A professora universitária que fingia ser negra
Jessica A. Krug deixa o seu emprego na Universidade George Washington após revelar que passou anos mentindo sobre suas origens
Jessica A. Krug, de 38 anos, passou décadas se apresentando como afro-caribenha. Contava que tinha crescido no Bronx nova-iorquino, que seus pais eram drogados e que seu irmão era uma das inúmeras vítimas da brutalidade policial. Mas em 3 de setembro essa professora de História Latino-Americana e Africana da Universidade George Washington, na capital norte-americana, confessou no blog Medium, em um texto intitulado A verdade e a violência contra os negros pelas minhas mentiras, que não é quem por tanto tempo declarou ser. Na adolescência, inventou que era negra, mas desde então mudou várias vezes o seu lugar de origem. Não cresceu em Nova York. Sua infância foi a de uma menina branca judia nos subúrbios de Kansas City, na América profunda. Pediu perdão aos que a conheceram, alegando que não foram “ingênuos”: “Fui audaz com a minha enganação”, disse. Sua vida adulta foi quase toda alicerçada sobre “o solo tóxico do napalm das mentiras”, afirma ela no começo do seu texto.
A professora, que foi suspensa de seu emprego na universidade assim que a confissão veio a público, pediu demissão na quarta-feira. O departamento de História, onde trabalhava desde 2012, já tinha solicitado seu desligamento definitivo na semana passada. “Com sua apropriação de uma identidade afro-caribenha, traiu a confiança de inúmeros estudantes atuais e ex-colegas de estudos africanos”, entre outros, segundo um comunicado assinado por seus agora ex-colegas. “É vergonhosa a falta de autênticos professores negros e latinos nesta instituição, o que deu lugar a uma pessoa como Jessica Krug”, condenaram os membros da União de Estudantes Negros. Cerca de 25% de seus professores em tempo integral são pessoas não brancas.
Em seu texto, Krug atribui sua conduta “antiética”, “antinegra” e “colonial” a problemas de saúde mental. Os profissionais que a acompanham “tão tardiamente” lhe disseram, conforme comenta no mesmo blog, que a apropriação de falsas identidades é uma resposta a traumas que marcaram sua infância. Mas alega que não pretende se justificar e que deve ser cancelada. “As comunidades negras não têm a obrigação de abrigar os refugos das sociedades não negras. Eu fiz isto. Sei que está mau e mesmo assim eu fiz”, escreveu.
Seu comportamento recorda o polêmico caso de Rachel Dolezal, uma mulher que se identificava como negra e que durante mais de um ano chegou a presidir a seção local em Spokane (Washington) da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês, a principal organização em favor dos direitos civis dos Estados Unidos). Em junho de 2015 seus pais reconheceram que ela nasceu branca e se fazia passar por negra.
Pessoas próximas a Krug já duvidavam dela. Yarimar Bonill, membro do Centro Schomburg de Pesquisa da Cultura Negra, em Nova York, contou no Twitter que a professora se fazia passar por afro-latina proveniente do Bronx e que se vestia e agia de maneira inapropriada. Por exemplo, “apresentava-se a um seminário de acadêmicos às 10h da manhã vestida como se fosse para ir a um clube de salsa”, escreve. Bonill propôs que, depois do escândalo, a Universidade George Washington crie um fundo de bolsas para acadêmicos afro-latinos.
O escritor Hari Ziyad tuitou que “não tinha nenhum desejo profundo de acreditar que Jessica era negra. O problema era (também) que não queria acreditar que ela não era suficientemente negra”. As palavras de Ziyad incidem em um delicado debate sobre como abordar a questão racial nos Estados Unidos. Para este autor, Krug se alimentou da fragilidade dos “entendo que você suspeite, mas...” e do “há algo de errado, porém...”.
Entre os trabalhos de Krug relacionados à raça destaca-se o seu livro Fugitive Modernities (2018), publicado pela Duke University Press, finalista do prêmio Harriet Tubman e do prêmio literário Frederick Douglass. O celebrado ensaio se centra na história das comunidades de escravos fugitivos em Angola, no século XVI. A plataforma RaceBaitr, dedicada a compartilhar escritores que tratam da questão racial, eliminou o trabalho de Krug do seu site: “Sua farsa a levou a muitos espaços negros sagrados, incluído este”.