A família em torno de Greta Thunberg
A ativista sueca foi acusada sem provas de ser uma marionete de seus pais ou de interesses obscuros, mas quem a conhece garante que ela é “sua própria chefa”
Greta Thunberg foi recebida como heroína em Lisboa ao descer com outros cinco passageiros de um pequeno barco a vela com o qual tinham cruzado o Atlântico para não poluir. Mas nessa recepção, no dia 3, houve um viajante que não apareceu na entrevista coletiva no píer: o pai da ativista adolescente, Svante. Ele sempre a acompanha, mas fica em segundo plano. Tampouco manda em sua filha, dizem numerosas pessoas que convivem com a “personalidade do ano” escolhida pela revista Time, a adolescente sueca de 16 anos que inspirou um movimento global para lutar contra a crise climática.
Desde que se tornou conhecida, há 15 meses, Thunberg é alvo de suspeitas de que alguém está por trás dela. Seus pais, agências de publicidade ou o bilionário George Soros foram apontados em teorias da conspiração que acabaram sendo desmanteladas. Seu entorno afirma que ela é “sua própria chefa” e sua desenvoltura em público transmite essa sensação.
Durante sua permanência em Madri, do dia 6 ao 11, para a Cúpula do Clima da ONU, Thunberg esteve rodeada de um punhado de pessoas de confiança. Além de Svante, foi acompanhada por Erika Jangen, uma amiga da família que a conhece desde que nasceu. Um grupo reduzido de assistentes, pessoas com experiência no mundo do ativismo climático, ajudou-a com a agenda. Sua mãe, Malena Ernman, e sua irmã, Beata, dois anos mais nova que Greta, permaneceram na Suécia.
Segundo o relato familiar, não são os pais que influenciam a menor, mas sim o contrário. Greta caiu aos 11 anos em uma forte depressão que a levou a parar de comer e de conversar com estranhos. Diagnosticada com síndrome de Asperger, ela diz que sua paixão por salvar o planeta se deve em parte à forma de ver o mundo de uma pessoa autista, capaz de concentrar toda a sua atenção e todos os seus esforços em um único tema. Sua mãe, uma famosa cantora de ópera que representou a Suécia no festival Eurovision de 2009, e seu pai, um ator de teatro, mudaram sua forma de pensar graças a ela. Tornaram-se veganos, reduziram seu consumismo e pararam de viajar de avião. Relataram isso no livro Nossa Casa Está em Chamas, a versão em português de uma autobiografia familiar lançada na Suécia em 23 de agosto de 2018 com o título de Scener ur Hjärtat (Cenas do coração).
Três dias antes da publicação do livro, Greta tinha iniciado seu histórico protesto. Instalou-se sozinha diante do Parlamento sueco com um cartaz que dizia “Greve escolar pelo clima”, publicou sua foto nas redes sociais, e a revolução começou. A imagem de uma estudante de 15 anos que não ia às aulas para se manifestar em defesa do meio ambiente viralizou, e em poucas horas apareceram os primeiros jornalistas suecos, dos jornais Dagens ETC e Aftonbladet. Ajudou o fato de a Suécia estar a poucos dias da realização de eleições gerais. O jornal britânico The Guardian, que há anos dá uma atenção especial ao clima, foi o primeiro veículo de comunicação internacional a entrevistá-la, na semana seguinte. Depois vieram os convites para dar uma palestra TED em Estocolmo, ir a fóruns internacionais, as manifestações em massa e assim por diante até hoje.
No livro, assinado pelos quatro membros da família, mas narrado na voz da mãe, os pais de Greta se apresentam como duas pessoas que acreditam com firmeza na causa. Contam de maneira explícita as brigas, insultos e choros em um lar em crise devido à condição das duas pequenas. Beata foi diagnosticada com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. As doenças mentais que proliferam no Ocidente são, como relatam, a manifestação em nossa parte do mundo da crise de sustentabilidade gerada por um modelo que gira em torno do crescimento sem limites. As consequências desse sistema em outros continentes seriam as secas, os deslizamentos de terras e o aumento do nível do mar.
Foi durante as férias que Greta teve a ideia de iniciar a greve escolar. Inspirou-se nos adolescentes americanos do movimento Zero Hour, frustrados pela passividade dos políticos em relação ao clima. Seus pais, meio reticentes no início, apoiaram-na ao ver o entusiasmo despertado por sua filha, até então triste e avessa a se relacionar com estranhos.
Greta já havia previsto que sua greve atrairia a atenção da mídia. Nos dias anteriores, sua energia aumentou e, durante suas férias, fazendo trilha na área do lago Trollsjön, na Lapônia sueca, não parava de perguntar ao seu pai como deveria fazer. Svante a orienta.
− Você vai ouvir toda hora: “Foram seus pais que lhe disseram que fizesse isso?”.
− Então vou responder a verdade. Que fui eu que influenciei vocês, e não o contrário.
Em seu primeiro discurso em público, na praça Nytorget de Estocolmo em 8 de setembro do ano passado, o público deu a Greta uma sonora ovação. Uma mulher ao lado de Svante lhe perguntou se ele estava orgulhoso. “Não, não estou orgulhoso, só muito feliz porque vejo que Greta está bem”.
“Só estou aqui como pai”
Em público, Greta já deu muitas amostras de estar no controle da situação, inclusive durante sua estadia na Península Ibérica. Quando os repórteres cruzavam com Greta em Lisboa ou Madri, nenhum adulto se interpunha. Em uma ocasião, enquanto tomava suco com seu pai e os companheiros da viagem de barco na Praça do Comércio, saiu sozinha do estabelecimento para pedir a alguns jornalistas que por favor não os gravassem no local.
“É ela que está interessada, que está motivada, que faz com que seu pai se mova, foi ela que teve essas ideias”, diz Riley Whitelun, o navegante australiano que ofereceu seu barco para levá-la dos EUA para a Europa. Durante 21 dias, conviveu com eles no catamarã e viu que as teorias de que ela seria uma marionete são falsas: “Não se pode esconder uma farsa dessa magnitude 24 horas por dia”.
Nem Greta nem Svante quiseram fazer declarações para esta reportagem. “Só estou aqui como pai”, limitou-se a dizer Svante na terça-feira, enquanto esperava que sua filha terminasse uma reunião na Cúpula do Clima com Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos. “É ela que decide o que quer fazer, aonde vai e o que diz”, afirma Alejandro Martínez, um espanhol de 25 anos que participou de reuniões com Thunberg e sua equipe em Madri.
Thunberg também consulta um grupo de destacados cientistas climáticos, entre eles Kevin Anderson, professor da Universidade de Manchester, e Johan Rockström, diretor do Instituto de Postdam para os Estudos Climáticos.
Sua turnê pela América do Norte e Europa foi custeada pela família. Ela pode cobrir parte dos gastos graças a dois documentários que está gravando. Um deles é filmado por uma equipe da BBC que teve acesso exclusivo a ela em Lisboa e Madri.
Greta decidiu limitar sua exposição pública após sua chegada à Europa. Nos Estados Unidos, tinha aparecido em programas de televisão de grande audiência, como os de Ellen DeGeneres e Trevor Noah. Também se deixou ver com o ex-presidente Barack Obama e com os atores Leonardo DiCaprio e Arnold Schwarzenegger.
Se quisesse, teria aparecido em todo lugar em Madri. Autoridades, políticos, artistas e jornalistas quiseram aparecer com ela, segundo seu entorno, mas ela disse chega. A bola da mídia foi longe demais e ela sentiu que sua voz estava impedindo que fossem ouvidos outros ativistas do movimento contra a mudança climática, como cientistas ou pessoas dos países mais expostos a desastres naturais.
“A atenção da mídia é completamente desproporcional em relação à que deveriam ter os cientistas ou os líderes jovens do Sul global”, diz Luisa Neubauer, que apresentou juntamente com Greta dois painéis na Cúpula do Clima.
Greta, que tirou um ano sabático em sua escola secundária, ainda não anunciou seus planos para 2020. Agora ela está viajando para a Suécia com seu pai, de trem, ônibus e carro elétricos, para passar o Natal em família. Apesar do perfil mais discreto, seu círculo acredita que a ativista recarregará as energias para seguir em frente, porque, como ela disse mais de uma vez, esta luta deu à sua vida “um significado”.
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