Oposição da Venezuela se abre a negociar uma saída eleitoral com o chavismo
Primeira meta é alcançar um acordo, em meio a temores e ceticismo, sobre a composição do tribunal eleitoral
![O líder da oposição da Venezuela, Juan Guaidó.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/2Y67L7VX5VCGFIQV726LBRCMFM.jpg?auth=ed04a242d3556e8eeb8aa95797a53b587efb7f4c7333d36e9fddd1bffebfe072&width=414)
“Fim da usurpação, Governo de transição e eleições livres.” Mais de um ano depois que Juan Guaidó lançou este ultimato a Nicolás Maduro, o chavismo continua no poder, os protestos sociais perderam fôlego e uma eleição presidencial com as condições da oposição venezuelana é uma miragem. Mas a crise social e política e a renovação do Parlamento, prevista para este ano, levaram as forças da oposição a explorar com o Governo uma via que permita eleger um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) mais equilibrado e ir às urnas.
Com prudência e apreensão, se o processo correr bem começará a contagem regressiva para a conquista desse “fato político real” ao qual apelam figuras da oposição como o ex-candidato à presidência Henrique Capriles. Ou seja, uma corrida eleitoral transparente. Se der errado, será a enésima fratura interna entre os que demandam a mudança de regime.
Apesar do discurso público de Guaidó, que, como presidente da Assembleia Nacional oposicionista, mantém a necessidade do enfraquecimento de Maduro para forçar sua saída, e das vozes mais radicais da oposição, que ainda não afastaram uma opção militar, o poder legislativo já deu o primeiro passo. Trata-se da formação de uma comissão que receberá as propostas dos candidatos para ocupar um dos cinco cargos da cúpula do tribunal eleitoral, agora dominada pelos governistas. O objetivo é que haja deputados de todo o espectro político da Assembleia Nacional, incluindo o governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e a recente dissidência da oposição, conforme anunciou o ex-vice-presidente do Parlamento Stalin González, líder do Um Novo Tempo, um dos partidos integrados no grupo de oposição majoritário, o chamado G4, que também inclui a legenda de Juan Guaidó.
González participou das conversações patrocinadas pela Noruega em meados do ano passado para tentar chegar a um acordo para a saída da crise política e social que mantém o país paralisado. Este dirigente, que nunca perdeu o contato com a cúpula do chavismo, é um dos políticos que mais apostam em alcançar um pacto, considerando que a maioria da oposição recorda que o objetivo final continua sendo uma saída eleitoral. “Estamos fazendo todo o possível para chegar a um acordo”, afirmou. “Ceticismo”, porém, é a palavra mais repetida entre seus parceiros.
A enorme desconfiança que provoca na oposição qualquer hipótese de diálogo com o Governo não acabou rompendo, pelo menos por enquanto, os delicados equilíbrios internos. Ao contrário de outras ocasiões, e apesar dos atritos históricos, os diferentes líderes da oposição consultados se aferram em insistir em que há mais unidade do que nunca. Entre os grupos que formam a oposição majoritária (o G4), há dois mais reticentes a um acordo com o chavismo: a Vontade Popular, o partido de Leopoldo López e Guaidó, e o Primeiro Justiça, o majoritário. No entanto, no momento essas formações não planejam intervir para torpedear o processo.
A comissão responsável pela análise dos pedidos de renovação da CNE aguarda o juramento da sessão do plenário da Assembleia Nacional, que de fato se dividiu em 5 de janeiro entre os fiéis a Guaidó e os seguidores do dissidente Luis Parra, expulso por corrupção do partido Primeiro Justiça e punido pelos EUA por se proclamar presidente do Parlamento.
Para além da formalidade do juramento, há um acordo tácito, segundo fontes parlamentares, para abrir a negociação entre o chavismo e a junta administrativa de Guaidó, que continua a ser reconhecido como presidente interino por mais de 60 países. O fato de tudo girar em torno da renovação da CNE não é um detalhe técnico. "Há um otimismo moderado, uma das coisas cruciais para conseguir eleições mais ou menos confiáveis, que tem a ver com a mudança do árbitro", diz Luis Lander, membro da ONG Observatório Eleitoral Venezuelano. "Mudar a cara da CNE permite recuperar alguns níveis de confiança na votação, depois de todas as eleições malfeitas e atropeladas, repletas de irregularidades, realizadas desde 2015."
Em dezembro daquele ano, a oposição venceu as eleições parlamentares, embora o Tribunal Supremo tenha acabado por destituir a Câmara de seus poderes em 2017, o que provocou uma onda de protestos e uma crise institucional que ainda não foi resolvida. Mas, à margem do CNE, o maior debate tem a ver com que tipo de eleições pactuar. Em dezembro devem ser realizadas as legislativas, que o chavismo promove com determinação para tentar tirar do jogo a oposição aglutinada em torno de Guaidó.
Mas a votação que todos os partidos da oposição exigem há anos é a presidencial, depois de rejeitarem, em sua maioria, participar das eleições de 2018, que foram convocadas após fracassadas negociações na República Dominicana. Por isso, defendem supereleições: presidenciais e parlamentares. Aqui reside o maior ponto de atrito interno, já que várias fontes dizem que não se comprometerão com eleições que não incluam uma possível saída de Nicolás Maduro. Se consumada, a oposição ficará dividida e o chavismo garantiria a vitória e com maior legitimidade do que em 2018.
Enquanto isso, Guaidó tenta aumentar a pressão chamando mobilizações nas ruas. Ele fez uma convocação para uma enorme marcha prevista para esta terça-feira, seu primeiro grande movimento no tabuleiro depois de sua turnê internacional. Em seu entorno admitem que não será fácil recuperar a força das manifestações do ano passado. O maior temor, como resumiu um de seus aliados nesta semana, é "que a desesperança nos envolva e se perca a convicção de que uma mudança é possível".
A fórmula 2-2-1, um caminho para eleições transparentes
Para entender o complexo processo de composição do órgão eleitoral venezuelano é necessário levar em consideração que três dos cinco cargos que o compõem são escolhidos entre as propostas apresentadas por organizações da sociedade civil, um sai dos nomes indicados pelas faculdades de Direito do país e o quinto integrante vem dos propostos pelo chamado Poder Cidadão —a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Controladoria Geral da República—, controlado por Nicolás Maduro.
A oposição quer garantias de que, se cada parte tiver dois nomes afins, o quinto, independente, seja escolhido de comum acordo (a chamada fórmula 2-2-1) para que não haja uma balança desequilibrado como ponto de partida.
Mudar o árbitro não é, contudo, a única tarefa pendente para conseguir eleições parlamentares transparentes. Há outras questões que precisam ser negociadas. O que mais preocupa algumas figuras relevantes da oposição é quem aprovaria esse hipotético novo CNE. Segundo as fontes consultadas, o chavismo propõe que haja um acordo entre o grupo de Juan Guaidó e o do dissidente da oposição Luis Parra. A recusa é taxativa porque implicaria reconhecer uma dualidade que eles não consideram legítima.
Em qualquer caso, este procedimento tem o desafio de obter a aprovação de dois terços dos membros da Assembleia Nacional: 112 deputados. Atualmente, nem Guaidó, que controla a bancada majoritária, possui esses votos.
Outro aspecto a ser negociado são as garantias de como remover a desqualificação dos principais partidos da oposição e de seus candidatos, caso de Henrique Capriles e Leopoldo López, que permanece na Embaixada da Espanha após ser libertado por militares dissidentes, em 30 de abril no ano passado da prisão domiciliar a que esteve submetido desde julho de 2017. E também a revisão do registro eleitoral e a inclusão de eleitores no exterior, onde já há mais de 4,8 milhões de venezuelanos que migraram em busca de oportunidades e para fugir da crise política e econômica que açoita o país, segundo o cálculo das Nações Unidas.
Para algumas alas da oposição, não deve haver um acordo parcial, mas tudo tem que ser pactuado e, nesse sentido, duvidam que o chavismo aceite. "Ir a eleições sem garantias, para perdê-las, como aconteceu nas de governadores em 2017, é suicídio", lembrou um líder da oposição nesta semana. Em novembro, uma pesquisa realizada pela Delphos revelou que apenas 57,9% dos venezuelanos pretendiam votar.
A disposição parece ter melhorado com o início do ano, assim como a avaliação de Guaidó. Uma pesquisa da Datanálisis, de fevereiro, encomendada pela Bloomberg, indica que 82,6% dos venezuelanos dizem que a oposição deveria participar das eleições parlamentares. No entanto, 40,6% desejam eleições legislativas e presidenciais, enquanto 40,3% só querem eleições presidenciais em 2020.
Com informações de Florantonia Singer.