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E se as mulheres estiverem administrando a crise do coronavírus muito melhor que os homens?

De Donald Trump a Boris Johnson, passando por Jair Bolsonaro, a liderança populista masculina demonstrou que seu estilo personalista não é do que precisamos neste momento

Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, demonstrou liderança e empatia durante um discurso de oito minutos transmitido pela televisão em 21 de março.
Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, demonstrou liderança e empatia durante um discurso de oito minutos transmitido pela televisão em 21 de março.MARK MITCHELL (AFP)
MIQUEL ECHARRI
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‘Merkelmania’ aponta o êxito da chanceler cientista durante a pandemia

Os primeiros meses de 2020 entrarão para a história como um período em que as lideranças políticas foram realmente postas à prova. Até então, muitas sociedades democráticas estavam instaladas no que Michaela Kerrissey, especialista em gestão de saúde pública da Universidade Harvard, descreve como “uma fase de pensamento mágico”, uma espécie de miragem coletiva: “Nos últimos cinco anos, assistimos a uma proliferação de líderes de competência muito duvidosa que foram escolhidos pelos radicalismo de suas pautas ideológicas e de seus estilos de comunicação”.

Kerrissey se refere a dirigentes “sem capacidade de gestão nem estatura de estadistas”, como o indiano Narendra Modi, o filipino Rodrigo Duterte, o nicaraguense Daniel Ortega e o brasileiro Jair Bolsonaro, mas também “com matizes” ao norte-americano Donald Trump, ao britânico Boris Johnson e ao mexicano Andrés Manuel López Obrador. Para ela, são os representantes de um retorno a “modelos de liderança caduca” como o do “homem providencial”.

Para o jornalista David Robson, autor do tratado de gestão estratégica The Mind Trap (“a armadilha mental”), a crise da covid-19, na hora da verdade, fez “milhões de cidadãos de todo o mundo constatarem com horror que tinham entregado aos loucos a chave do manicômio”. Robson ressalta que é difícil resistir ao feitiço das lideranças providenciais, “porque alguns deles funcionaram ou pareceram funcionar bem no passado”.

É o caso de Winston Churchill, o homem que liderou a Grã-Bretanha na Segunda Guerra Mundial. “Mas Churchill não era um ignorante nem um demagogo e, sobretudo, não era um louco”, argumenta o jornalista, “Não desprezava a evidência racional, não pretendia resolver os problemas com ideias inusitadas”. Kerrissey concorda com Robson, mas alerta que não é o momento de procurar um novo Churchill. Não é sensato nem eficaz tentar reproduzir modelos de liderança que caducaram no final do século XX. Se é para procurar um modelo histórico de liderança em circunstâncias extremas, especialistas como Dennis Perkins propõem o explorador irlandês Ernest Shackleton.

“Não se pode edulcorar a verdade nem optar por uma linha de comunicação ambígua, que gere dúvidas entre a população e dificulte a criação de consensos”, adverte Anjen Boin

Em sua expedição à Antártida em 1914, ele e sua tripulação de 27 exploradores ficaram presos no gelo e sobreviveram a 634 dias de fome, temperaturas extremas e absoluto isolamento. Um feito formidável que se explica, segundo Perkins, “pelas excepcionais qualidades de liderança sobre um grupo humano exibidas por Shackleton”, um líder “ético e moral”, que se esforçou sobretudo para “combater o medo e a ansiedade, nunca renunciar ao pensamento racional, conservar o otimismo, construir uma cultura da tenacidade, da criatividade e da iniciativa e tratar seus colegas com respeito, afeto e empatia”.

Arjen Boin, cientista político da Universidade de Leiden (Países Baixos), tinha muito presente o exemplo de Shackleton quando escreveu The Politics of Crisis Management (“as políticas da gestão de crise”). Publicado em 2005 e centrado em grande parte na resposta política a situações como o furacão Katrina, o tratado de Boin parte de uma tese que ultimamente soa mais atual do que nunca: “Uma liderança eficaz em condições extremas consiste tanto em agir corretamente no terreno como em desenvolver uma narrativa convincente que seja assumida pelo conjunto da população e permita, portanto, tomar decisões difíceis e adotar medidas traumáticas sem que gerem uma resistência excessiva”.

Boin insiste em que esse relato deve ser, além de coerente, “honesto”. Não se pode “edulcorar a verdade” nem optar por uma linha de comunicação ambígua, que gere dúvidas entre a população e dificulte a criação de consensos. Na opinião de Robson, foi justamente isso que o Governo britânico fez quando declarou sua intenção de permitir contágios maciços entre a população não vulnerável, para desenvolver assim a chamada imunidade de rebanho: “Boris Johnson chegou a afirmar que essa estratégia causaria milhares de mortes, mas que era a que os especialistas recomendavam e a que convinha adotar”, recorda Robson, “mas a reação fez que retificasse muito pouco depois, adotando um modelo de confinamento maciço similar ao italiano, espanhol e francês”.

O presidente sul-coreano, Moon Jae-In, exerceu uma gestão eficaz apesar da proximidade com a China.
O presidente sul-coreano, Moon Jae-In, exerceu uma gestão eficaz apesar da proximidade com a China. Getty Images

A outra receita de Boin reivindicada por Robson consiste em “envolver a população dizendo o que se espera dela e como ela pode contribuir de maneira eficaz para a superação da crise”. Neste aspecto, segundo Robson, poucos líderes são tão modelares como a primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern: “Já havia demonstrado isso com seu discurso sobre os atentados de Christchurch [que causaram 50 mortos em março de 2019] e acaba de confirmar agora, com um estilo de comunicação simples, empático e direto, sem ambiguidades nem falsas certezas”.

Para Michaela Kerrissey, o discurso de oito minutos que Ardern apresentou pela televisão em 21 de março “é uma obra-prima da comunicação política em situações de emergência. Fez uso dos níveis de alarme ativados na Nova Zelândia em caso de incêndio, um código com o qual seus cidadãos estão muito familiarizados: quando disse que a crise da covid-19 é um nível de alerta quatro, os neozelandeses entenderam perfeitamente a que estava se referindo e souberam avaliar a nova situação quando esse nível de alarme passou de quatro para dois”.

Para Kerrissey, Ardern construiu uma narrativa sólida sem cair em nenhum dos dois relatos extremos que esta crise gerou, “nem no excesso de otimismo dos que afirmavam sem nenhum fundamento que a epidemia não chegaria aos seus países, nem no discurso de um belicismo desfocado dos que insistem em que esta pandemia é uma guerra e precisa ser encarada como tal”.

Em geral, os dirigentes e estadistas que nesta crise deram exemplos de boa gestão e de liderança moderna e eficaz (mais participativa que providencial, mais Shackleton que Churchill) são mulheres, caso da já mencionada Jacinda Ardern, da norueguesa Erna Solberg, da taiwanesa Tsai Ing-wen, da islandesa Katrín Jakobsdóttir, da dinamarquesa Helle Thorning-Schmidt e da alemã Angela Merkel, uma veterana que parece estar dando o melhor de si mesmo nas piores circunstâncias, e a quem seus compatriotas já se referem como “a chanceler cientista”.

A imprensa internacional também tem destacado positivamente exemplos de liderança masculina como a do português António Costa, o grego Kyriakos Mitsotakis e o sul-coreano Moon Jae-in. Mas, como sugere David Robson, que sejam sobretudo mulheres as que estão se destacando por sua eficácia e capacidade de gerar amplos consensos “não pode ser uma simples casualidade”, num mundo esmagadoramente regido por homens. Kerrissey observa que “embora seja apressado tirar conclusões, talvez exista um patrão feminino de gestão e comunicação que é particularmente eficaz em casos de emergência”. É preciso estudá-lo.

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