Manifestantes saem às ruas na Guatemala para pedir a renúncia do presidente

Manifestação na Cidade da Guatemala teve repercussões em cidades do interior e foi provocada pela aprovação do maior orçamento da história do país

Policial caminha ao lado do Congresso em chamas na Cidade da Guatemala, neste sábado.Esteban Biba (EFE)

Várias organizações pró-democracia convocaram neste domingo um novo protesto na capital da Guatemala para exigir a renúncia do presidente do país, Alejandro Giammattei. É a resposta à dura repressão contra a maciça manifestação realizada no dia anterior, que acabou com um assalto ao Congresso, no qual algumas salas foram incendiadas. Como consequência, 37 cidadãos foram presos e pelo menos 22 ficaram feridos pelo uso excessivo da força.

A manifestação de sábado na Cidade da Guatemala teve repercussões em cidades do interior do país e foi provocada pela aprovação do maior orçamento da história do país, de 99,7 bilhões de quetzais (cerca de 69 bilhões de reais). Um aumento de quase 25% em relação ao orçamento deste ano, que será financiado com um notável aumento da dívida e sem que o destino de muitos dos seus itens esteja claramente definido. Um estratagema que já foi utilizado para combater a covid-19 e que permitiu que esses milhões simplesmente “desaparecessem”, como denunciavam muitas dos cartazes exibidos pelos manifestantes: “Giammattei, onde está o dinheiro?”. O presidente assumiu o cargo em janeiro.

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Pelos detalhes que se conhece sobre o orçamento, sabe-se que há itens vitais para a população, como equipamentos hospitalares e educação, cujo orçamento foi congelado, assim como recursos destinados ao combate à desnutrição infantil e à pobreza, enquanto outros, destinados às instâncias que funcionam como contrapoder ao Executivo, como a Procuradoria de Direitos Humanos ou o Tribunal Constitucional, foram consideravelmente reduzidos.

Isso acontece em um país em que 59,3% da população de quase 17 milhões de habitantes vive na pobreza e a desnutrição infantil afeta quase metade das crianças menores de cinco anos. Além disso, só neste mês a passagem de dois furacões golpeou fortemente o país, provocando cerca de 60 mortos e dezenas de desaparecidos e destruindo colheitas que sustentam milhares de famílias.

No orçamento cresceram consideravelmente, pelo contrário, os recursos destinados à infraestrutura em concessões ao setor privado, algo que historicamente permite o enriquecimento de pequenos grupos próximos dos governantes.

A forma como o orçamento foi aprovado na sexta-feira, em uma única sessão parlamentar e sem que os 160 deputados tivessem tempo de ler seu conteúdo, levou o vice-presidente Guillermo Castillo a pedir ao presidente na tarde desta sexta-feira que vetasse o orçamento para, horas depois, exigir que Giammattei renunciasse e deixasse o país nas mãos de uma “junta de notáveis”.

Isso provocou a indignação e a revolta dos cidadãos contra o que na Guatemala é conhecido como “pacto dos corruptos”, que reúne alguns políticos, um setor ultraconservador dos empresários, militares e máfias do narcotráfico.

Divórcio político

“As instituições públicas estão pervertidas, o que obriga os cidadãos a clamar nas ruas por seu resgate”, explicou o analista Luis Linares, da Asíes, o mais antigo e prestigioso think tank da Guatemala, para acrescentar que o país assiste a um Governo fraturado. As duas mais altas autoridades emanadas das urnas estão em um divórcio político, o que compromete seriamente a governabilidade, destacou o especialista.

Nessa linha, o ex-ministro das relações Exteriores Gabriel Orellana lembrou antecedentes de divergências tão graves quanto a atual entre os dois maiores responsáveis pela direção política do país, que, na época, foram resolvidas civilizadamente. “É muito lamentável que isso esteja acontecendo. É importante que a razão prevaleça, tanto dos envolvidos quanto da parte dos cidadãos, porque pode nos polarizar”, comentou.

Orellana traça semelhanças com a Bolívia no que diz respeito à tomada de consciência dos povos indígenas, o setor majoritário e secularmente ignorado pela minoria “branca” do país. “Podemos esperar consequências imprevisíveis dessa tomada de consciência”, alertou.

Para o deputado oposicionista Aldo Dávila, a Guatemala precisa urgentemente “buscar uma saída em que o interesse dos cidadãos prevaleça sobre qualquer outro”, algo que não tem sido exatamente a marca do atual Governo.

O incêndio do Congresso

Com o passar das horas parece evidente que o incêndio provocado no sábado nas instalações do Congresso foi, como se suspeitava, obra de piquetes alheios à manifestação popular, com o único propósito de diminuir a legitimidade do protesto pacífico dos cidadãos. É suspeito que o Congresso estivesse totalmente desprotegido, quando o normal é que esteja blindado pela polícia quando há sessões polêmicas, como havia estado até a madrugada. De fato, a imprensa local documentou a existência de tonéis com água e extintores guardados dentro do Congresso. Aqueles que invadiram a sede legislativa estavam vestidos de preto, com máscaras e carregando cassetetes com cabos de borracha e pontas de metal. Queimaram alguns móveis e retratos, mas não os escritórios mais importantes, próximos ao local onde ocorreu o incêndio.

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