Peru vive revolta e comoção com a morte de 13 jovens durante operação para coibir festa na quarentena
Familiares de vítimas e testemunhas acusam a polícia de ter usado gás lacrimogêneo para dispersar uma festa ilegal, o que o Governo nega. Promotores dizem que havia 11 casos de covid-19 entre as vítimas
Pelo menos 13 pessoas morreram asfixiadas em uma casa noturna em Lima, no Peru, ao tentarem escapar de uma operação policial para dissolver uma festa que violava as medidas de confinamento impostas pelo Governo contra a propagação da covid-19. A polícia chegou na noite de sábado ao local, no bairro de Los Olivos, para dispersar as pessoas concentradas ali uma hora antes do início do toque de recolher que vigora no país desde meados de março. Assustados com a presença policial, os clientes tentaram escapar pela única porta, ficando presos entre a entrada e uma escada ao lado. Além dos mortos, outras seis pessoas ficaram feridas no episódio. Entre os falecidos foram detectados 11 pessoas infectadas com a covid-19, disse o Ministério Público peruano neste domingo. Pelo menos 15 dos 22 detidos também foram diagnosticados com a doença, e os mais de 50 policiais que participaram da operação foram isolados à espera de seus resultados.
O comandante-geral da Polícia Nacional, Orlando Velasco, informou que vários vizinhos do bar, restaurante e discoteca Thomas alertaram às autoridades de que havia uma festa com muita gente no local, que fica num segundo andar do edifício. Quando entraram para coibir a festa, os clientes “em vez de colaborarem, decidiram deixar o local de forma tumultuosa”, afirmou o comandante. “Eram 120 pessoas, algumas conseguiram fugir e outras se aglomeraram no final das escadarias [onde está a porta], que se abria para dentro”, descreveu. As reuniões sociais estão proibidas no Peru, que já registra mais de 594.000 contágios pelo coronavírus ―é o sexto país em casos, segundo o balanço da Universidade Johns Hopkins― e 27.663 mortos.
Velasco disse que só uma pessoa morreu dentro da casa noturna. As outras 12 receberam atendimento e foram encaminhados a hospitais da região, mas morreram no trajeto ou após darem entrada. “Estas são reuniões clandestinas”, disse o comandante. Segundo um comunicado do Ministério do Interior, emitido na madrugada do domingo, três participantes da festa e três policiais ficaram feridos no episódio, e 23 pessoas foram detidas, incluindo um menor de idade. Pelo menos 15 dos detidos deram positivo no exame para o coronavírus, incluído o adolescente, afirmou um porta-voz da Direção de Saúde de Lima-Norte a uma rádio da capital.
Mas testemunhas e familiares das vítimas contestam a versão oficial. Dizem que o tumulto ocorreu porque a polícia usou gás lacrimogêneo na operação para dispersar as pessoas do estabelecimento, algo que o Ministério do Interior nega. Geraldine Palacios, irmã de uma das pessoas mortas e que também estava na casa noturna, afirmou à emissora Radioprogramas que a polícia entrou fazendo disparos, e isso assustou as pessoas.
O prefeito do distrito, Felipe Castillo, afirmou que a casa noturna estava registrada em nome de uma empresa têxtil que obteve um alvará para abrir um restaurante. O gerente e a administradora dessa empresa já foram detidos. O Governo solicitou ao Ministério Público que peça prisão a preventiva de ambos.
País vive uma das quarentenas mais rígidas do mundo
O Peru vive em estado de emergência desde 18 de março por causa da pandemia do novo coronavírus. A disposição inclui um toque de recolher entre 22h e 4h e a suspensão dos direitos constitucionais de reunião e trânsito. Além disso, diante da escalada de contágios e mortes, o Governo proibiu em 12 de agosto as reuniões sociais e familiares.
No final de junho, o Executivo decidiu suspender a quarentena por causa do desabamento da economia, apesar de os indicadores da doença mostrarem na época que a covid-19 continuava em expansão. O Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI) informou na quinta-feira passada que o PIB caiu 30% no segundo trimestre, a pior cifra na história do país sul-americano. A ministra da Saúde, Pilar Mazzetti, disse na quinta-feira a jornalistas que o aumento das infecções em julho e agosto se deve aos encontros sociais posteriores ao fim das medidas de confinamento.
Comentando a trágica festa em Lima, a ministra da Mulher, Rosário Sasieta, pediu punição máxima aos responsáveis pelo evento, que qualificou como “homicídio doloso com fins de lucro”. Para o infectologista Eduardo Gotuzzo, em declarações neste domingo à Radioprogramas, “essa reunião foi uma fonte de contágio extraordinária, é possível que como consequência em alguns dias haja 20 ou 30 famílias afetadas”.
Durante uma atividade em Arequipa, o presidente Martín Vizcarra pediu ao Ministério Público uma “rigorosa investigação” do caso. “Essas 13 vidas poderiam ter sido salvas se não houvesse este tipo de comportamento negligente”, afirmou, em alusão aos donos do estabelecimento e os participantes da festa. “Reflitamos, não percamos mais vidas por negligência e por falta de responsabilidade”, acrescentou Vizcarra, quase 15 horas depois de conhecer o trágico saldo da intervenção policial.