Como os protestos de rua tiraram a Copa América da Colômbia
Conmebol informa que reorganizará as partidas que seriam disputadas em território colombiano. Argentina ainda se destaca como organizadora
A explosão social na Colômbia acabou lhe tirando a sede da Copa América. A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) rejeitou quase que imediatamente nesta quinta-feira o pedido de última hora do Governo de Iván Duque, que solicitava o adiamento do torneio ao final de um dia em que vários meios de comunicação anunciaram, sem confirmação oficial, que a decisão de ser disputada apenas na Argentina, o coanfitrião, era iminente.
“Por motivos relacionados ao calendário internacional de competições e à logística do torneio, é impossível transferir a Copa América 2021 para o mês de novembro”, disse a Conmebol em breve comunicado publicado em seu site. Depois de agradecer o “entusiasmo e determinação” do presidente Duque, a instituição lembrou que relatará nos próximos dias o “remanejamento” das partidas que seriam disputadas na Colômbia, sem confirmar se a Argentina assumirá todos os remanejamentos.
“O Governo da Colômbia solicitará formalmente à Confederação Sul-americana de Futebol, por meio da Federação Colombiana de Futebol, o adiamento da Copa América”, declarou o ministro do Esporte, Ernesto Lucena, pouco antes em Bogotá, sem se referir às mobilizações sociais. “Acreditamos que o mais importante em um evento dessa magnitude é a capacidade do público”, acrescentou, se escondendo atrás da devastação do coronavírus. A impossibilidade de torcedores nos estádios “faz com que a Copa não seja um evento com que todos sonhamos”, argumentou após um encontro com outros membros do Gabinete na Casa de Nariño, a sede do Governo. A resposta foi imediata, e com ela a Conmebol pôs fim ao desejo improvável do Executivo de Duque, cercado há três semanas pelos protestos.
Apesar da crise, o Governo insistiu na necessidade de o país andino sediar no próximo mês o torneio de seleções mais antigo do mundo, o que considerou um fator unificador em meio à ansiedade. Quando a organização do torneio foi questionada, Duque defendeu que o evento fazia parte do difícil processo de reativação econômica após a investida do coronavírus. “Seria um absurdo que a Copa América não fosse disputada aqui, quando se vai disputar a Eurocopa”, afirmou o presidente quando os protestos mal completavam a primeira semana, mas a situação piorou desde então.
Embora o presidente argentino, Alberto Fernández, tenha se mostrado um pouco menos entusiasmado com a organização do torneio em meio à pandemia, na terça-feira ele deu a entender que seu país poderia ser o único local. “Se cumprirem todos os protocolos, estamos dispostos a ver a possibilidade de organizá-lo sozinhos”, disse à Rádio 10. A Argentina, porém, também não tem uma vida fácil. Nesta mesma quinta-feira, ele anunciou um confinamento de nove dias para evitar o colapso dos hospitais, e o prefeito de Buenos Aires se opôs à possibilidade de se disputar partidas nos estádios da capital.
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Clique aquiA inédita Copa América da Colômbia e da Argentina, que pela primeira vez seria disputada em sedes de dois países diferentes, está marcada para ocorre entre os dias 13 de junho e 10 de julho, mas ainda está carregada de incertezas. Embora ambas as nações vivam um momento crítico da pandemia devido à repercussão dos casos, que já semeavam dúvidas sobre a viabilidade do torneio, foi a delicada situação interna da Colômbia que acabou frustrando os sonhos do Governo. O país acumula cinquenta mortes no quadro de todos os tipos de protestos, motins e confrontos entre manifestantes e policiais.
Os esportes ficaram em segundo plano. Na semana passada, várias partidas de clubes da Copa Libertadores foram disputadas em meio a interrupções por gás lacrimogêneo que vinha das ruas, em imagens que foram transmitidas ao vivo para todo o continente. O duelo entre o América de Cali e o Atlético Mineiro teve que parar cinco vezes, e o confronto entre Junior Barranquilla e o argentino River Plate também foi suspenso por vários minutos, ambos na cidade caribenha de Barranquilla. Em Pereira, o jogo do Atlético Nacional de Medellín e do Nacional do Uruguai começou com uma hora de atraso devido às manifestações. Até os torcedores dos clubes colombianos aderiram aos protestos para exigir que o torneio não seja realizado.
O propósito manifestado desta edição da Copa América inusitada foi padronizar calendários para que possa ser disputada em paralelo com a Eurocopa. Tal como o torneio europeu de seleções, também deveria ser disputado no ano passado e já foi adiado para 2021 devido à pandemia. Mas, pouco mais de um mês antes de rolar a bola, a Colômbia transbordou com um amálgama de reivindicações e mobilizações sociais que acabou atrapalhando os planos das lideranças, que até esta semana insistiam na firmeza da sede. A Colômbia pretendia receber 15 jogos, incluindo a final em Barranquilla.
Desde o surto do coronavírus, há mais de um ano, as medidas de vários governos sul-americanos para conter sua disseminação ―como restringir a entrada de estrangeiros em seus países, fechar fronteiras e proibir eventos de massa― tiveram forte impacto nas competições regionais. Um efeito dominó que já havia chegado tanto à Libertadores quanto às eliminatórias da Copa do Mundo do Qatar, de 2022, que estão atrasadas. A oitava rodada, em que a Colômbia deve receber a Argentina justamente em Barranquilla no dia 8 de junho, também segue tingida de incertezas.
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