Deputadas turcas cantam ‘Um estuprador em seu caminho’ pelas que não podem protestar na rua

Congressistas se manifestam diante do ministro do Interior após a policia reprimir uma marcha feminista

Deputadas turcas cantam "Um violador em teu caminho" no Parlamento.Vídeo: EPV
Istambul -

Quando o coletivo chileno Lastesis criou a letra e a coreografia da canção Um estuprador em seu caminho, provavelmente não imaginou que a mensagem daria a volta ao mundo até se converter em um hino contra o patriarcado, e muito menos que seria cantada na cara do ministro do Interior, o direitista Suleyman Soylu, no Parlamento da Turquia. Aconteceu na noite de sábado passado, quando várias deputadas da oposição entoaram a canção enquanto batiam nas mesas, em protesto contra a repressão violenta feita pelo Governo a várias mulheres que interpretavam a coreografia uma semana antes em Istambul. Várias das manifestantes foram detidas.

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“Há uma coreografia que começou no Chile e se estendeu por todo o mundo para chamar a atenção sobre a violência contra as mulheres. Graças a você, a Turquia é o único país do mundo onde este protesto foi atacado, de modo que temos algumas coisas para te dizer, senhor ministro”, disse a deputada Sera Kadigil durante a sessão no plenário. Enquanto os deputados do Partido Republicano do Povo (CHP) exibiam retratos de algumas das 305 mulheres assassinadas neste ano no país, as deputadas entoaram a canção de Lastesis.

A pressão das organizações feministas fez com que o Governo instituísse uma comissão para pesquisar várias mortes suspeitas de mulheres. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, prometeu que fará todo o possível para pôr fim a estes crimes. A oposição, no entanto, não parece otimista. Eles denunciam que, desde a chegada ao poder do partido islamista de Erdogan, em 2002, os crimes machistas se multiplicaram.

Mulheres turcas interpretam a coreografia de 'Um estuprador em seu caminho', este domingo em Istambul.YASIN AKGUL (AFP)

Aysu Bankoglu, deputada do CHP, afirma que a canção chilena pegou com tanta força na Turquia porque reflete a “mentalidade patriarcal” que impregna as instituições do Estado: “O Governo trata a mulher não como um indivíduo, mas como uma parte insolúvel da família, e isso contribui à discriminação e à violência”. Como exemplo, cita ainda os variados motivos pelos quais juízes aplicam reduções nas penas de condenados por violência doméstica. “O acusado põe gravata durante o processo e o juiz estima que teve um bom comportamento durante o julgamento e lhe reduz a sentença de prisão”, conta a deputada.

O problema não são tanto as leis, alerta Bankoglu — a Convenção de Istambul de combate à violência contra as mulheres foi assinada em 2011sob o auspício do atual Governo turco—, senão sua aplicação ou falta dela. “Há poucas medidas de proteção para as vítimas, falta conscientização nos tribunais e entre os governantes. “Por isso fizemos este protesto no Parlamento, porque os responsáveis pelo Estado são os que estão em posição de acabar com esta violência.”

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