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A armadilha das grandes expectativas

A pandemia atualizou o que era evidente: quanto mais alta estiver a baliza do esperado e do desejado, maiores as chances de frustração

Diego Mir (EPS)

Nosso cérebro se dá muito mal com a incerteza. Estamos programados para a sobrevivência, mas não sabemos nos movimentar bem em ambientes onde não está claro o que vai acontecer. Para reduzir a sensação incômoda gerada pela falta de certeza, criamos as expectativas. Esse é o motivo pelo qual confiamos que a comida que compramos terá o mesmo sabor que da última vez, que nosso amigo será sincero quando nos contar algo, ou que as vacinas chegarão logo para nos liberar desta pandemia. Entretanto, basear-se nas expectativas nem sempre ajuda a se sentir melhor com você mesmo.

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O mundo das expectativas nos condiciona mais do que imaginamos. Influenciam no nosso aprendizado e em como tratamos quem nos cerca, e podem ser o motivo de muitas de nossas frustrações. Se, por exemplo, nos falam maravilhas de um filme, e ao vê-lo não achamos tão bom, é possível que nos sintamos decepcionados. Se esperarmos que nosso parceiro prepare um jantar maravilhoso, mas acaba nos surpreendendo com algo simples, talvez nos incomodemos simplesmente pela ideia que tínhamos pré-concebida. Popularmente se diz que as expectativas são ressentimentos premeditados, porque, se a realidade não se ajustar ao espartilho do que tínhamos pensado, gera frustração.

Este mecanismo inconsciente é estudado no marketing das empresas. Tanto é que se reconhece que a satisfação dos clientes é o resultado da percepção menos a expectativa. Quanto maior for a expectativa, mais alto teremos que elevar a baliza das experiências ou dos relacionamentos para ficarmos satisfeitos. Funcionamos assim inconscientemente, mas temos a opção de agir sobre nossa maneira de pensar para que aja a nosso favor. Principalmente em momentos tão complexos como os atuais. Vejamos como conseguir isso.

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Primeiro precisamos confiar, mas sem expectativas concretas. Sabemos que a pandemia vai passar. Não há nada que dure eternamente. O problema é que não sabemos quando será possível imunizar toda a população com a vacina, nem se a vida voltará a ser como antes. Nem sequer sabemos se novas mutações do vírus nos ameaçarão. Se depositarmos toda a esperança em uma data, e por qualquer motivo o objetivo não for alcançado, cairemos na frustração.

Algo assim aconteceu na || Guerra Mundial, conta Viktor Frankl em seu maravilhoso livro Em busca de sentido. Os prisioneiros de Auschwitz se animaram antes do Natal de 1944 porque acreditavam que seriam liberados. Entretanto, quando essa data passou e perceberam que o vaticínio não se cumpriu, muitos adoeceram e morreram. A liberação ocorreu poucas semanas depois. Se aplicarmos esta experiência a nós, temos que confiar em que o final da pandemia cedo ou tarde acontecerá. Seremos vacinados, mas é muito melhor não se obcecar com uma data nem depositar nossa felicidade nesse momento. A confiança é diferente da expectativa. A primeira é mais aberta e inspiradora, enquanto a segunda acaba se mostrando mais específica e concreta, por isso gera mais frustração, já que não depende de nós.

Em segundo lugar, temos que estar conscientes de que o melhor antídoto contra a frustração é colocar a gratidão no lugar da baliza imposta pela expectativa. Agradeçamos o jantar que nos prepararam, esquecendo se era ou não o que estávamos esperando. Digamos obrigada pelos pequenos detalhes que o dia a dia nos oferece, sem esperar para recuperar nossa felicidade quando estivermos todos vacinados. Viver sem tantas expectativas torna tudo mais fácil. Dessa maneira, valorizaremos o que acontece conosco sem estarmos influenciados por um pensamento prévio. Este exercício não significa anular nossos sonhos ou desejos, que podem atuar como um farol em nossas decisões. O que não podemos é relacionar nossa felicidade com que aconteçam certas coisas que não dependem de nós. Se soltarmos essa carga, poderemos transitar pela pandemia de um modo mais amável.

Cuidado com o pensamento mágico

Jean Piaget, um dos grandes estudiosos do desenvolvimento da inteligência, dizia que as crianças confundem seu mundo interior com o exterior. Ou seja, às vezes acreditam que podem usar seu pensamento para fazer as coisas acontecerem. Por exemplo, se eu estiver muito zangado com meu irmão, meu pensamento pode fazê-lo tropeçar. Piaget chamou isso de pensamento mágico: acreditar que, por desejar algo, isto vai acontecer. Esse tipo de pensamento desaparece quando a criança completa sete anos, segundo o autor. Entretanto, parece que nem sempre é assim, e que, quando adultos, mesmo saudáveis, caímos na crença de que o mero desejo leva as coisas a acontecerem.


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