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Simone Biles, bronze na trave, ouro em coragem

No seu retorno à competição, a ginasta norte-americana é a terceira em um aparelho em que sabia que não venceria

A ginasta norte-americana Simone Biles durante a final no exercício da trave.
A ginasta norte-americana Simone Biles durante a final no exercício da trave.MIKE BLAKE (Reuters)
Carlos Arribas
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Tokyo (Japan), 27/07/2021.- Simone Biles of the USA performs on the Vault during the Women's Team final during the Artistic Gymnastics events of the Tokyo 2020 Olympic Games at the Ariake Gymnastics Centre in Tokyo, Japan, 27 July 2021. (Japón, Estados Unidos, Tokio) EFE/EPA/HOW HWEE YOUNG
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Parecia uma estreia de Hollywood ou algo assim, sem tapete vermelho, mas com o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach —camiseta cinza, apesar do frio com o ar condicionado no máximo— na primeira fileira do canto do aparelho da trave. Ali estava Simone Biles, a estrela que retornava depois de uma semana de recuperação de uma crise— “um bloqueio mental”, explicou ela, que a impedia de se orientar no espaço: estava “perdida no ar e não sabia como diferenciar o teto de chão”. Os gritos estridentes de fãs alucinados ecoam quando a apresentam.

Simone Biles está de volta, e o mundo respira, depois de se preocupar tanto com ela e com as consequências para a saúde do esporte de elite, a loucura da competição, a pressão, a depressão, a ansiedade. No pavilhão Colegiala, a cúmbia de Walter León, aquela da carinha de coquete, soa no pavilhão, e é inevitável acompanhar o ritmo, a alegria.

E ela não para de sorrir do início da competição até o último segundo, apenas 15 minutos, oito apresentações de 70 segundos e, no intervalo, minutos de angústia à espera da pontuação. Sorri com seu enorme sorriso de grandes dentes felizes ao tirar a máscara para a foto, sorri com os olhos até o último segundo no pódio com a medalha de bronze no pescoço, sorri mesmo enquanto o hino da China toca em homenagem à nova campeã olímpica da trave, uma garota de apenas 16 anos, Guan Chenchen, que crava um exercício mais arriscado e difícil; e, como esperado, como Biles já sabia, uma chinesa também é a segunda, Tang Xijing.

“Já estava orgulhosa de mim mesma simplesmente por estar lá depois do que passei”, disse ela mais tarde. “Não esperava nem buscava uma medalha. Só queria estar aqui por mim, e foi isso que eu fiz.” Seu lugar foi o terceiro, e o aceita como um triunfo, como teria aceitado ser a oitava, porque sua vitória é outra, e já disse isso há pouco tempo, quando superou sua crise treinando em uma academia de Tóquio, caindo em colchonetes macios, deixando que o tempo e a calma a curassem, e à tarde, animando as colegas, sua fã mais devota: “Achei que fosse admirada pelas medalhas, mas comprovei que gostam de mim por ser a pessoa que sou”.

Precisava voltar. Ela, a maior, não poderia deixar que sua última atuação em uma competição de ginástica fosse a do salto que não soube voar na terça-feira passada no campeonato por equipes. Uma aterrissagem forçada que milagrosamente concluiu em pé depois de abortar seu voo quando se sentiu perdida no espaço.

Biles, voluntariamente discreta, uma estrela a contragosto nos últimos dias, não pensa nas arquibancadas, cheias de compatriotas com credenciais penduradas no pescoço. Ele se esquece das câmeras voltadas para sua cabeça, observando cada movimento seu. Dilui-se, uma a mais no meio de sua equipe, os seus. Sua treinadora, Cecile Landi, que a abraça; a campeã da competição completa, sua amiga Sunisa Lee, que ela abraça, e batem as mãos. Chega ao pavilhão duas horas antes e se aquece sem que os outros lhe prestem a menor atenção. Não é especial. É mais uma. É como elas. E isso deixa Biles feliz.

Todos os seus gestos se voltam às colegas ginastas, às sete com quem disputará a vitória na última prova do programa de ginástica artística feminina, o exercício da trave. Antes de começar, ela se aproxima da trave. Estende os braços, a medida de todas as coisas, e marca seus limites com giz na madeira.

Sabe que não conquistará a medalha de ouro como também não a conquistou há cinco anos no Rio de Janeiro, a única medalha não de ouro de sua colheita de cinco que a elevou ao trono de figura máxima dos Jogos Olímpicos. A vitória é o regresso. Um ato de coragem único para uma pessoa cuja ausência da competição até o décimo primeiro dia foi a grande notícia do evento. Ela retorna sem ser a Biles de sempre, a ginasta única que levou seu esporte a uma nova dimensão e popularidade inigualável. Em seus 70 segundos na trave faz seu grande triplo giro na posição cossaco, cumpre todas os requisitos, o flic flac e a série acrobática, a combinação de saltos ginásticos, e faz uma saída com um duplo carpado de costas.

A adrenalina, em suspenso. Mas não inclui as piruetas que a tornam especial, os elementos que ainda lhe dão vertigens. Não é a Biles que o público queria que fosse, é a Biles que quer ser na que talvez seja sua despedida da grande competição. Seu último voo.

O espetáculo termina. Thomas Bach se levanta e sai do pavilhão. Entram no palco os homens da barra fixa. A ginástica continua.

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