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Na verdade, só temos cinco amigos. A pandemia nos ajudou a ver isso

Um estudo do psicólogo Robin Dunbar, de Oxford, afirma que os humanos podem manter, em média, apenas um punhado de relações íntimas

Jovens em um píer no mar de Southend, no Reino Unido, em 30 de março de 2021.
Jovens em um píer no mar de Southend, no Reino Unido, em 30 de março de 2021.John Keeble (Getty Images)

Priscilla Chan conheceu o marido, Mark Zuckerberg, na fila para ir ao banheiro em uma festa em Harvard. Era 2003 e Zuckerberg estava com problemas na universidade por causa do Facemash, programa de seleção e descarte de imagens de mulheres que, sob a pergunta “Qual é a mais atraente?”, usava ilegalmente as fotos do arquivo universitário das alunas. Anos antes, o pequeno Mark havia criado um sistema de mensagens instantâneas chamado Zuckernet, que alertava seu pai quando os pacientes chegavam ao consultório odontológico dele. Desde muito jovem, o fundador do Facebook, o rei Midas do século 21, sabia que a conexão entre as pessoas é tudo.

Durante a pandemia, um dos experimentos sociais mais chocantes ocorreu bem debaixo de nosso nariz. O coronavírus nos forçou a desenhar o mapa de nossas conexões. Neste novo atlas, a noção de amizade resplandece como uma pedra antiga. Sabemos que é muito importante e também sabemos que é um mistério. Por isso, já faz alguns anos que a antropologia, a sociologia, a psicologia e também a zoologia, a biologia e a neurociência vêm estudando o funcionamento e o efeito das relações de amizade em nossa jornada de vida. E, repetidamente, a conclusão é que, se tivermos as necessidades básicas atendidas, o vigor e o número de nossos relacionamentos pessoais são decisivos para viver uma vida boa. Neste mundo irremediavelmente materialista, essa descoberta é um tsunami científico que deveria nos levar a repensar muitas coisas.

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Cada 20 de marzo desde 2012 la ONU publica su World Happiness Report, coincidiendo con el Día Internacional de la Felicidad. En él encontramos un listado de los países más felices del planeta que, en 2017, encabeza Noruega (España ocupa el puesto 34). En el país escandinavo existe una palabra complicada de traducir al castellano, koselig, que remite a la sensación de bienestar y calidez, ligada al sentimiento de pertenencia a un grupo, a una comunidad, transmite esa idea de felicidad a la noruega. Tierra de vikingos, de Ibsen, de Grieg, de Munch. Los fiordos de Nærøyfjord y Undredal llenándose de turistas (por algo será). Auroras boreales. Su vibrante capital, Oslo. Ciudades como la bella Bergen y, al noroeste, Ålesund, con su arquitectura 'art nouveau'. En la foto, el mirador de Snohetta en parque nacional de Dovrefjell.
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Não é fácil entender o impacto dos laços de amizade. O sistema social das relações humanas é uma selva de símbolos e é difícil encontrar o código. Mas existem algumas pistas. Em 1993, o zoólogo, antropólogo e psicólogo Robin Dunbar, da Universidade Oxford, publicou um artigo na revista Behavioural and Brain Sciences em que afirmava que há uma correlação direta entre o número de neurônios neocorticais e o número de relações sociais que podemos administrar. De acordo com esse argumento, com base em seus estudos de observação de primatas, os humanos podem conseguir se relacionar de forma próxima e pessoal com um grupo de aproximadamente 150 indivíduos. Essa abordagem —algo polêmico e contestado por outros estudos, como um recente do professor Johan Lind, da Universidade de Estocolmo, segundo o qual não há limite numérico quando falamos em relações humanas— agora tem uma segunda parte.

Em seu novo estudo, Friends: understanding the power of our most important relationships (amigos: compreendendo o poder de nossos relacionamentos mais importantes), Dunbar conclui que os humanos têm a capacidade de manter uma média de cinco amizades íntimas. “São os amigos mais próximos, mas esse número também pode incluir parentes de quem nos sentimos muito próximos. Pode até haver a circunstância em que essas cinco pessoas sejam todas da família”, explica o antropólogo britânico por e-mail. O número baixo deriva do fato de que criar e manter esse tipo de relacionamento é muito custoso, tanto em termos de tempo despendido —dedicamos 40% do nosso tempo social a eles— como de mecanismos cognitivos: são relações que exigem constância, atenção e manejo de informações abstratas e relacionais, não factuais. É um ato recíproco de entrega, visto que estes cinco magníficos são aqueles com quem mais contatamos, em quem mais pensamos, dos quais muito esperamos e queremos saber tudo.

Para Dunbar, a irrupção do vírus mudou nossa rede de relacionamentos, mas não tanto quanto pensávamos. “Algumas amizades individuais podem desaparecer e novas podem ser criadas, não tanto por causa das bolhas e distâncias sociais, mas por não podermos ver alguém com a frequência que costumávamos ver. As amizades permanecem estáveis enquanto vemos a pessoa com a frequência necessária”, diz ele. Podemos ter feito novos amigos, mas eles provavelmente não substituirão nossos melhores amigos. Poderiam, sim, deslocar os amigos de “segundo nível”, aqueles que não são tão próximos, ele conclui.

“Achava que era o único”

As amizades mudam perspectivas de vida. Os escritores C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien tornaram-se amigos enquanto passeavam pela Universidade Oxford, a mesma onde Dunbar trabalha. “A amizade nasce no momento em que uma pessoa diz para a outra: ‘Como? Você também? Pensei que fosse o único”, escreveu Lewis. Em uma noite de conversa, Tolkien convenceu Lewis a confiar em sua imaginação, e Lewis encorajou Tolkien a compartilhar suas histórias no clube de leitura, o que lhe deu força para escrever sem medo.

A amizade é benéfica, mesmo do ponto de vista biológico. Um encontro entre amigos pode alterar a pressão arterial, a secreção de adrenalina, o sistema imunológico e os padrões de sono. “A amizade está associada a todo tipo de substâncias químicas em nosso corpo que nos fazem sentir bem, como a serotonina e a dopamina, que são a forma como nosso cérebro nos recompensa por comportamentos que são bons para nós”, explica por e-mail a etologista Lauren Brent, da Universidade Exeter. São relações de reciprocidade positivas para nossa saúde, nosso bem-estar e nossa longevidade. É por isso que dói tanto perder alguém próximo e querido. Agora que a pandemia não perdoa, multiplicam-se os que vivem na carne as palavras do poeta Miguel Hernández dedicadas ao amigo morto Ramón Sijé: “Não há tamanho maior que o da minha ferida, choro a minha desventura e seus apêndices”.

Um espelho

O tempo passa, o mundo muda, mas os laços sociais continuam a ser o nosso espelho. Também em tempos de pandemia. Um grupo de pesquisadores britânicos analisou mais de 6.600 pessoas em 114 países e a conclusão é que aqueles que achavam que seu círculo social próximo aderia às diretrizes de distanciamento tinham maior probabilidade de fazer o mesmo. “O que vemos é que as pessoas não seguem as regras porque se sentem vulneráveis ou pessoalmente convencidas, mas a escolha é feita com base na influência social”, argumenta, por email, Bahar Tunçgenç, pesquisadora da Escola de Psicologia da Universidade de Nottingham. Tunçgenç reconhece que ficou surpresa com o impacto e a força desses laços familiares e de amizade no enfrentamento do vírus, uma pista muito importante na hora de planejar políticas públicas sociais.

É claro que a família e os amigos —se a relação for positiva— nos ajudam a viver mais e melhor. Com uns e outros temos um compromisso social e pessoal, um contrato de reciprocidade assinado em tinta invisível. É por isso que é complexo navegar nos meandros das regras não escritas de uma amizade. Mas nunca se deve jogar a toalha. Como no filme Ghost world —aprendendo a viver, em que a personagem de Enid (Thora Birch) quer que sua amiga Rebecca (Scarlett Johansson) veja o mundo como ela, fazendo-a escutar a dureza do blues do Delta, mostrando-lhe discos como Devil got my woman, de Skip. James. Não consegue, mas pronuncia a frase mágica: “Aconteça o que acontecer, sei que posso contar com você”.

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