Sebastián Piñera destituí o chefe da polícia, símbolo da repressão na explosão social no Chile
O general Mario Rozas, acusado de graves violações de direitos humanos, foi demitido após uma operação em um orfanato, na qual dois adolescentes foram feridos por tiros
Uma nova crise se tornou o tiro de misericórdia para o general Mario Rozas, até esta quinta-feira diretor dos Carabineiros (polícia nacional militar) do Chile. A saída do general ocorre após um incidente em um orfanato na cidade de Talcahuano, a 429 quilômetros de Santiago, onde policiais atiraram em dois jovens de 16 e 14 anos. O episódio, ainda sob investigação, desencadeou a saída de Rozas, cuja permanência no cargo era insustentável havia meses por causa de denúncias de graves violações dos direitos humanos por parte de organizações como a Human Rights Watch.
A imagem do general estava envolta em acusações de abusos policiais e uso excessivo da força durante as manifestações sociais que estouraram em outubro do ano passado. Até março deste ano foram registradas 493 denúncias relacionadas a diversos crimes cometidos por policiais, das quais 444 pertenciam aos Carabineiros. Nesse cenário estão os 343 casos de traumas oculares causados pelo uso de escopetas antimotim, o que levou a instituição a modificar seus protocolos e o Governo a criar uma unidade especialmente dedicada ao atendimento de pessoas que perderam a visão durante os protestos.
A atitude desafiadora de Rozas e seu apoio incondicional a seu contingente —ele negou as violações de direitos humanos e até disse que nenhum agente seria demitido no contexto da explosão social— se converteram em um rio cada vez mais turbulento. No início de outubro, no período que antecedeu o primeiro aniversário da “explosão social”, o general enfrentou um grave episódio depois que um jovem de 16 anos se feriu ao cair no leito do rio Mapocho, o principal da capital, quando era atacado por um membro das Forças Especiais, unidade com a qual os Carabineiros enfrentam os protestos. A princípio, a polícia negou “categoricamente” que um agente tivesse empurrado o menor, ao mesmo tempo em que as imagens do ocorrido circulavam nas redes sociais e contradiziam a versão oficial. Horas depois, os agentes passaram a falar em “acidente”, posteriormente descartado pela investigação do Ministério Público, que indiciou o agente por tentativa de homicídio.
Rozas também foi criticado por autorizar a mudança de nome de uma academia de treinamento de policiais para homenagear o ex-diretor dos Carabineiros, Rodolfo Stange. O ato foi qualificado como uma “provocação” por grupos de defesa dos direitos humanos, que lembraram que o ex-diretor era acusado de descumprimento de deveres militares e obstrução da Justiça no chamado Caso Degollados, em que três militantes do Partido Comunista foram sequestrados e posteriormente assassinados por policiais.
Embora as circunstâncias da agressão ao orfanato nesta quarta-feira não sejam objeto de investigação, até o momento se sabe que o incidente ocorreu à tarde, depois de solicitada a presença de policiais para tratar do caso de um adolescente que estava descontrolado. Segundo a instituição policial, ao chegar ao local um grupo de adolescentes passou a atacá-los com pedras, o que levou o sargento John Mograve a dar três tiros com sua arma de nove milímetros. Os feridos estão hospitalizados e um deles foi operado, mas não corre risco de vida.
Desta forma, o que aconteceu com os adolescentes em Talcahuano configurou um cenário em que, desta vez, não era mais possível manter Rozas no cargo. Os primeiros sinais foram dados na tarde desta quarta-feira, quando o presidente Sebastián Piñera cancelou sua participação em uma atividade com o chefe da polícia. Conforme explicaram em La Moneda, o presidente estava “concentrado” em esclarecer a verdade “de forma total e oportuna”, e para isso convocou seus ministros do Interior e da Justiça, além da Defensora da Infância, Patricia Muñoz, que lidera um órgão autônomo encarregado do comprimento das garantias para os menores de idade e que anunciou a abertura de uma queixa contra os responsáveis pelo incidente.
As reuniões continuaram até a manhã desta quinta-feira, quando Piñera formalizou a saída de Rozas e a nomeação de Ricardo Yáñez como seu sucessor. Apesar de todas as acusações, o presidente expressou “admiração e gratidão” pelo general Rozas, que serviu como guarda-costas pessoal do chefe de Estado durante seu primeiro mandato.
Piñera também lamentou o ocorrido em Talcahuano, referindo-se aos adolescentes como “acidentados”, o que resultou em duras críticas de parlamentares da oposição. “Eles não são meninos acidentados, são meninos que sofreram violência. Discursos como esses continuam a favorecer a impunidade”, confrontou-o a deputada comunista Carmen Hertz, emblemática advogada em causas de direitos humanos.
Tanto no Governo como na oposição argumenta-se que a saída de Rozas tem que ser uma oportunidade para modernizar a instituição, cuja credibilidade despencou nos últimos anos, como resultado de uma série de escândalos que incluem fraudes em valor equivalente a mais de 190 bilhões de reais, a falsificação de provas para a prisão de membros da comunidade mapuche e o que aconteceu durante os protestos sociais.
Para Adolfo González, pesquisador do Centro de Estudos de Segurança Civil, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, embora a saída do general Rozas não seja suficiente para garantir uma reforma da instituição, “sua permanência teria sido um sinal político num sentido oposto ao de um processo de democratização e mudança institucional”. O acadêmico argumenta que “para realizar uma reforma policial que aborde os problemas fundamentais da polícia uniformizada —práticas de corrupção e violação dos direitos humanos, segundo ele— é necessária a definição urgente de uma agenda que estabeleça o roteiro de mudanças estruturais”.
E nisso, observa, será fundamental o processo que o Chile iniciará para redigir a nova Constituição. “É uma oportunidade histórica de reconfigurar o caráter dos Carabineiros, para que deixe de ser uma força destinada a salvaguardar a ordem pública e com caráter militar anacrônico, e que seja redefinida como uma força policial voltada para a proteção dos cidadãos no exercício de seus direitos, própria de um Estado Democrático”.
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