Deirdre N. McCloskey: “Aumentar o salário mínimo não significa que haverá menos pobres”
Economista liberal diz que a ameaça contra o meio ambiente é exagerada, mas que a ameaça à democracia não é. “Essa gente fascista está em muitos lugares, seja no Brasil de Bolsonaro ou nas Filipinas de Duterte”
Ela se define como feminista aristotélica episcopal quantitativa a favor do livre mercado e pós-moderna. Na entrevista em sua casa, em Chicago, acrescenta: “E mulher do Meio Oeste americano nascida em Boston.” Deirdre Nansen McCloskey, de 78 anos, foi várias vezes candidata ao Prêmio Nobel de Economia. O livro em que relatava sua transição de homem a mulher, Crossing, integrou a lista dos mais destacados do jornal The New York Times. Do marxismo, ela evoluiu para o liberalismo. E agora escreve o epílogo do volume El Manual Liberal (Deusto), com textos de Mario Vargas Llosa, María Blanco e Carlos Alberto Montaner, entre outros autores.
Pergunta. A senhora é uma otimista dentro da melancolia agoureira que parece dominar o mundo.
Resposta. Sou! Não entendo por que as pessoas são pessimistas. Como economista, mas principalmente como historiadora, sou capaz de apreciar o longo percurso e sei que os espanhóis eram muito pobres em 1930 e hoje não são. Não culpo ninguém, é muito difícil superar o pessimismo quando é amplificado a cada dia, seja por estudiosos ou colunistas que expressam o pessimismo quase com orgulho. Ou políticos que aterrorizam as pessoas, com o medo do estrangeiro, com o pessimismo em relação à economia... O negócio do populismo que vemos crescer a cada dia é fazer com que as pessoas tenham medo.
P. São, então, apenas os estudiosos bem-intencionados que vêm alertando há algum tempo sobre uma ofensiva contra as democracias liberais.
R. Oh, não! Essa ameaça existe, é real. Às vezes não está tão claro de onde vem, mas quase sempre é fascismo em qualquer uma de suas expressões. Fascismo populista, esse é o grande perigo. Basta olhar para a França. Marine Le Pen pode ser a próxima presidenta da República —embora acredite que perderá no segundo turno—, mas enquanto isso esse caldo de cultura cresce e pode se exacerbar se houver um acontecimento trágico que choque a sociedade. Olhe os anos Trump, o mundo ia acabar. Trump foi uma praga, não só para os EUA. Acredito que usamos pouco essa palavra que começa com ‘f’, fascismo, e deveríamos usá-la mais porque essa gente é fascista, como foram Franco ou Mussolini, e agora está em muitos lugares, seja no Brasil de Bolsonaro ou nas Filipinas de Duterte. Talvez o pior de Trump é que deu legitimidade a outros políticos para imitar seu modelo. E tivemos sorte de que Trump é um idiota, se não...
P. Depois de quatro anos de Administração Trump e com 70 milhões de votos a seu favor nas últimas eleições que perdeu, os Estados Unidos continuam sendo o farol liberal no mundo?
R. Não há dúvida de que fomos submetidos a uma grande prova. Podemos continuar sendo o farol do liberalismo? Eu diria que sim. Porque Donald Trump foi um criminoso que deveria estar na prisão. Mas não nos enganemos, Trump não está acabado. Tenho uma prima que mora no Arizona e tem cavalos. Até aí tudo normal, não é? Bem, ela quer comprar uma arma para se defender dessas hordas de imigrantes que vão tirar nossos empregos. Ela votou em Trump e reverencia o líder, e não há maior prova de fascismo do que isso.
P. Com seu perfil liberal, libertário como a senhora diz, o que acha da defesa de Biden do papel do Governo federal, com essa maciça injeção de dinheiro para emprego, infraestrutura, proteção social?
R. Biden está fazendo um excelente trabalho. Mas principalmente porque não está causando pânico nas pessoas. Não tem um discurso do medo. Biden é bom para o país, embora eu discorde de muitas das propostas democratas. Eu não sou democrata. Sou liberal. Não acredito que aumentar o salário mínimo para 15 dólares (cerca de 78,33 reais) a hora fará com que haja menos pobres, é quase certo que acontecerá o contrário: não haverá trabalho.
P. Com quais outras partes da agenda da Administração Biden-Harris a senhora não comunga?
R. Com suas propostas ambientais, exagera-se muito a ameaça ao meio ambiente. Não é um problema tão sério quanto a paz mundial ou a pobreza. E, permita-me, sabemos que algo não vai bem quando uma estudante sueca de ensino médio se torna a heroína do movimento ambientalista. Não estamos pensando como adultos.
P. Pensando como adultos... A senhora diz no epílogo de El Manual Liberal que “o liberalismo é adultismo”.
R. Muita gente gosta de ouvir que lhe diga o que fazer. E isso leva uma liberdade infantil. Segundo a definição que fez [em 1819 o filósofo francês Benjamin] Constant, existem dois tipos de liberdade, a antiga (a liberdade dos antigos) e a moderna (a liberdade dos modernos). Esta última é poder governar a si mesmo, com o que você ganha com o seu esforço, honradamente, sendo honesto. A liberdade dos antigos é a que te dá o direito de participar, de votar. Nós, humanos, queremos ambas as liberdades. Mas quando você gosta de ser dirigido, acaba tendo uma liberdade infantil; você renuncia a governar a si mesmo. Hoje as pessoas exigem homens montados em cavalos brancos para salvá-las: mais Mussolinis, mais Peróns, mais Putins!, que imponham um estatismo antiliberal.
P. A senhora também diz que “a América Latina está cheia de adultos infantis”.
R. Sim, é trágico. A Argentina é o melhor exemplo. A Venezuela é uma catástrofe absoluta.
P. A senhora foi marxista; colega do inspirador do livre mercado, Milton Friedman; foi professora; aproximou-se da escola austríaca de Friedrich Hayek..., e hoje reclama para o mundo a economia do humano, humanomics.
R. Todos somos ou deveríamos ser marxistas aos 20 anos! A economia do humano é muito simples: aplicar as humanidades à economia, à filosofia, à literatura, à história... Tanto os marxistas quanto os burgueses simplificam o humano, os primeiros porque o encaixam em uma classe social e os segundos porque o veem apenas como maximização de lucro.
P. A senhora fez muitas mudanças, mudou suas ideias e aos 53 anos mudou de gênero. Deixou de ser chamada de Donald para se chamar Deirdre. Imagino que não se sentiu discriminado sendo um estudante branco em Harvard e depois professor da Universidade de Chicago e Iowa. Como mulher, sentiu-se discriminada?
R. Fazia apenas um mês que era mulher quando vivi a discriminação. Estava conversando com um grupo de economistas sobre o que os economistas falam: de economia. Todos sabiam que eu havia sido um homem antes. Fiz um comentário e passou despercebido. Momentos depois, George disse exatamente a mesma coisa. “George, é brilhante!”; “George, deveriam te dar o Nobel!”. Foi a primeira vez que me senti discriminada e a última vez que desfrutei disso. Pensei: Sim, sou mulher, e como tal me trataram! Consegui!
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