A ‘tempestade’ Ítalo Ferreira conquista o 1º ouro do Brasil na Olimpíada de Tóquio

Ele aprendeu a surfar em um pedaço de madeira quando era criança. Hoje, o potiguar protagoniza a consolidação do favoritismo brasileiro na modalidade de estreia nos Jogos Olímpicos

Ítalo Ferreira celebra a conquista da medalha de ouro no surfe masculino na praia de Tsurigasaki, no Japão.Francisco Seco (AP)
São Paulo -
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Ítalo Ferreira entrou para a história do esporte mundial. O surfista potiguar conquistou a medalha de ouro na estreia do surfe como modalidade esportiva nos Jogos Olímpicos. Aos 27 anos, o surfista natural de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, confirmou o favoritismo do Brasil e levou o país ao topo do pódio na praia de Tsurigasaki, no Japão, após uma emocionante disputa na tarde desta terça-feira (madrugada no Brasil). A onda brasileira só não foi maior porque o bicampeão mundial Gabriel Medina, número um no ranking do esporte, terminou em quarto lugar, sem medalha. Coube a Ítalo Ferreira vingar Medina: ele desbancou o algoz do paulista nas semis, o japonês Kanoa Igarashi, e se consolidou campeão olímpico com a nota 15.14 a 6.60. Com a conquista no surfe, o Brasil soma cinco medalhas nesta Olimpíada: um ouro, duas medalhas de prata no skate e um bronze no judô.

O potiguar fez parecer fácil a conquista de ouro, com seus aéreos num mar revolto, numa final antecipada pelo temor da passagem de um tufão. Mas fora da água, a subida ao pódio pareceu uma odisseia. Na viagem para Tóquio, Ítalo Ferreira teve suas pranchas extraviadas e as primeiras ondas no litoral japonês, antes da competição, foram com equipamentos emprestados de colegas. Na final, viu sua prancha partir ao meio logo na primeira onda. Correu para a areia, pegou outra prancha e voltou ao mar, inabalável, concentrado em seu objetivo.

“Eu vim com uma frase para o Japão: ‘Diz amém que o ouro vem’. E ele veio! Eu treinei muito nos últimos meses e realizei o meu sonho. Agradeço a Deus em primeiro lugar, de poder fazer o que eu amo, de poder ajudar as pessoas, de poder ajudar a minha família. Eu consegui o que eu quis, graças a Deus”, disse à TV Globo, após conquistar a vitória olímpica, muito emocionado e emocionando o jornalista que o entrevistava.

O brasileiro avançou para a final após desbancar o australiano Owen Wright na semi, em uma bateria que começou devagar, com muitas quedas e notas baixas para os dois lados —mas ainda assim disputadíssima e apertada. Ítalo Ferreira conseguiu manter a vantagem, mesmo quando os dois atletas estavam empatados —o critério de desempate é a maior nota da bateria, que era do brasileiro. Ferreira ainda aumentou a vantagem, ao marcar 6,67. Wright seguiu próximo e descontou, mas precisava de mais 6,70 para virar o jogo. Não teve sucesso.

O menino que aprendeu a surfar num pedaço de madeira

Nascido em 1994, o surfista pegou suas primeiras ondas em um pedaço de madeira quando ainda tinha oito anos, na Baía de Formosa. “Só que não dava para ficar em pé [no pedaço de madeira]. Aí eu pegava as tampas da caixa de isopor que meu pai usava para vender peixes”, relatou Ferreira ao UOL antes de viajar a Tóquio. Com o tempo conseguiu ficar em pé na tampa e viu que levava jeito para o esporte. “Aquilo era minha diversão. Enquanto meu pai trabalhava, eu não tinha o que fazer, não podia ajudar... Ele tinha que vender o peixe, falar com os caras... Para mim era meio que um saco ficar ali olhando só”.

De origem humilde, contou com o apoio de seu pai Luisinho, um pescador local, e de sua mãe Katiana, que trabalhava numa pousada, para juntar dinheiro e comprar sua primeira prancha. Ao conquistar o ouro, Ítalo Ferreira chorou muito e o dedicou a sua avó, já falecida. “Eu só queria que a minha avó estivesse viva para ver o que eu me tornei.”

Ítalo Ferreira comemora a vitória no Japão. Brasileiro é o primeiro campeão olímpico da história.Miguel Gutiérrez (EFE)

Não deu dobradinha

Por muito pouco o potiguar não teve a companhia de Gabriel Medina no pódio. O sonho da dobradinha brasileira, entretanto, foi prejudicado por uma arbitragem considerada polêmica pelo competidor e por outros atletas da modalidade. Um dos favoritos na competição, Medina perdeu para o japonês Kanoa Igarashi na semifinal e foi derrotado pelo o australiano Owen Whright na disputa pelo bronze.

Com um mar bastante revirado, o australiano conseguiu abrir vantagem logo no início, mas a diferença se manteve estreita durante toda a bateria de 35 minutos. Faltando cinco minutos para o final, Gabriel Medina conseguiu pegar uma boa onda e realizar um aéreo, mantendo-se em pé no final da manobra. Ele precisava de pouco mais de seis pontos para virar, algo que, para os comentarias que acompanhavam a disputa, parecia certo. Mas a nota veio baixa, para a surpresa de torcedores e analistas. O australiano acabou vencendo por 11,97 a 11,77.

“É triste quando isso acontece. Muita gente mandou mensagem. É difícil passar o ano treinando e se esforçando, chegando nisso. A minha parte, eu fiz. Agora é continuar trabalhando. Tem coisas que não dá para entender, mas é assim”, lamentou. Assim, a passagem da brazilian storm pela Olimpíada no Japão terminou com o ouro de Ítalo Ferreira, a quarta colocação de Gabriel Medina, e com a surfista cearense Silvana Lima eliminada nas quartas de final, e Tatiana Weston-Webb nas oitavas. Nada mal para o início de uma tempestade olímpica.


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