Hospitais blindados e estações-fantasmas em Wuhan, a cidade chinesa isolada pelo coronavírus
Familiares de doentes reclamam da falta de transparência do Governo, que anuncia a construção de um hospital especializado para casos da doença, que já provocou 26 mortes e infectou 894 pessoas
Zhang Wenzhen está sentada na calçada, consultando seu celular de maneira frenética. Não há ninguém ao seu redor, exceto uma dúzia de seguranças que, do outro lado da rua, vigiam a entrada do hospital Jinyintian, um dos maiores de Wuhan, especializado em doenças infecciosas. Lá está internada a maioria das pessoas infectadas até agora pelo coronavírus 2019-nCoV, cuja ameaça colocou esta cidade chinesa de 11 milhões de habitantes sob quarentena. Os dados mais recentes dão conta de 26 mortos e 881 infectados. A mãe de Zhang Wenzhen é uma deles.
“Minha mãe está aí dentro, mas não me deixam entrar”, conta Zhang, apontando os policiais à sua frente. As medidas de segurança da área são muito rigorosas. Todos os veículos que se aproximam do hospital são obrigados a dar meia-volta, menos uma caminhonete, da qual descem agentes sanitários cobertos dos pés à cabeça com um traje de proteção branco. Ao verem uma câmera, um dos seguranças se aproxima e exige que todas as imagens sejam apagadas sob o seu olhar atento. Ninguém —nem mesmo os familiares dos doentes— sabe ao certo o que acontece dentro do edifício. As imagens compartilhadas nas redes sociais mostram corredores abarrotados, gente desmaiando, gritos e prantos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu à China uma maior transparência na gestão da crise sanitária.
Zhang vive com seus pais, numa família que levava uma vida normal até que sua mãe adoeceu, no começo desta semana. Não se preocupa por ter ficado exposta ao vírus: “Nós, jovens, não nos contagiamos tão facilmente, mas as pessoas mais velhas não têm como resistir”. De fato, todos os mortos pela epidemia até agora eram maiores de 70 anos. Neste momento, Zhang só deseja ter mais informações sobre o estado de saúde da sua mãe. “Eu estava trabalhando e não sei o que aconteceu, se a trouxeram para cá é porque deve ter piorado”. Apesar do bloqueio em todos os acessos do hospital, ela não desiste. “Não me moverei daqui enquanto não souber algo a mais, só então voltarei para casa.”
Alguns metros adiante, outra jovem, chamada Wang, carrega uma sacola de tangerinas. Ela teve mais sorte: nesta tarde, durante as duas horas em que o hospital permitiu a entrega de objetos aos pacientes, conseguiu falar com um dos médicos. Um de seus familiares, também vítima do coronavírus, parece evoluir adequadamente. “Os resultados são positivos, não tem febre nem tosse e seu aspecto é normal. Disseram-me que está bem e que possivelmente lhe darão alta nos próximos dias”, detalha, aliviada. Na opinião dela, o fechamento da cidade foi uma decisão adequada. “O isolamento é para nossa própria segurança, é uma medida responsável e compreensível.”
As ruas de Wuhan estão desertas, e os poucos comércios que haviam aberto pela manhã já fecharam. Para alguns, porém, a vida continua. É o caso da taxista Wu Yunsong, que viu a oportunidade de ganhar um dinheiro extra, dada a pouca quantidade de carros circulando. Está preocupada, mas encara com resignação. “Se lá em cima quiserem que eu morra não poderei fazer nada para evitar, por isso estou trabalhando hoje.”
Um de seus colegas, que não quis revelar seu nome, está mais otimista. Ele, como a maior parte da população de Wuhan, expressa um apoio sem rodeios à decisão do Governo de fechar as portas da cidade. Mesmo que tenham ficados presos do lado de dentro. “O Governo está fazendo um trabalho estupendo”, exclama. “Nestes 70 anos [de governo comunista] a China se desenvolveu muitíssimo em todos os aspectos. Nosso país agora está muito poderoso, ao contrário do que acontecia no passado. Temos especialistas e acadêmicos muito preparados. Eles controlarão o surto, não há razão para se preocupar.”
Um dos motivos que explicam a quarentena que vigora em Wuhan é sua condição de entroncamento ferroviário. A cidade conta com três estações de trem. Uma delas, a gigantesca Hankou, de estilo soviético, amanheceu com os acessos bloqueados por cercas e furgões policiais que impedem o acesso ao terminal. Garis de macacão laranja, portando equipamentos de fumigação às costas, conversam numa esquina da esplanada vizinha. Completa a estranha imagem o serviço de megafonia que ecoa nos arredores, uma voz que anuncia sem descanso que desde das 10h de quinta-feira (23h de quarta em Brasília), e até segunda ordem, Wuhan é uma cidade fechada, na qual não se pode entrar ou sair.
Quando alguns poucos transeuntes se detêm em frente à estação para tirar fotos ou se abrigar da chuva vespertina, os policiais optam por ampliar o perímetro de segurança e esvaziar a área. Uma das pessoas obrigadas a se deslocar é Xiao Xue, uma moça que carrega uma volumosa sacola de plástico e duas malas com todos os seus pertences. “Trabalho como garçonete num hotel perto daqui, mas fecharam”, conta, e então desata a chorar. “Não sou daqui, não sei o que fazer com as minhas coisas, não sei para onde ir.”
A última surpresa do dia aguarda este repórter na volta ao hotel, uma grande torre com capacidade para 500 pessoas, mas na qual só há 17 hóspedes registrados. Do outro lado da porta, uma funcionária espera com um termômetro digital na mão, atrás de uma mesa que oferece toalhinhas desinfetantes e máscaras. “Temos que medir a temperatura de todo mundo que entra, é muito importante”, desculpa-se. Fez tentativas infrutíferas na têmpora, testa e orelha. Por fim, o antebraço serve. A um apito se segue, após dois segundos de inquietação, uma luz verde. 36,3°C, mostra a tela. “Adiante, bem-vindo.”
Hospital
Além de colocar em quarentena ou fechar o transporte em Wuhan e mais uma dúzia de cidades nas proximidades, medida que afeta mais de 41 milhões de pessoas, a China planeja construir a toque de caixa um hospital que estará pronto em apenas 10 dias e centralizará o tratamento desses pacientes. Segundo dados mais recentes, o novo coronavírus que já causou pelo menos 26 mortes e infectou 894 pessoas no país e em outras 16 em outras nações.
O hospital, conforme noticiado pela TV estatal CCTV, será construído na periferia ocidental da cidade, próximo ao que antes era um complexo de descanso para os trabalhadores. As obras começaram nesta quinta-feira e devem ser concluídas na segunda-feira, 3 de fevereiro.
A ideia de montar um hospital e encaminhar os infectados com o coronavírus para lá reproduz o que foi feito em 2003 durante a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que deixou mais de 700 mortos. Na época, Pequim ordenou a construção de uma clínica especializada, a de Xiaotangshang, nos arredores ao norte da capital. Cerca de 7.000 trabalhadores levaram apenas uma semana para construir a unidade.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.