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Os bastidores da decisão do rei emérito Juan Carlos I de abandonar a Espanha

Governo aconselhou que o rei emérito deixasse o palácio, mas preferia que ficasse na Espanha

Juan Carlos I, no Palácio de La Zarzuela em junho de 2014.
Juan Carlos I, no Palácio de La Zarzuela em junho de 2014.Andres Kudacki (AP)
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Espanha, sexta-feira, 31 de julho. San Millán de la Cogolla (La Rioja) é o cenário da conferência entre os presidentes regionais com o primeiro-ministro Pedro Sánchez, a primeira de caráter presencial após os 14 encontros remotos semanais realizados sob o confinamento. O socialista Sánchez quer passar uma imagem de coesão e unidade diante da crise econômica galopante e a proliferação de novos casos de covid-19 que ameaçam causar uma segunda onda da pandemia de coronavírus. Até mesmo o lehendakari (presidente do País Basco), Iñigo Urkullu, surpreendentemente aparece, deixando em evidência o presidente catalão, Quim Torra, único ausente.

O rei Felipe VI, que concluiu no dia anterior nas Astúrias sua viagem pelas 17 comunidades autônomas, vai inaugurar a chamada Conferência dos Presidentes. O programa está milimetricamente planejado, mas, no último momento, é preciso mudar tudo porque o chefe de Estado quer se reunir a sós com o chefe de Governo. Ninguém sabe sobre o que falam.

Menos de 48 horas depois, Juan Carlos I deixa o Palácio de La Zarzuela, que havia sido seu lar durante os últimos 58 anos, e na segunda-feira sai da Espanha com destino desconhecido e por tempo indefinido. A decisão foi tomada no final de julho, em plena enxurrada de informações sobre a fortuna do ex-chefe de Estado em paraísos fiscais, mas vários fios ainda estavam desatados. Foram amarrados por Felipe VI e Pedro Sánchez em seu encontro em La Rioja.

Um dos últimos pontos a ser fechado foram os termos exatos do comunicado com o qual a Casa do Rei anunciaria a partida do pai de Felipe VI, na tarde de 3 de agosto. Cada palavra do texto foi cuidadosamente pensada, principalmente sete delas: “Mudar, nesse momento, para fora da Espanha”.

A palavra foi mudar, não exilar e fugir. Sequer viajar, sair, deixar e abandonar. Mudar é trocar um local por outro. Mas para os funcionários públicos e os militares (a profissão de Juan Carlos de Bourbon é a de militar), se mudar é ir para outro destino, muitas vezes a outra localidade. A mudança pode ser voluntária ou forçada.

Como adiantou o EL PAÍS, a solução definitiva foi acertada em uma reunião frente a frente entre pai e filho. A conversa ocorreu no gabinete de Felipe VI e o chefe da Casa do Rei, Jaime Alfonsín, também esteve presente, como revelou mais tarde o jornalista Carlos Herrera. Nas conversas em três vertentes que ocorreram durante o mês de julho, o Rei foi o interlocutor de seu pai e do primeiro-ministro Sánchez, enquanto Alfonsín trabalhou com a vice-primeira-ministra, Carmen Calvo, e o chefe de Gabinete de Sánchez, Iván Redondo.

As declarações de Sánchez, chamando de “inquietantes e perturbadoras” as notícias sobre as contas de Juan Carlos em paraísos fiscais no exterior e a insistência de vários ministros pedindo que Felipe VI se distanciasse do rei emérito colocaram todos os focos sobre o palácio de La Zarzuela. Mas não foram as supostas pressões do Governo que persuadiram o chefe de Estado da necessidade de tomar medidas, e sim pesquisas, em poder da Casa do Rei, que mostravam que o prestígio da Monarquia estava em queda livre e seu descrédito era galopante, especialmente entre os espanhóis com menos de 45 anos.

Em suas audiências com o Rei, Sánchez expressou, com toda a franqueza, sua preocupação pelo rumo dos acontecimentos e a necessidade de salvaguardar a todo custo a instituição, levantando uma barreira que a protegesse do escândalo, mas não indicou o caminho a seguir. “O Governo indicou o problema, mas a decisão deveria ser tomada pelo Rei”, afirmam fontes do Governo. Em outras palavras, Felipe VI teria todo o apoio do primeiro-ministro em qualquer decisão que tomasse, mas a responsabilidade sobre ela e suas consequências seriam somente do Rei. O que estava em jogo era a credibilidade da Coroa.

Nessas semanas houve uma troca de relatórios e ditames jurídicos entre La Moncloa e a Casa do Rei. Todas as alternativas possíveis foram realizadas: da renúncia de Juan Carlos I à imunidade no período em que foi chefe de Estado, inviável juridicamente; até uma regularização fiscal, impossível materialmente se a ideia fosse compensar tudo o que ele deixou de declarar à Fazenda. E não somente nos cinco últimos anos exigíveis legalmente.

O assunto foi lidado com absoluto sigilo, tanto que Carmen Calvo era a única integrante do Governo que sabia, além do próprio primeiro-ministro. Não foram somente os ministros de Unidas Podemos, que depois se queixaram de ter sido ignorados, que souberam do ocorrido pela imprensa. A maioria do PSOE também estava no escuro.

A negativa de Juan Carlos I em renunciar voluntariamente ao título honorífico de rei, que lhe foi concedido em caráter vitalício em junho de 2014, poucos dias antes de sua abdicação, descartava a opção mais simples, pois bastava modificar um decreto real. Mas Felipe VI não queria retirar o título contra sua vontade, como o fez com o Ducado de Palma de sua irmã Cristina, provocando um rompimento sentimental. Também não quis dividir a família real, que depois da coroação se limitou a ser as filhas do rei e seus pais, o rei emérito Juan Carlos I e a rainha Sofía. Ficaram de fora suas irmãs e cunhados.

A opção que restava era colocar distância física entre a Coroa e seu titular anterior, a saída de Juan Carlos I de La Zarzuela. Em um primeiro momento, o rei emérito não aceitava de bom grado essa solução. Como aconteceu após o acidente de Botsuana, quando resistiu a pedir desculpas publicamente, e nos meses prévios à abdicação, ele tinha dúvidas. Isolado no Palácio de La Zarzuela desde o início do confinamento, seu único contato com o exterior eram suas conversas com amigos, alguns dos quais o encorajavam a resistir com o argumento de que estava sendo tratado injustamente.

Por fim, acabou cedendo. A prova de que lhe custou dar esse passo é que, no comunicado oficial, Felipe VI expressou a seu pai seu “sincero respeito e gratidão por sua decisão”, consciente do sacrifício pessoal que significava.

Mas o cabo de guerra causou uma mudança tão importante quanto: Juan Carlos I não sairia somente do Palácio, como o Governo aconselhava, mas também deixaria a Espanha. Pedro Sánchez via inconvenientes nessa saída e preferia que ele ficasse no país, mas acabou dando seu total apoio porque era o acordo a que pai e filho haviam chegado e esse era seu compromisso: respaldá-lo de qualquer forma, de acordo com as fontes consultadas.

A partida de Juan Carlos I abria novas incógnitas: onde iria morar e com quais recursos. Quem deu sua opinião desaconselhou Londres, porque lá mora sua ex-amante Corinna Larsen, e o Golfo Pérsico, porque significava “voltar ao local do crime”, em alusão à doação de 100 milhões de dólares (543 milhões de reais) da Casa Real saudita investigada pela Promotoria suíça. Mas, por fim, frisam os que estiveram próximos, ninguém dirá ao rei emérito para onde deve ir: “Uma coisa é que aceite sair da Espanha, porque lhe disseram, e outra limitar sua liberdade de movimento”.

Enquanto busca sua residência definitiva no exterior, se chegar a fazê-lo, o rei emérito foi visitar seus amigos, primeiro em Sanxenxo (Pontevedra) e depois, de acordo com diversas fontes, em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos.

O temor à Covid-19

Com 82 anos e 17 operações —incluindo um coração aberto há um ano—, sua maior preocupação é o risco que significa a covid-19, uma doença da qual ele é grupo de risco.

O Governo evita informar sobre o paradeiro de Juan Carlos I e joga o problema à Casa do Rei, que por sua vez o resolve afirmando que se trata de uma viagem privada da qual não precisa prestar contas. Mas o antigo chefe de Estado não é um cidadão comum: ostenta o título de rei honorário, continua fazendo parte da família real, possui escolta policial, tem foro especial e não renunciou aos seus direitos dinásticos sobre a Coroa.

O efeito colateral foi formalizar o que era um segredo bem conhecido há anos: a separação de Juan Carlos I e dona Sofía. A rainha emérita viajou a Mallorca, onde se deixou fotografar indo às compras, enquanto seu marido protagonizava uma saída quase clandestina da Espanha fugindo das câmeras. A palavra que melhor define a partida do rei emérito, de acordo com um de seus amigos, é distanciamento, uma mistura de desterro voluntário, incredulidade e saudade.

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