Medidas de Fernández para conter revolta policial na Argentina rompem o diálogo com a oposição moderada
Em decisão de emergência, presidente argentino decidiu tirar recursos da cidade de Buenos Aires para pagar aumento salarial à polícia da província
O levante da polícia da província de Buenos Aires teve uma consequência inesperada: destruiu as relações entre o Governo e o setor mais aberto ao diálogo da oposição na Argentina. Em uma decisão de emergência, o presidente Alberto Fernández decidiu tirar recursos da cidade de Buenos Aires, governada pelo oposicionista Horacio Rodríguez Larreta, para pagar um aumento salarial à polícia da província, controlada pelos peronistas. Rodríguez Larreta reagiu com um recurso à Corte Suprema. A trégua que o presidente e o chefe do Governo portenho mantinham desde o início da pandemia foi pelos ares.
A revolta policial era um grave fator de instabilidade para a província de Buenos Aires, o maior feudo peronista do país, com um governador, Axel Kicillof, que goza da proteção da todo poderosa vice-presidenta Cristina Kirchner. O presidente, cuja residência oficial de Olivos havia sido cercada por agentes armados e furiosos, agiu sem demora. Em um discurso televisionado, anunciou que reduzia em 1% o aporte à capital e destinava esse dinheiro, cerca de 35 bilhões de pesos (2,325 bilhões de reais), a um Fundo de Fortalecimento Fiscal da província. O decreto de emergência foi publicado na madrugada desta quinta-feira e poucas horas depois o governador Kicillof melhorou os salários da polícia da província de Buenos Aires.
Alberto Fernández explicou que em 2016, quando a cidade autônoma de Buenos Aires criou sua própria polícia, o então presidente Mauricio Macri aumentou a contribuição estatal em 2,1% para cobrir os custos da nova força. Esses 2,1%, segundo Fernández, eram demasiado generosos. “Avisamos que havia um excedente de 1%. Falei muitas vezes sobre esse assunto com Rodríguez Larreta, tenho a tranquilidade de que ninguém se surpreenderá”. Rodríguez Larreta, porém, ficou surpreso ao receber a notícia minutos antes do discurso presidencial. Ficou, segundo seus colaboradores, furioso e magoado. Interpretou que sua cooperação com a Casa Rosada desde o início da pandemia, em março, havia sido traída. Seus porta-vozes anunciaram um recurso à Corte Suprema.
É impossível não interpretar a decisão do presidente como uma vitória da vice-presidenta e ex-presidenta. Cristina Kirchner estava empenhada havia muito tempo em romper as relações entre Alberto Fernández e Rodríguez Larreta para restaurar a polarização extrema e a grieta [fenda, rachadura] que caracteriza a política argentina. Nesse ecossistema maniqueísta ela se sente confortável. Também foi conveniente para os “duros” da oposição, liderados pelo próprio ex-presidente Mauricio Macri, desgastar a figura de Rodríguez Larreta, em sua opinião demasiado dialogante. O silêncio de Macri durante o dia chamou a atenção.
O Proposta Republicana (PRO), partido fundado por Macri e agora presidido por Patricia Bullrich, reagiu: por meio de um comunicado, qualificou a decisão presidencial de “inconstitucional, injusta e prepotente” e acrescentou que significava “o encerramento do diálogo”. “A decisão não faz nada além de aumentar a grieta”, disse Eduardo Macchiavelli, secretário de Meio Ambiente da cidade e secretário-geral do PRO.
Cristina Kirchner há muito envia mensagens sobre a suposta desproporção entre a quantidade de dinheiro que a cidade de Buenos Aires recebe e a miséria em que vive a província. Não existe essa desproporção. Neste ano, a província recebeu do Estado 22.800 pesos por habitante, em comparação com os 23.300 pesos por habitante destinados à cidade. A pequena diferença foi coberta pelos aportes extraordinários feitos durante a pandemia, quase metade dos quais favoreceram a província. Em comparação, a Terra do Fogo recebeu 109.000 pesos por habitante, e Catamarca, 85.300.
A província de Buenos Aires, a mais populosa do país e com as maiores diferenças sociais, acumula problemas neste momento. As invasões de terras e o aumento da criminalidade se juntam a um elevado desemprego estrutural e aos danos econômicos causados pela pandemia. Depois de receber os recursos retirados da cidade, o governador da província, Axel Kicillof, aumentou o salário mínimo da polícia, recebido por mais de um terço dos 90.000 agentes em exercício, para 44.000 pesos por mês. Pela taxa de câmbio real, são aproximadamente 1.798 reais. Também reajustou as horas extras a 120 pesos (menos de cinco reais). O protesto da polícia da província de Buenos Aires pareceu diminuir rapidamente, embora a inexistência de líderes sindicais impossibilite calcular o grau de aceitação do aumento salarial.
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