Trump agora admite a derrota, condena a violência e promete facilitar transição para Biden
“O Congresso certificou os resultados eleitorais, uma nova Administração tomará posse em 20 de janeiro”, diz o presidente, derrotado, após uma crise histórica
Donald Trump admitiu finalmente sua derrota na noite desta quinta-feira. A derrota nas urnas e, também, a que sofreu nesta semana em seu duelo contra as instituições norte-americanas, contra a democracia. O presidente se dirigiu aos cidadãos em um vídeo de dois minutos e 41 segundos no qual capitulou, condenou a violência provocada pelos radicais no Congresso e se comprometeu a facilitar a transição para o próximo presidente, o democrata Joe Biden. Pela primeira vez, não mencionou nenhuma suposta fraude. Perante um país abalado, onde se multiplicavam as vozes que pediam sua destituição por incapacidade, o magnata nova-iorquino assumiu que tinha chegado ao fim da linha.
“O Congresso certificou os resultados eleitorais, uma nova Administração tomará posse em 20 de janeiro, e a partir de agora me centrarei em assegurar uma transição de poder fácil, ordenada e sem interrupções. É o momento da reconciliação e de curar feridas”, disse o mandatário, de um púlpito na Casa Branca, para acabar com uma mensagem de despedida: “Aos cidadãos dos Estados Unidos, servir a vocês como presidente foi a maior honra da minha vida. A todos os meus maravilhosos seguidores, sei que estão decepcionados, mas nossa incrível viagem acaba de começar”.
Não reconheceu explicitamente a vitória do presidente-eleito, Joe Biden, cujo nome nem sequer mencionou. Simplesmente admitiu a mudança de Governo e deixou de agitar suas teorias conspiratórias sobre o sistema eleitoral, gênese dos graves distúrbios vividos na quarta-feira em Washington, quando quatro pessoas morreram. Trump se pronunciou com dureza sobre o ocorrido, declarou-se “indignado” e afirmou que os violentos pagariam, sem apontar seus seguidores, mas distanciando-se do Trump de 24 horas antes, que atribuiu o cerco ao Capitólio a um suposto “roubo” eleitoral: “Entendo a sua dor. (...). Vocês são muito especiais, amamos vocês”, chegou a dizer.
Pela manhã, com a nação abalada pelas cenas da véspera, a presidenta da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, conclamou o vice de Trump, Mike Pence, a invocar a 25º emenda constitucional para destituir o mandatário de forma imediata, sob a alegação de incapacidade. Esse é o sentimento majoritário dos democratas, mas com adesões públicas também de vários republicanos, como o governador de Maryland, Larry Hogan, e o deputado Adam Kizinger, de Illinois. A mídia norte-americana noticiou que Pence se opõe a ativar esse mecanismo extraordinário, pensado na verdade para problemas de saúde dos presidentes.
O vice-presidente, um conservador religioso de Indiana, foi um fiel escudeiro do Trump durante os últimos quatro anos. Era inclusive um dos republicanos que evitaram até o último momento reconhecer a vitória de Biden. Mas na terça-feira ele confrontou o presidente quando este lhe pediu para boicotar a sessão do Congresso que certificaria os resultados do Colégio Eleitoral. Pence estuda se candidatar a presidente pelo Partido Republicano em 2024, e qualquer passo em falso agora pode cortar suas asas.
Pelosi lhe advertiu de que, se o gabinete não aprovasse a destituição de Trump, os democratas poderiam iniciar um novo processo de impeachment contra o ainda presidente, embora não lhe restem nem duas semanas inteiras de mandato. Resta ver se levarão adiante este desafio, algo que muitos democratas exigem. A deputada Ilhan Omar, por exemplo, redigiu um rascunho com as acusações do impeachment no dia do cerco ao Congresso. Mas caberá a Biden determinar a pauta ao resto do seu partido. A capitulação desta quinta-feira à tarde freia a escalada de tensão e oferece uma saída para que os republicanos não tenham que tomar medidas. Agora falta ouvir a reação do presidente-eleito.
“Os manifestantes que se infiltraram no Capitólio profanaram a sede da democracia norte-americana. Aos que participaram de atos de violência: não representam o nosso país. Aos que violaram a lei: pagarão por isso”, disse Trump. “Minha campanha usou todas as vias legais para discutir os resultados eleitorais. Meu único objetivo era assegurar a integridade dos votos, e ao fazê-lo estava lutando por nossa democracia. Continuo acreditando que devemos reformar nossas leis eleitorais para garantir a identidade e elegibilidade de todos os eleitores”, justificou.
O vídeo foi publicado em sua conta do Twitter depois que a rede social desbloqueou sua conta, suspensa durante várias horas devido a mensagens publicadas na véspera. “Estes são os fatos e acontecimentos que ocorrem quando se tira uma vitória sagrada e esmagadora de grandes patriotas que foram tratados de forma ruim e injusta durante muito tempo. Vão para casa em paz e amor. Lembrem-se para sempre deste dia”, havia escrito ele, entre outras mensagens. O Facebook anunciou que sua conta será suspensa por tempo indeterminado depois do tumulto ocorrido em Washington.
Não poderia haver um selo de maior carga simbólica para o líder político que governou a Casa Branca usando as redes sociais como um lança-chamas. Pelo Twitter ele ameaçava uma guerra nuclear, pelo Twitter rompia um acordo multilateral ou demitia os membros de seu Gabinete. Pelo Twitter foi evidente também que já estava silenciado. Em meio a uma crise sanitária monumental, com mais de 350.000 mortos e uma grave recessão, os Estados Unidos viram o seu sistema prestes a se desmanchar.