837148be26d16b394f20655dd6a58f57c74c79fe3150bd9&width=100&height=100&smart=true)
Uma delegação dos Estados Unidos se reuniu neste sábado com representantes do regime talibã em Doha, no primeiro encontro frente a frente desde que a guerrilha tomou o poder em Cabul em agosto, após a retirada dos soldados americanos. Os talibãs pediram que Washington levante o bloqueio às reservas do Banco Central do Afeganistão depositadas no Federal Reserve (banco central americano), segundo o chanceler em exercício do Talibã, Amir Khan Muttaqi, citado pela rede TV do Catar Al Jazeera. No entanto, eles não parecem dispostos a colaborar na luta contra o Estado Islâmico.
Em busca de legitimação internacional, o Talibã está aproveitando a projeção oferecida pelo encontro. A ToloTV divulgou inclusive uma imagem da delegação liderada por Muttaqi no avião em que viajou para a capital do Catar. Do lado americano, porém, não foram divulgados os participantes das conversações, embora tudo indique que entre eles não está Zalmay Khalilzad, o diplomata encarregado anteriormente das negociações com os talibãs.
Um porta-voz do Departamento de Estado deixou claro na noite de sexta-feira que não se trata de reconhecer ou legitimar os talibãs como dirigentes do Afeganistão, mas sim de discutir questões de interesse nacional para os EUA. A mesma fonte disse que a prioridade, além da saída de quem quiser abandonar o Afeganistão, é insistir para que os talibãs respeitem os direitos de todos os afegãos, incluindo as mulheres e as meninas, e formem um Governo inclusivo.
A Administração de Joe Biden se queixou da lentidão do processo de evacuação de cidadãos americanos ou afegãos com residência nos EUA, que Washington está tentando facilitar. O Catar está ajudando nesse processo. Desde a partida do último voo militar americano, em 30 de agosto, a companhia aérea catari retirou 1.300 pessoas de Cabul em seis voos humanitários, o mais recente na quarta-feira. Entre os evacuados, há muitos afegãos com dupla nacionalidade, mas também cidadãos de outros países e alguns afegãos que poderiam correr perigo sob o regime talibã.
As conversações dos EUA com os talibãs vão prosseguir neste domingo e também está previsto um encontro com representantes europeus. Para os países ocidentais, a relação com o novo poder em Cabul, o autodenominado Emirado Islâmico, representa um difícil dilema. Por um lado, eles não podem legitimar um grupo radical que tomou o poder à força e tem um longo histórico de violações de direitos humanos. Por outro, depois de sua saída do Afeganistão, o país enfrenta uma grave crise humanitária, já que a ajuda que o Ocidente fornecia cobria 75% dos gastos públicos, segundo o Banco Mundial. Agora, eles buscam fórmulas para canalizar essa assistência mantendo certa distância dos governantes de fato.
Muttaqi disse que os Estados Unidos oferecerão vacinas contra a covid-19 aos afegãos. Segundo seu relato sobre a reunião, as duas partes, em conflito durante as duas décadas de ocupação americana do Afeganistão, discutiram a “abertura de uma nova página” nas relações entre os dois países. O ministro enfatizou que o objetivo da reunião é a ajuda humanitária e o cumprimento do acordo de Doha, que os talibãs assinaram com Washington no ano passado e que abriu caminho para a retirada das tropas americanas.
Naquela ocasião, a guerrilha se comprometeu a cortar seus laços com grupos terroristas e a não permitir que o território afegão servisse de base para ataques contra as forças dos EUA ou seus aliados. Os analistas esperavam que fosse estabelecido algum tipo de cooperação na luta contra o braço do Estado Islâmico que atua na região, o EI-K, contra o qual ambos se opõem. No entanto, os talibãs afirmaram que não querem assistência antiterrorista e advertido Washington contra seu projeto de operações lançadas de fora do Afeganistão (“além do horizonte”, na terminologia militar americana).
Desde que o Talibã controla Cabul, o EI-K retomou seus ataques tanto contra seu rival como contra os xiitas, minoria religiosa com a qual tem uma fixação especial. Na sexta-feira, um terrorista suicida matou cerca de 50 xiitas em uma mesquita da cidade de Kunduz, no norte do país. Foi o pior atentado desde a retirada dos Estados Unidos.
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