Tiroteio em escola no México revela uma história familiar criminosa

Autoridades investigam massacre realizado por um assassino de 11 anos em sua escola em Torreón e se deparam com trama que inclui sonegação de impostos e tráfico de drogas

Soldado faz a segurança do lado de fora da escola.Monica Gonzalez (El País)

No dia 10 de janeiro, quando um garoto de 11 anos entrou com duas armas em sua escola em Torreón, no norte do México, e as usou para matar uma professora e ferir um professor e cinco alunos antes de se suicidar, o governador do Estado, Miguel Ángel Riquelme, sugeriu que o menino tinha tentado recriar um videogame violento. Uma semana depois, as histórias que vieram à tona depois do ataque parecem sugerir uma possibilidade muito mais próxima: que o garoto tenha sido influenciado por uma realidade violenta.

A avó materna de José Ángel, o autor do tiroteio no Colégio Cervantes de Torreón, no Estado de Coahuila, foi morta a tiros quando ele tinha três anos. O pai foi condenado a quatro anos de prisão nos Estados Unidos por tráfico de anfetaminas. A mãe morreu durante uma cirurgia quando ele tinha cinco anos. Seus avós paternos, que o criaram, agora estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e fraude fiscal: as autoridades descobriram que ambos tinham contas com movimentações milionárias que envolvem empresas suspeitas, e que são donos de vários veículos de luxo, incluindo carros blindados.

Embora as primeiras investigações feitas por peritos do Ministério Público tenham mostrado que o jovem colecionava videogames violentos e possuía armas de brinquedo, as descobertas não foram suficientes para explicar o que levou o garoto a atacar sua escola. A principal pergunta que as autoridades fizeram foi como um garoto de 11 anos tinha uma arma de calibre 22 e outra de calibre 40, de uso exclusivo de agentes de segurança. Os peritos investigaram o registro das armas, que estavam na casa dos avós paternos de José Ángel –com quem ele morava depois da morte da mãe– e o procurador Gerardo Márquez determinou que eram de propriedade do avô, também chamado José Ángel, e que ele não tinha porte de armas. Conversas telefônicas divulgadas por vários veículos de comunicação mexicanos, supostamente obtidas dos celulares do homem de 58 anos, poderiam comprometê-lo judicialmente.

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Uma dessas transcrições descreve o seguinte diálogo do avô do atacante com uma filha: “Ele queria fazer isso, não consegui detê-lo, era a vontade dele, filha”, diz José Ángel depois do tiroteio. E a filha responde: “Por que você deu a ele, papai? Você vê o que acontece? Quando vi isso, não fiquei surpresa, sabia que era você quem as tinha dado a ele”. Em outras mensagens, o homem exclama: “Agora é tarde demais, ele a ferrou com a minha arma!”.

O que começou como uma investigação para esclarecer o tiroteio se tornou uma trama que mantém no centro das atenções o Ministério Público do Estado de Coahuila, ao qual pertence a cidade de Torreón. O avô continua preso desde a noite de 13 de janeiro e o Ministério Público o acusa do crime de homicídio por omissão. Neste domingo aconteceria uma audiência inicial em que as autoridades esperavam implicá-lo ao processo.

Uma sociedade atingida pela violência

A tragédia do Colégio Cervantes abalou uma comunidade que tenta curar as feridas deixadas pela disputa territorial entre grupos criminosos. Há quase uma década Torreón era uma cidade sequestrada pela violenta luta entre Los Zetas e o Cartel de Sinaloa. Faz parte de uma grande área metropolitana conhecida como La Laguna, que reúne nove cidades, entre elas as de Lerdo e Gómez Palacio, do vizinho Estado de Durango, e onde vivem quase dois milhões de pessoas. Segundo dados oficiais, 3.536 homicídios foram registrados entre 2007 e 2012, além de centenas de sequestros. Foram dias nefastos, lembra Javier Garza, um dos jornalistas mais conhecidos do México. Naquela época Garza era diretor editorial do El Siglo de Torreón, o principal jornal da região, e lembra que a redação sofreu cinco atentados e cinco de seus trabalhadores foram sequestrados e torturados.

Um dos assassinatos daquela época foi o de Ana Isabel Yáñez, a avó materna de José Ángel, em 2 de julho de 2010. A mulher, conforme relatou a imprensa local, foi morta com vários tiros e o corpo foi abandonado no Parque Nacional Raymundo, uma área de lazer dos habitantes de La Laguna. A autópsia apontou que ela morreu devido aos impactos das balas que recebeu na cabeça, no tórax e nos órgãos vitais. Garza, cuja equipe cobriu a violência na região apesar das ameaças, escreveu nos últimos dias que a mulher era companheira de Arturo Hernández, conhecido como El Chaky, chefe do Cartel de Juárez em La Laguna. Quando a avó morreu dessa maneira tão brutal, José Ángel tinha três anos. Alguns anos depois perderia a mãe e sofreria a ausência do pai, que em 2017 foi preso nos Estados Unidos por tráfico de anfetaminas. As autoridades o condenaram a quatro anos de prisão, dos quais cumpriu pouco mais de dois anos e em outubro do ano passado foi libertado e deportado para o México.

Os moradores de Torreón entrevistados por este jornal contam que nada faltava ao garoto. Gostava de aparelhos tecnológicos e frequentava as aulas com um iPhone de última geração, um relógio iWatch e também brincava com drones. Por isso era admirado pelos colegas. Todos os entrevistados em Torreón mantiveram um silêncio eloquente quando perguntados sobre o estilo de vida dos avós do menino.

Quando a polícia prendeu o avô de José Ángel na semana passada, as autoridades investigaram suas contas bancárias. Descobriram que o homem administrava saldos milionários, com fluxos de dinheiro superiores a 120 milhões de pesos (cerca de 26,75 milhões de reais) que transferia para empresas investigadas pelas autoridades. Também encontraram seis veículos de luxo, entre eles três BMWs. As contas da avó do menino também apresentavam fluxos irregulares, com transferências para os Estados Unidos que estão sendo investigadas por serem consideradas suspeitas. Ela é dona de três veículos blindados. As autoridades afirmam que nenhum dos dois apresenta declaração de imposto de renda. Santiago Nieto, diretor da Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do México, disse à imprensa que as contas bancárias os avós serão bloqueadas e que eles serão investigados por lavagem de dinheiro e fraude fiscal.

Gerardo Márquez, procurador do Estado de Coahuila, disse ao EL PAÍS que durante as buscas na casa dos avós de José Ángel foram encontradas “algumas inconsistências” relacionadas ao estilo de vida da família, razão pela qual “quisemos determinar qual era a renda deles, o que lhes proporcionava dinheiro, quais eram suas profissões”. Isso permitiu descobrir as irregularidades nas contas bancárias dos avós do menino.

Na sexta-feira, as portas da escola Cervantes foram reabertas. As crianças assistiram às aulas com seu mundo escolar abalado: não apenas sofrem o trauma da violência de uma semana atrás –as autoridades estaduais de educação anunciaram que darão assistência psicológica aos alunos, professoras e pais– mas agora devem se submeter a medidas de segurança estranhas para elas. Detectores de metal foram instalados nas entradas da escola fundada em 1940. Os alunos estão proibidos de carregar mochilas ou lancheiras e, se o fizerem, estas devem ser transparentes. Enquanto isso, em um hospital local, estão em convalescença os feridos pelas balas que um garoto de 11 anos, com uma vida cercada de violência, disparou em uma fria manhã de janeiro.

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